Guia puxa orelha de espertalhões e ensina etiqueta diária da boa convivência

Pessoas que transgridem leis e regras em qualquer ambiente ou situação recebem o apelido descolado em livro publicado por escritora de Nova York

por Lilian Monteiro 19/07/2015 10:00

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Lelis/Ilustração
(foto: Lelis/Ilustração)
É claro que ninguém quer ser um babaca, mas o mundo está cheio deles. Quem nunca se deparou com o esperto que anda pelo acostamento, com o camarada que fura o sinal vermelho, com a mãe que para em fila dupla na porta da escola, a pessoa que passa na sua frente na fila do cinema, a moça que finge dormir para não dar lugar ao idoso no ônibus, o valentão que quer resolver tudo no braço, o apressadinho que buzina na área hospitalar, o sarado da academia que põe 200 quilos no aparelho e não retira os pesos depois de malhar, o rapaz que não recolhe o cocô do cachorro, o marido que acha que o serviço doméstico só é tarefa da mulher, a adolescente que faz bullying na escola, o morador que não respeita a lei do silêncio e acha que sua festa não tem hora para terminar, os preconceituosos... Impossível colocar um ponto final.

A lista é extensa. E, infelizmente, esbarramos com muitos desses tipos por aí. Muitas vezes, sem perceber, agimos assim. Precisamos estar atentos. A verdade é que há muitos trogloditas, sem noção, espaçosos por aí... Só muda o nome. Mas, no fundo, todos são babacas! Sem ofensa. Babaca foi o termo direto, descolado, coloquial e perfeito que a ilustradora, designer e escritora de Nova York Meghan Dorerty escolheu para seu livro Como não ser um babaca – Guia de etiqueta para o cotidiano (Editora Intrínseca), que chama a atenção para as pessoas que, simplesmente, perderam a delicadeza e o feeling da convivência educada e recíproca.

E o pior é que essas figuras estão nos relacionamentos, em casa, na escola, no trabalho, na hora da diversão, no trânsito, na internet, enfim, é viral, do nada aparecem em todos os lugares e situações. Como diz Meghan Doherty, é o tipo de pessoa que tem a capacidade e o potencial de estragar até o dia mais agradável como “aquele que, quando você está curtindo, numa boa, uma xícara de café bem quente pela manhã, entra correndo, derruba o café em cima do seu suéter favorito e nem sequer para e ajuda, muito menos pede desculpas!”. É que os babacas, alfineta a escritora, “não param para pensar em como suas atitudes, ações e palavras afetam outras pessoas. Babacas são, em geral, egoístas e desatenciosos. Eles descontam seus medos, frustrações, inseguranças e ignorância nos outros”.
Lelis/Ilustração
(foto: Lelis/Ilustração)
Nessa convivência decadente da sociedade, em processo de desmoronamento, será que há saída para que todos possam respeitar as leis de trânsito, não jogar lixo na rua, não achar que seu direito se sobrepõe ao do outro? Para a psicanalista Inez Lemos, o discurso de levar vantagem, do salve-se quem puder não é bom para ninguém. “A esperança está na produção de um outro discurso que implique a sociedade na ética, no respeito ao outro e valorizando a polidez, a educação e a solidariedade.”

MUDANÇA
Lelis/Ilustração
(foto: Lelis/Ilustração)
Para tanto, Inez diz que devemos romper com a cultura patrimonial, do dinheiro acima de tudo, e instituir uma outra, centrada em novos paradigmas. “O que exige a união das famílias, das escolas e dos governantes, políticos. Será que eles estão interessados em romper o cordão que garante o privilégio, o ganho fácil, a corrupção? A elite sempre reinou na falta de ética, ensinando os pobres a se corromper. E a classe média seguiu a reboque. Basta que a maioria decida e se proponha a mudar que a realidade muda. Será que as famílias querem se empenhar numa melhor educação dos filhos? Será que os políticos querem trabalhar para o bem comum?” E você? Está pronto para fazer sua parte para mudar de atitude ou para cobrar ou alertar quem anda agindo como um babaca por aí?

