Exercícios físicos devem ser praticados por quem tem HIV (é a ciência que diz)

Estudos indicam benefícios como o reforço no sistema de defesa do corpo e controle da depressão

por Isabela de Oliveira 23/09/2015 11:00

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Em algum momento entre o primeiro e o segundo séculos desta era, o poeta romano Juvenal alertou que a saúde física dependia da mente sã. “Mens sana, corpore sano”, aconselhou na Sátira X. Hoje, na era da longevidade, as palavras fazem mais sentido do que nunca. Até entre os doentes crônicos, como os soropositivos. Eles venceram a severidade da síndrome de imunodeficiência adquirida (Aids), que no passado foi considerada sentença de morte, e têm mais motivos do que nunca para se cuidar. Especialistas recomendam que um dos hábitos primordiais é a prática de atividades físicas. Além de reduzir a ansiedade, ela eleva a imunidade e ameniza os sintomas da infecção e os efeitos colaterais dos medicamentos.

Uma pesquisa realizada entre 2007 e 2011 pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte avaliou a condição de saúde física e mental de soropositivos submetidos a um programa de exercícios físicos. Durante um mês, os participantes foram instruídos a seguir uma rotina de oito atividades, executadas três vezes por semana. Especialmente para as mulheres, a musculação e os exercícios aeróbicos induziram à perda da gordura visceral, que predispõe as doenças metabólicas, e diminuíram a inflamação geral do corpo.

Cristiano Gomes / CB / D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Cristiano Gomes / CB / D.A Press)


O estudo, detalhado recentemente na publicação especializada HIV/AIDS and Physical Exercises: Intervention, Adherence to HAART and Health, mostra que, após um ano de treino, foram observados efeitos positivos na contagem de células TCD4+, as que comandam o sistema de defesa humano. E mais: a atividade em grupo favoreceu o apoio emocional e a reintegração dos participantes mais isolados, aumentando ainda a adesão à terapia antirretroviral de alto poder (Haart, na sigla em inglês).

Outros trabalhos encontraram evidências semelhantes, como um conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e publicado em 2013 no Journal of NeuroVirology. Os autores acompanharam 335 pacientes com HIV, sendo que 83 praticavam atividades físicas. Verificou-se que adultos soropositivos que se exercitavam tinham aproximadamente metade da probabilidade de desenvolver deficiência neurocognitiva em comparação àqueles que não. Segundo Márcia Gonçalves, entre as complicações neurológicas primária da Aids, há a demência associada ao HIV e formas mais leves, como o transtorno cognitivo/motor.

Fim do repouso
Quando os primeiros casos da Aids foram registrados, no início da década de 1980, a aparência debilitada dos pacientes demandava cautela. Naquele tempo, o repouso era uma recomendação. Isso aconteceu até que surgisse a Haart. “Após 1990, o paciente ganhou qualidade de vida e, com isso, o foco dos médicos e dos cientistas mudou: antes era como controlar a doença infecciosa, agora são os problemas e as consequências da terapia”, conta o infectologista Werciley Júnior, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

Apesar de controlar o vírus, os medicamentos não o eliminam, levando o corpo a um processo inflamatório crônico que favorece o aparecimento de doenças metabólicas — diabetes, hipertensão e obesidade central, por exemplo. Essas enfermidades podem ser prevenidas justamente com exercícios físicos. Werciley Júnior conta que, antes da Haart, esses problemas não existiam porque os pacientes não chegavam a esse patamar. “A partir do momento em que o soropositivo ganha qualidade de vida, aparecem também os sintomas metabólicos. E, nesse sentido, a atividade física oferece um ganho enorme”, completa.

O especialista diz que o diagnóstico, por si só, faz com que o paciente se deprima e isole. No consultório, não são raros os casos de pessoas que se culpam pela doença. “Não sabem a quem recorrer para conversar, pois têm medo de preconceito. E isso favorece a depressão”, relata. A estimativa é de que 20% dos soropositivos sejam depressivos, condição que pode impactar na adesão ao tratamento. Levantamento do Instituto de Infectologia Emílio Ribas com 201 pacientes constatou que 53% abandonaram a medicação e acompanhamento médico por causa do transtorno.

Fragilidades
Coordenadora da disciplina de psiquiatria e psicologia médica da Universidade de Taubaté, em São Paulo, Márcia Gonçalves explica que transtornos psiquiátricos, como depressão, abuso e dependência de álcool, drogas e tabaco, são mais frequentes nas pessoas que vivem com HIV/Aids. Em muitos casos, os pacientes têm alguma alteração patológica prévia à infecção. “Essas condições potencializam a vulnerabilidade à exposição ao vírus. Por outro lado, o diagnóstico pode ter forte impacto psicológico e, eventualmente, desencadear recidivas ou mesmo surgimento de transtornos mentais”, diz.

O isolamento, aponta Werciley Júnior, costuma ser o primeiro impacto negativo, com implicações diretas no sedentarismo. “A pessoa pensa que ninguém vai querer ficar com ela. O medo gera a depressão e, por isso, o esporte é bom. Ele integra as pessoas”, ressalta. “Outra coisa: no estereótipo, doentes não praticam atividades físicas por serem debilitados demais. Os soropositivos que se exercitam, além de convívio social, fogem disso. Os grandes vilões são o medo e a falta de informação. Quem tem o HIV precisa se cuidar, assim como quem não tem”, ressalta o infectologista.


Rujvi Kamat, pesquisadora da Universidade da Califórnia

A senhora conduziu pesquisas sobre depressão em brasileiros soropositivos. O que descobriu?
Depressão e outros problemas psiquiátricos, como ansiedade e apatia, ocorrem devido à infecção pelo HIV e têm um impacto negativo na qualidade de vida. Mas essas questões não são bem estudadas cientificamente. Se entendermos como esses problemas ocorrem em soropositivos e como eles vivem isso, poderemos tratá-los melhor. Curiosamente, o grupo brasileiro HIV positivo apresentou maiores taxas de depressão (72%) do que se costuma ver em outros grupos. A taxa é de 30% a 50% em soropositivos norte-americanos, por exemplo. Não se sabe por que exatamente, mas dados de outras culturas sugerem que o diagnóstico, o histórico de transtornos psiquiátricos e os problemas do dia a dia, além da medicação inadequada, estão relacionados.

O que pode ser feito para amenizar essa dor?
É importante que médicos que reconhecem a depressão e a apatia em seus pacientes soropositivos investiguem os sintomas. Embora a medicação possa ser útil, outras opções, como a participação em grupos de apoio, em atividades sociais — esportes em grupo, por exemplo — ou em outras atividades prazerosas devem ser consideradas. Há cada vez mais a atenção para a eficácia de exercícios moderados no humor desses pacientes.