Tipo de açúcar impede que câncer se espalhe

O benefício da fucose foi constatado em ratos e células de pacientes acometidos pelo melanoma, um tumor de pele com alto índice de metástase. A substância promissora é produzida pelo corpo humano e também existe em peixes e algas marinhas

por Vilhena Soares 31/12/2015 09:00
A alta possibilidade de metástase faz com que o melanoma seja um dos cânceres de pele que demandam mais atenção. Quando as estruturas doentes se espalham para outras partes do corpo, a doença se torna praticamente incurável. Cientistas dos Estados Unidos apostam na ação de um tipo de açúcar para impedir essa complicação fatal. Testada em ratos, a fucose — produzida pelo corpo humano e também presente em algas marinhas e peixes — reduziu a migração de substâncias malignas. A descoberta, publicada neste mês na revista Science Signaling, abre as portas para o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes contra esse tipo de carcinoma.

O trabalho surgiu com base em investigações anteriores sobre mecanismos ligados à metástase. “Realizamos previamente um estudo de expressão gênica para identificar o que regulava e selecionava a fucose. Chegamos ao ATF2. Era de interesse estudar esse gene, uma vez que previmos que ele poderia ser importante para a metástase do tumor, dado o seu papel em fucosilação, um processo que pode afetar a adesão celular e a migração das células”, detalha ao Correio Ze’ev Ronai, professor e pesquisador do Sanford-Burnham Medical Research Institute.

A metástase ocorre quando existe um defeito nas células cancerígenas, impedindo que ocorra a fucosilação, o mecanismo que permite que as estruturas doentes fiquem unidas. Soltas, as partes cancerígenas se espalham pelo corpo. Os pesquisadores comprovaram essa teoria ao analisar tecidos tumorais de pacientes com e sem metástase. Perceberam que havia fucolização reduzida nos integrantes do primeiro grupo.

Com base nesses dados, partiram para um experimento com ratos com melanoma, que receberam água suplementada com fucose. “Utilizamos nesse estudo a L-fucose, uma forma modificada do açúcar para podermos usá-lo na água”, explicou o autor. A terapia interferiu positivamente nas taxas de dispersão dos tumores. “O nosso estudo demonstra que a adição de L-fucose na água potável reduziu a metástase do melanoma em até 40%”, comemora Ronai.

Carlos dos Anjos, especialista em câncer de pele do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, unidade Brasília, avalia que os investigadores da instituição norte-americana conseguiram mostrar como ocorre a metástase. “Eles mostraram, de maneira elegante, que existem algumas alterações na genética da célula tumoral que fazem com que ela não consiga realizar a fucosilação adequadamente, permitindo que se espalhe”, explica.

Segundo Anjos, a falta desse processo químico também atrapalha o sistema imune a lutar conta a doença. Mas, para o especialista, o ponto alto do trabalho é a criação de uma estratégia de contenção do problema que promete eficácia. “Ao pegar essas células e colocar o açúcar, ou ao mexer na ‘maquinaria’ ligada a esse processo, eles conseguiram corrigir o efeito tanto nos ratos quanto em células humanas in vitro. Com isso, as chances para a metástase foram reduzidas”, completa.

Novas etapas
Anjos explica que a fucose é um açúcar existente em praticamente todos os animais, só que fica em locais específicos das células. Segundo o especialista, a opção de utilizar a versão encontrada em algas marinhas e peixes é mais delicada. “Precisamos deixar claro que não existem evidências desse mesmo efeito em humanos. Por isso, está muito cedo para dizer que poderia ser usada em tratamentos. Trata-se apenas de uma hipótese futura. Não quer dizer que, ao consumir o açúcar, a pessoa esteja se protegendo”, alerta.

Os autores também reforçam que a pesquisa precisa de mais etapas até que os resultados comecem a ser usados clinicamente. “Vamos precisar realizar mais estudos em diferentes modelos de ratos e avaliar a eficácia para, depois, partirmos para os humanos”, destacou Ronai. O estudioso adianta quais perguntas precisarão ser respondidas nos próximos experimentos. “Queremos identificar vias complementares dentro da glicosilação de proteínas que possam permitir aumentar o impacto global nas metástases de tumores e ser combinadas com a L-fucose”, adianta.

Aposta nos efeitos da imunoterapia
As medicações que ajudam o sistema imune de um paciente a lutar contra determinada doença têm ação semelhante à das vacinas. Segundo especialistas, elas também estimulam os mecanismos de defesa do organismo. O uso do sistema imunológico para curar doenças é uma estratégia conhecida há décadas, mas os resultados positivos vindos dessa técnica começaram a surgir recentemente.

No Brasil, foi aprovado, em 2012, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o uso da medicação imunoterápica ipilimumab para tratar pacientes com melanoma. Pesquisas atestam a redução de tumores na pele em pacientes que utilizaram o remédio e não haviam respondido a outras terapias. Experimentos realizados nos Estados Unidos e na Europa também compararam a ação do ipilimumab com outra droga, a nivolumab, resultando em efeitos promissores.

Para o especialista em câncer Carlos dos Anjos, as pesquisas na área de imunoterapia têm grandes chances de trazerem resultados que serão úteis ao combate a carcinomas na pele. “A área mais inovadora que existe na oncologia atual e que começou em pesquisas sobre melanoma são os tratamentos com base na imunoterapia, no qual melhoramos a qualidade do sistema imune para ele atacar as células tumorais, promovendo uma melhora do corpo”, destaca.

O especialista também acredita que o tratamento detalhado na revista Science Signaling, caso progrida, servirá como possibilidade de terapia para outras enfermidades. “Isso pode ajudar o mecanismo de outros tumores ligados à pele. É claro que precisa ser investigado, mas é bem provável que exista essa relação. Caso evolua para exames clínicos, podemos ter a esperança do uso da fucose assim como outras drogas que já utilizamos hoje em dia”, completa.