Formação humana
Tudo é questão de exemplo e educação. A atitude e o comportamento de cada um determinam a maneira de agir das pessoas que seguem regras naturalmente, sem sofrer


“Minhas atitudes ou meu comportamento são resultados da convivência familiar, dos exemplos dos meus pais, por quem tenho muito admiração e respeito. Eles escolheram e aprenderam a viver de uma forma mais simples, tranquila e bem-humorada. Aprendemos a lidar com as coisas, mesmo com as dificuldades, de maneira a não torná-las mais difíceis ainda. Acho importante dizer que essa tranquilidade não significa apatia ou falta de crítica. Tenho meus momentos de estresse, de raiva, de tristeza... Mas não aprendi a lidar com eles de forma agressiva e isso faz toda a diferença.” O depoimento de Marina Marques Moura de Azevedo, de 33 anos, psicóloga e analista social da Cia. Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), da Prefeitura de Belo Horizonte, reflete-se no perfil que a determina como uma cidadã preocupada com o bem comum. “O que exponho aqui é resultado da minha formação humana, não está baseado em alguma teoria ou prática psicológica, apesar de a psicologia ter uma importância enorme na minha vida.”
Euler Junior/EM/D.A Press
"Depois que tive meus filhos, passei a me preocupar mais com as minhas atitudes" - Marina Marques, psicóloga e funcionária pública (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
Casada, mãe de Pedro, de 4 anos, e Alice, de 6 meses, Marina diz que é uma bobagem essa onda de o mundo ser dos espertos, ainda mais quando são considerados espertos aqueles que dão um jeitinho de passar por cima dos outros para conseguir o que querem. “As pessoas perderam a noção do tempo, a calma, consideram seus segundos preciosos demais para esperar um sinal abrir, a fila andar, para aguardar a vez do outro.”

Quem insiste em ter atitudes babacas consegue contaminar tudo à sua volta. Marina conta que a incomoda muito ver pessoas furiosas com atendentes de lojas, bares e lanchonetes, entre outros. “Imagino que estejam insatisfeitas com o atendimento que receberam e, por isso, derramam todo tipo de grosseria numa altura que é pra todo mundo ouvir. Ainda assim, penso que o que quer que seja poderia ser resolvido de forma menos constrangedora. O estresse, a raiva e a insatisfação são sentimentos tão comuns, mas se não soubermos lidar com eles corremos o risco de entrar num ciclo vicioso. É a atendente da loja que não está num bom dia (talvez uma TPM, quem sabe?) e por isso trata você mal, você reclama, xinga, sai dali nervoso, pega o carro, não quer esperar, corre, passa no sinal vermelho, corta outro carro, o motorista desse carro fica irritado, xinga, vai pra casa, briga com a esposa, trata mal os filhos... Esse ciclo pode acabar com uma boa noite de sono, uma boa comida, um copo de cerveja. Mas talvez não, e as consequências também podem ser desastrosas.”

Marina, que está de licença-maternidade, revela ter ficado desconfortável em passar na frente das pessoas, mesmo tendo prioridade garantida por lei. “Penso que toda regulamentação serve para facilitar a vida e a convivência das pessoas. Mas, para além disso, é necessário o bom senso. Nas duas vezes em que fiquei grávida, experimentei muito isso. Entrava na fila prioritária do supermercado, mas me incomodava porque via pessoas, algumas não cobertas pela lei, muito mais necessitadas que eu ou com uma pressa mais justificável que a minha... Chegava a ser constrangedor algumas vezes, porque estava me sentindo bem. Por isso, algumas vezes, passei na frente, outras esperei ou dei o meu lugar e isso não foi tão difícil para mim.”

