Exercícios físicos não são mais proibidos para quem tem artrite reumatoide

As atividades precisam ser supervisionadas, funcionais e focadas no fortalecimento muscular

por Paloma Oliveto 16/06/2015 14:00

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Valdo Virgo / CB / D.A Press
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No dia a dia do paciente de artrite reumatoide, os obstáculos estão por todos os lados. A maçaneta da porta, o cabo da panela, a tampa da garrafa, os degraus da escada… Para uma pessoa com dor, rigidez ou deformidades articulares, esses objetos simples tornam-se desafiadores. O comprometimento das atividades rotineiras, contudo, pode ser amenizado com terapia ocupacional. Aliada à prática regular de exercícios físicos, a adaptação das tarefas cotidianas representa um ganho enorme na qualidade de vida.

Acompanhe a série:
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“Modificar hábitos é algo essencial para o tratamento, e isso pode incluir aspectos muito individuais, desde mudar a forma como o paciente lava a louça, digita no computador e toma banho até mesmo modificar como ele encara o cuidado com a sua saúde”, explica Pedro de Almeida, professor do curso de terapia ocupacional da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador de tecnologias assistivas para pacientes reumatológicos. De acordo com ele, diversos estudos científicos indicam que proteger as articulações e poupar energia na execução de tarefas reduzem a dor, melhoram a fadiga, aumentam a participação social, diminuem a rigidez matinal e a incidência de deformidades nas mãos, e incrementam a funcionalidade, mesmo entre pessoas com quadros mais graves da doença.

O especialista explica que, quanto mais cedo o paciente iniciar as mudanças de hábito, maiores as chances de evitar as lesões e os prejuízos para a rotina. No artigo Terapia ocupacional na artrite reumatoide: o que o reumatologista precisa saber?, publicado na Revista Brasileira de Reumatologia, Almeida destaca que, sem tratamento adequado, a taxa de aposentadoria associada à doença varia de 7% (no primeiro ano após o diagnóstico) a 39% (15 anos depois). A redução da produtividade motivada pela artrite reumatoide é estimada em 7 mil euros por ano, observa. Contudo, existe um arsenal de técnicas protetivas, exercícios físicos e recursos tecnológicos para evitar que isso aconteça.

Quem faz o encaminhamento do paciente ao serviço de reabilitação, onde será acompanhado por uma equipe multidisciplinar, é geralmente o reumatologista. “Esse processo acontece em centros de reabilitação públicos, os da rede Sarah, e em alguns hospitais, entre eles o HUB (Hospital Universitário de Brasília), que tem um serviço multidisciplinar integrado”, explica Almeida. Ele ressalta, porém, que, em outros centros de saúde, o número reduzido de profissionais qualificados pode fazer com que se espere muito para ter acesso ao serviço. “Muitas vezes, isso desmotiva o paciente”, afirma. Segundo o especialista, o problema não é só do Brasil. “Observo situações similares aqui no Canadá, onde a espera por uma consulta com profissionais especializados pode ser superior a quatro meses”, diz o professor da UnB, que atualmente faz parte do doutorado no país norte-americano.

O ideal é que o acompanhamento seja realizado de duas a três vezes por semana nos primeiros meses de diagnóstico. Depois, de acordo com a evolução da doença, os encontros com o profissional podem chegar a acontecer apenas a cada três meses. “Além de evitar que o paciente deixe de fazer o que é importante para ele, mantendo-o independente, o tratamento reduz a ocorrência não só de complicações físicas, como dor e limitações de movimento, mas também a incidência de sintomas de depressão e ansiedade decorrentes de sentimentos de incapacidade que podem surgir quando o paciente se vê impossibilitado de realizar atividades que antes eram perfeitamente possíveis”, explica Pedro de Almeida.

Coração protegido
Tão importante quanto tomar os remédios e aprender a executar as tarefas cotidianas sem sobrecarregar as articulações é se movimentar. No passado, muitos médicos recomendavam repouso aos pacientes. Com isso, além do isolamento social, eles se tornavam caquéticos e desenvolviam comorbidades associadas à falta de atividade física. Hoje, contudo, sabe-se que os exercícios não só estão permitidos como fazem parte do tratamento da artrite reumatoide. “A partir da década de 1990, a atividade física começou a ser recomendada porque a literatura científica mostra que, quanto mais a pessoa se movimenta, menor a frequência e a intensidade da dor. O movimento ‘desenferruja’”, explica Frederico Santos de Santana, diretor técnico do Instituto Saúde e Exercício e pesquisador do HUB.