SUSTO

Com dois filhos para educar, Marina acredita que a formação se dá pela identificação e pelo exemplo. “Por isso, depois que tive meus filhos, passei a me preocupar mais com as minhas atitudes. Como exemplos práticos do dia a dia, respeitar a sinalização, a faixa de pedestre. Meu filho é muito observador e me cobra quando faço algo errado. Mas além de fazê-lo entender a importância de se cumprirem as regras, tenho que ensiná-lo que nem todo mundo sabe disso ou faz isso e que ele precisa estar atento.”

Há pouco tempo, Marina revela que encarou uma situação assustadora. Ela atravessava a Avenida do Contorno empurrando o carrinho com Alice dormindo e de mãos dadas com o Pedro. O sinal de pedestre estava verde, mas na metade da pista, o vermelho começou a piscar. “Foi piscar e os carros começaram a acelerar. Desesperei-me. Pensei que eles não estavam me vendo ali, puxei o Pedro, começamos a correr, ele tropeçou, caiu, fui pegá-lo e acabei derrubando o carrinho, comecei a gritar, levantei os dois e terminei a travessia. Foi um susto tão grande, mas também tão engraçado pela gritaria que arrumei, que quando terminamos conferi os dois, estava tudo bem, nenhum arranhão. Alice ainda dormindo, olhei para a pista, os carros todos parados, os motoristas ficaram meio paralisados olhando pra nós (o sinal já estava aberto pra eles). Voltei para conversar com o Pedro e ele: 'Nossa mamãe, foi um susto de 100 anos hein?' (ou seja, pra ele vai durar 100 anos). Então, como ensinar a ele somente a respeitar as regras, quando tem pessoas que não as respeitam? Ensinar a uma criança fazer a coisa certa, mesmo que outros não o façam, vai depender muito mais do carinho, do exemplo que você é para ela do que de explicações racionais de como as coisas funcionam.” Ela encerra dizendo que outras atitudes fazem a diferença. “Ser mais gentil e educado com as pessoas. Dizer bom-dia, obrigada, com licença. Tento mostrar ao meu filho a importância disso, porque receber gentilezas é muito bom.”

Aprender a ceder

Falta de entendimento do que é cidadania faz com que as pessoas atropelem-se umas às outras. O desrespeito pelas leis, regras e acordos para o bem de todos é simplesmente descartável ou só é seguido se for favorecer a si próprio. “Ao interpretar o que é viver em sociedade é preciso ter paciência, tolerância e dar sua contribuição. É mais do que obrigação. Como cidadão e professor, tenho de ter e de expressar boas práticas dentro do que me propus a ser. Dar o exemplo, ser correto”, explica Pedro Baggio, professor universitário da Newton Paiva e da Fead. Otimista, ele acredita que há boas atitudes por aí, com pessoas fazendo a parte delas. No entanto, afirma que outras tantas precisam repensar o comportamento, já que “não se veem dividindo espaço com o outro e incorporam o papel de autoridade, no sentido de ser mais do que o outro. Pais, escola e sociedade precisam dar bons exemplos, porque muitas práticas não são coerentes”.
Euler Junior/EM/D.A Press
Pedro Baggio, professor universitário da Newton Paiva e Fead, diz que, como cidadão e professor, tem de ter e de expressar boas práticas dentro do que se propôs a ser (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
Para Pedro, o principal é discutir esse tipo de comportamento. “O importante é cada um ter correção de atitude para adotar novos hábitos. E, quando preciso, por que não, chamar a atenção, corrigir. O que pune toda a sociedade é que não discutimos e achamos que é normal, como viajar de avião. Por determinação da Anac, a bagagem de mão é de cinco quilos. Os passageiros, além de levar mais peso, ocupam o espaço do outro, mesmo com lugar marcado. Você chega, não tem onde colocar sua maleta ou ela vai para no fim da aeronave, com você assentado na primeira fileira. Ninguém fala nada e, quando fala, fica parecendo o errado.”

Pedro enfatiza que ninguém vai conseguir ser perfeito. “Isso não existe. Mas é preciso se empenhar na construção de valores. O difícil é que ninguém quer ceder. Aí vem o discurso de o correto virar motivo de chacota, ser o bobo, o otário. As pessoas passam por cima da lei e se julgam espertas. O mal é calar-se. É preciso refletir e discutir com bom senso. Norma é para ser cumprida, para não desequilibrar a ordem.”

CICLOVIA

O professor conta que, perto da sua casa, há uma ciclovia sendo usada para caminhada, por motoqueiros e como estacionamento de carros. “Quando aparece o ciclista, quem está na ciclovia o xinga. E ele, constrangido, sai correndo. Cena comum, que ocorre diariamente.” Pedro acredita que é necessário “reaprender na nova conjuntura que estamos vivendo. Para a reeducação, é preciso ter consciência do comportamento. E saber que, além daquele que faz o papel de esperto, há o que adota a postura de sonso, o manso para viver, que também incorre nos mesmos erros. Ele provoca a situação, como uma sombra”.

Mas Pedro se lembra de uma obra em frente à sua casa que provocou o corte de duas quaresmeiras. “Indignado, não pensei duas vezes e armei um barraco, ressaltando que estavam destruindo árvores centenárias. A resposta foi: 'Mas é só uma árvore'. Respondi que era uma vida. A pessoa ouviu, pensou e comprou duas mudas e plantou-as no lugar. Ou seja, nem tudo está perdido. Toda mudança começa por pequenos atos.”

Você é o outro
Viver em sociedade exige limites e respeito nos ambientes públicos e privados. Psicanalistas apontam urgência de mudança no comportamento

Jackson Romanelli/EM/D.A Press
"Se as palavras suscitam afetos e são meio de mútua influência entre as pessoas, possibilitando acordos e resolução de conflitos, são também capazes de ferir" - Gilda Paoliello, psicanalista (foto: Jackson Romanelli/EM/D.A Press)
Atitudes “espertas”, o indefectível jeitinho, o pensar no próprio umbigo. Comportamentos que estão nas entranhas da sociedade brasileira e causam prejuízo em todos os níveis, tanto no ambiente público quanto no privado. Na interpretação da psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, “no princípio foi o ato”. O homem que pela primeira vez revidou seu inimigo com uma palavra no lugar da lança foi o fundador da civilização, nos fala Freud. A inserção do homem na cultura é marcada pelo reconhecimento da lei simbólica, permitindo-o tornar-se um ser biológico falante, capaz de desejar e também de respeitar o outro. Mas essa inserção na civilização tem um preço: a renúncia ao princípio do prazer e à satisfação cega de nossos instintos. É o que nos distingue dos animais, regidos cada qual por sua “bula biológica”. “Quando nos tornamos humanos, perdemos essa bula, que é substituída pelas leis formais e as regras que permitem a construção do laço social, que promove o acordo entre os homens.”

Leis, regras e acordos. Direitos e deveres. Por que é tão difícil cumpri-los? “Uma lei social prioritária é o reconhecimento da alteridade, lembrando-nos que não existimos sem o outro. É esse reconhecimento que nos constitui como sujeito: sujeito da história, do desejo e do direito, entre outros. Trocando em miúdos, é o que nos faz gente. Entretanto, vimos, a todo momento, essas regras sendo negligenciadas ou mesmo ignoradas em prol de um individualismo, como se o outro não existisse. Isso não é exatamente uma peculiaridade de nosso tempo, pois, historicamente, conhecemos acordos sociais que foram quebrados”, explica Gilda. E, de acordo com ela, a vida forçosamente coletiva de nossa contemporaneidade hipertrofia essa tendência. “Pequenos assassinatos sociais são cometidos a cada momento na vida familiar, no trânsito, no trabalho, nos ambientes coletivos, onde sempre há alguém querendo levar vantagem, desconsiderando o prejuízo alheio ou colocando no outro a responsabilidade por seus próprios erros.”