Além do manejo da dor, o exercício físico é recomendado porque os pacientes da doença crônica têm risco maior de complicações cardiovasculares, e 66% deles sofrem de caquexia reumatoide, condição caracterizada pela perda da massa muscular. Sobretudo aqueles que não têm comprometimento dos membros inferiores são aconselhados a fazer caminhadas para evitar as comorbidades. Frederico Santos de Santana conta que, entre as pessoas com artrite reumatoide, o número de passos diários fica entre 3 mil e 4 mil. Uma paciente dele chegava a andar apenas 400 passos por dia. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número mínimo de passos para uma pessoa ser considerada ativa é 10 mil.
Como parte do tratamento da artrite reumatoide, o exercício físico precisa ser orientado e supervisionado por um profissional. “É arriscado permitir que o paciente faça qualquer atividade. Na área da saúde, não temos o direito de errar. Por isso, é preciso uma boa avaliação interdisciplinar”, observa Santana. Alguns aspectos, como medicamentos, podem interferir no resultado. Daí a necessidade de uma análise minuciosa por parte do profissional antes da prescrição do treino.

Normalmente, os exercícios são de baixo impacto, envolvem atividades aeróbicas, de força muscular e funcionais. Para indicar os mais adequados, o educador físico ou o fisioterapeuta vai priorizar as necessidades do paciente, levando em consideração três parâmetros: dor, fadiga e qualidade do sono. “Exercício também é remédio. Então, precisamos dosá-lo. Temos de respeitar o princípio da individualidade porque cada um vai reagir de uma forma”, diz Raphaela Franco Miranda, pesquisadora do Laboratório de Aptidão Física e Reumatológica do HUB.

Muitas pessoas terão de começar com o mínimo possível — andar mais dentro de casa, por exemplo ou ir a pé até a padaria. De acordo com a avaliação do profissional, o nível de esforço vai aumentando. Segundo Frederico Santos de Santana, os resultados medidos em estudos científicos mostram um grande incremento da qualidade de vida. “Eles produzem mais, conseguem trabalhar, viajar e ter mais disposição para as atividades da vida diária”, diz.

O problema, destaca o especialista, é que nem todos têm acesso a esse tipo de acompanhamento. “É muito difícil conseguir o acompanhamento do professor de educação física nos hospitais. Se o paciente for na clínica particular, será muito bem tratado, terá resultados muito eficazes e efetivos, mas só pode ir à clínica particular uma parcela muito pequena da população”, lamenta.

"O tratamento reduz a ocorrência não só de complicações físicas, como dor e limitações de movimento, mas também a incidência de sintomas de depressão e ansiedade decorrentes de sentimentos de incapacidade que podem surgir” - Pedro de Almeida, professor do curso de terapia ocupacional da Universidade de Brasília

Aids For Dayling Living / Divulgação
Abridor de garrafa adaptado: alguns ajustes precisam ser personalizados (foto: Aids For Dayling Living / Divulgação)
Soluções tecnológicas facilitam a rotina
Para executar as tarefas cotidianas, muitos pacientes recorrem às tecnologias assistivas. “Esse mercado cresceu muito no Brasil nos últimos 10 anos, sobretudo nas áreas relacionadas a pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e seu uso no processo de reabilitação. Hoje, temos uma disponibilidade satisfatória de produtos comercialmente disponíveis para pacientes com artrite reumatoide e outras doenças”, conta o terapeuta ocupacional Pedro de Almeida, professor da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador de tecnologias assistivas para pacientes reumatológicos. Porém, ele ressalta que o custo ainda é bastante elevado, obrigando o terapeuta e o paciente a buscarem soluções adaptadas.

“É importante observar que, embora existam muitos recursos de tecnologia assistiva em sites, catálogos de fabricantes e artigos, nem todos os pacientes vão precisar de dispositivos como órteses, adaptações de utensílios domésticos ou equipamentos similares”, lembra. Para uma pessoa com deformidades e rigidez nas articulações da mão, por exemplo, um abridor de garrafas adaptado pode ser de grande valia. Contudo, se o problema é no quadril, o mesmo objeto não faz o menor sentido. “Como a necessidade do recurso é motivada pela dificuldade de realizar atividades e ocupações específicas, cada paciente é um caso que precisa ser avaliado e atendido em suas particularidades”, insiste Almeida.

Outro exemplo citado por ele é o da dor articular afetando atividades como cozinhar ou trocar de roupa. “Mas o paciente pode não precisar de uma órtese ou de um dispositivo assistivo. Ele pode modificar a forma como a atividade é feita, alterando o padrão de movimentos utilizados, e isso pode ser suficiente para ele”, ensina.” É importante que cada caso seja avaliado e tratado individualmente, pois a prescrição ou a aquisição de um recurso de tecnologia assistiva que não seja necessário implica não só em custo financeiro, mas também emocional para o paciente, podendo prejudicar o tratamento como um todo.”

Pedro de Almeida lembra ainda que particularmente as órteses precisam ser fabricadas sob medida. No mercado, existem diversos modelos disponíveis, mas o formato é padrão e, muitas vezes, inadequado. “O terapeuta ocupacional é capacitado para confeccionar órteses personalizadas e moldadas sob medida, que são muito mais adequadas às demandas que o paciente apresenta. O Distrito Federal conta com uma Oficina de Órteses e Próteses, com terapeuta ocupacional, que faz esse serviço pelo Sistema Único de Saúde.”