Para Gilda Paoliello, o “sem-limites” em palavras, atos ou omissões tem sido, esse sim, “a marca de nossa contemporaneidade, como uma expressão da pulsão de morte. Precisamos, urgentemente, de um contraponto, reforçando Eros em sua vertente afetiva, por meio da cordialidade e respeito pelo outro. Não são necessários grandes exercícios de cidadania. A magia está, na maioria das vezes, na surpresa dos pequenos atos”. A psicanalista conta que, há algum tempo, estava com o carro parado, distraída, respeitando um sinal vermelho. A janela fechada, após já ter sido assaltada por duas vezes, quando um mendigo, em cadeira de rodas, bateu no vidro. “Instintivamente, abri. Ele me pediu um trocado e eu disse que não tinha. Ele me agradeceu com entusiasmo por haver aberto o vidro e me desejou bom dia. Um gesto simples de ambas as partes, que nos fez bem, com certeza mais a mim que a ele!”

CURA

No entanto, Gilda ensina que, se as palavras suscitam afetos e são meio de mútua influência entre as pessoas, possibilitando acordos e resolução de conflitos, são também capazes de ferir. “Do bulling escolar ou no ambiente de trabalho, os atuais e fantásticos instrumentos de comunicação, que em tudo facilitam nossas vidas, se prestam também a excelentes meios de promover desafetos e disseminar intolerância e preconceitos, como mostram episódios recentes nas mídias sociais. O problema é que, como disse Umberto Eco, 'a mídia social dá voz a uma legião de imbecis, que antes falava apenas no bar depois de beber uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade'”.

Contextualizando o desrespeito ao outro, Gilda lembra que em nosso meio muito se comenta sobre a mania de o brasileiro ignorar as leis. “Parece que, em nosso momento político atual, o feitiço cai sobre o feiticeiro. Em O homem cordial, Sérgio Buarque de Holanda não faz apologia do brasileiro. Ele interpreta que 'a vida em sociedade – para o brasileiro – é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele tem de viver consigo mesmo'”. E conclui: “Ele é antes um viver nos outros. Esse mau viver consigo mesmo tem feito o brasileiro (com)viver mau no outro. O brasileiro precisa, urgentemente, curar-se de si mesmo.”

Pacto de todos
Beto Magalhães/EM/D.A Press
Para a psicanalista Inez Lemos, a educação não formal no Brasil é uma das piores do mundo, na ética e no respeito (foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press )
Na visão da psicanalista Inez Lemos, a ideia do “agir como um babaca” recai na lógica da atitude antissocial, que fere o espaço público, que é o social. “Vivemos uma briga do público com o privado. E a lógica do privado é se sobrepor ao público. Ele quer a calçada, a rua, a fila dupla... Uma lógica colonial do privilégio, do poderoso, do mais forte. Este é o aspecto cultural.” Quanto ao individual, ela explica que é questão de família. “A educação vem em franco declínio. A educação não formal no Brasil é uma das piores do mundo, na ética, no respeito, enfim, o que é transmitido às crianças, tanto na família quanto na sociedade, é que o mais importante é estudar e escolher uma profissão que garanta boa rentabilidade. Os valores que sustentam a lógica do mercado são permeados pela necessidade de vencer, ganhar, superar. A concorrência acirrada impõe aos garotos forte pressão. Estudar deixou de ser uma forma de adquirir conhecimento, cultura, maturidade intelectual. Poucos cultuam a boa leitura, importa a formação técnica.”

Inez diz que o problema perpassa todas as classes sociais. “A rica sempre foi meio amoral, porque compra o que quer, como justiça e privilégio etc. O pobre, muitas vezes, age de forma amoral, movido pela lógica do mercado, famílias que incentivam os filhos a se vender a qualquer custo, é onde a ética também não consegue imperar em função do desejo de conquistar ascensão social. Restou à classe média manter alguma coisa. No entanto, atualmente, ela tem sido bombardeada com exemplos fascistas. Está no centro do acirramento de forças onde são visíveis posições truculentas e de desrespeito”.

DECLÍNIO

Para a psicanalista, com o declínio da função paterna, com o enfraquecimento da autoridade dos pais assistimos à decadência do espaço público. “Poucos pais se preocupam em educar para o cuidar da cidade, dos espaços públicos, da água, do lixo, da vida coletiva. Exemplos de pessoas de classe média alta que não se constrangem em jogar lixo na rua, parar na fila dupla, desperdiçar água, desmatar sem necessidade, atitudes que degradam a natureza, o espaço do outro, são comuns. O exemplo deve partir da família. Sem o pacto entre os pais não há pacto social.”

Questão de refinamento

Para quem quiser pensar um pouco mais, a professora da Universidade Paulista (UNIP) e doutora em ciências sociais Daniela Scridelli Pereira escreveu Em busca do refinamento: um estudo antropológico da prática da etiqueta. Nele, a abordagem é profunda e variada, mas ao falar de relacionamentos interpessoais ela diz que “os cumprimentos, a forma como se fala, assim como o bom humor, o tom de voz, são gestos considerados importantes no que se refere aos relacionamentos (…). Esses atos parecem inofensivos, mas fazem diferença no trato social. (…) As regras de comportamento nessa área pretendem facilitar a vida em sociedade por meio de pequenos gestos, como um sorriso, a cessão de um lugar aos mais velhos ou mulheres grávidas”...


Babacas catalogados*
Esse guia tenta oferecer uma reve introdução aos tipos de comportamento babaca com os quais é mais provável se deparar na vida cotidiana. (Mas, cuidado: essa lista não é completa está longe de ser...)

1) O valentão da escola: tira sarro dos outros pelo que vê como “falhas” e explora isso para se sentir melhor.

2) O elitista: elitismo não é questão de dinheiro ou educação. É ignorância com relação aos benefícios do privilégio e das disparidades econômicas institucionalizadas entre as classes sociais.

3) O mártir: todos temos problemas, mas o mártir se delicia com eles e os usa como uma espécie de capital emocional.

Lelis/Ilustração
(foto: Lelis/Ilustração)
4) O narcisista:
todos temos nossos momentos de narcisismo, mas um verdadeiro narcisista é uma pessoa vaidosa e egocêntrica, a ponto de beirar a megalomania. É, na melhor das hipóteses, alheio aos outros; e na pior, destrutivo.

Lelis/Ilustração
(foto: Lelis/Ilustração)
5) O dramático:
o que perde a noção das coisas e trata qualquer saliência na estrada como uma montanha a ser escalada.

6) O preconceituoso: faz generalizações com base em etnia, religião, gênero e orientação sexual de outras pessoas. Não se dá o trabalho de conhecer um indivíduo, mas, em vez disso, conta com ideias preconcebidas de como alguém deveria ser.

7) O sexista: credita que um sexo é naturalmente superior ao outro. Também tende a achar que cada gênero tem um papel inerente, tal como sustentar a família ou lavar a louça, e que o valor de uma pessoa está ligado ao cumprimento desse papel. Ele não desvaloriza apenas pessoas do sexo oposto, mas de seu próprio sexo.

Lelis/Ilustração
(foto: Lelis/Ilustração)
8) O manipulador:
age como se tivesse a capacidade de influenciar diretamente as pessoas e os eventos. Isso é grosseiro e presunçoso, e pode levar a conflitos de personalidade se o manipulador exercer influência em alguma comunidade.

9) O passivo-agressivo: todos somos passivo-agressivos em algum momento da vida. Mas um nível babaca de agressividade passiva é alcançado quando alguém age com implicância constantemente. É imprevisível e sua dificuldade em se comunicar impede que saibamos de quem ele de fato está com raiva.
De longe é engraçado, mas de perto é horrível.

*Fonte: Apêndice do livro Como não ser um babaca – Guia de etiqueta para o cotidiano

Intrínseca/Reprodução
(foto: Intrínseca/Reprodução)
Serviço
Livro: Como não ser um babaca - Guia de etiqueta para o cotidiano
De: Meghan Doherty
Editora Intrínseca, 192 páginas, R$ 29,90 (impresso) e R$ 19,90 (e-book)