Você conhece seus vizinhos? Veja histórias de pessoas que cultivam laços com aqueles que compartilham a rua ou o prédio

Com a correria do dia a dia, o mais comum é não ter tempo nem disposição para conhecer melhor os moradores da casa ao lado

por Correio Braziliense 13/12/2014 10:00

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Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press
O casal Aluísio e Elisa, com as vizinhas Farise e Eunice (D): amizade de mais de quatro décadas e muitas histórias para contar (foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press)
Eunice de Almeida, 70 anos, mora no mesmo conjunto do Guará II há mais de 40 anos. “Eu fui uma das primeiras a chegar aqui”, diz. Por todos esses anos, a aposentada construiu um ciclo de amizade com os moradores da rua, especialmente com Elisa Revoredo, 61, e Farise Bolzom, 65, as mais próximas. “Nós nos conhecemos conversando nas portas das casas. Viramos amigas principalmente por conta dos nossos filhos. Eles fizeram amizade, e nós, também.”

Os filhos das três, hoje adultos, também mantêm o vínculo. “A gente queria que nossos filhos brincassem aqui na rua mesmo, então sempre reuníamos todo mundo. Hoje, a gente vê a amizade deles e se emociona. É legal vê-los lembrando os tempos que fazíamos festas”, conta Elisa, referindo-se a festas de são-joão, Natal e Dia das Mães que costumavam reunir todas as famílias do conjunto.

A experiência desses moradores do Guará II mostra que a relação entre pessoas que moram perto umas das outras pode, sim, ser afetuosa e ultrapassar a cordialidade protocolar de um “bom-dia” quando se veem fora de casa. E os benefícios são vários. “Os vizinhos muitas vezes cumprem uma função familiar, sem criar tantos problemas quanto nossa própria família cria. Eles acabam se tornando uma família sobressalente”, analisa Sandra Salomão, professora de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Apoio e segurança
E vizinhos companheiros surgem para apoiar nos bons e nos maus momentos. “Aqui, podemos contar com nossos vizinhos para tudo. Eu perdi meu marido, e eles foram muito importantes. Todos foram até a minha casa e me acolheram. Foi muito bom. Só quem perde alguém sabe como é importante receber uma visita”, destaca Eunice. “Um dia, precisei chamar os bombeiros para tirarem uma colmeia da minha casa e todo mundo apareceu na porta para ter certeza de que estava tudo bem. Aqui um cuida do outro”, completa Farise.

Manter a amizade entre os moradores antigos e incluir os novos é importante para o grupo. “Quando chega um vizinho novo, a gente procura acolher também. Nossa amizade não é um ciclo fechado”, explica Aluísio Revoredo, 66, marido de Elisa. “Nós queremos ter os vizinhos próximos. Quando eu e o Aluísio mudamos para cá, batemos de porta em porta nos apresentando”, acrescenta a esposa. “O vizinho é nosso irmão mais perto”, acredita Eunice.

O bom relacionamento do grupo contribui, ainda, com a sensação de segurança. “Eu não tenho medo nenhum de ficar em casa. Eu me sinto segura porque sei que está todo mundo de olho. Uma vez, me ligaram para avisar que estavam mexendo no carro do meu irmão. O vizinho da frente chegou a correr atrás do ladrão. Depois que passou, foi uma risada só”, lembra Farise.

A psicóloga Sandra Salomão destaca que uma das vantagens de ter um bom relacionamento com o vizinho é contar com apoio na hora de resolver desde os problemas grandes até os pequenos. “Quando você tem uma boa relação, você consegue até resolver questões no condomínio de maneira mais fácil, por exemplo. Ser amigo de vizinho é sempre importante, nem que seja para pedir um pouco de açúcar.”

Cumplicidade e confiança
As vizinhas Hilma Botelho e Tereza Laube, ambas de 67 anos, se aproximaram a partir dos cumprimentos dados na porta de casa. O tempo e a frequência das conversas foram aumentando até a amizade se solidificar de vez, quando Tereza comentou que só precisava comprar algumas telhas para terminar a casa. “Eu também estava arrumando a minha casa e tinha comprando os materiais. Mas meu marido estava fazendo faculdade e não tinha tempo de construir. Então, eu falei que podia emprestar as minhas para ela”, conta Hilma. “Eu levei um susto. Ela nem me conhecia direito”, ri a amiga.

Há 42 anos, as moradores de Sobradinho partilham momentos juntos. É comum conversarem até tarde, quando dão muitas risadas, e até já viajaram juntas, só as duas, o que serviu para estreitar ainda mais os laços. “Eu sempre gostei muito da nossa amizade. Com essa nossa viagem, aproximou. Foi bom demais”, afirma Tereza. A relação das duas é de cumplicidade e confiança. “Eu tenho certeza de que, se eu precisar de alguma coisa, ela vai me ajudar. E que, se eu contar uma coisa para ela, vai ficar com ela; e se ela contar para mim, vai ficar comigo.” O bom relacionamento não parou nas duas amigas e passou para as famílias. “Nossos filhos se conhecem; os sobrinhos, os netos, os irmãos. Não ficou restrito, as famílias também ficaram amigas”, diz a aposentada.

Quando observam as relações entre os vizinhos de hoje em dia e comparam com a amizade que têm, as duas comentam sobre as mudanças. “É muito diferente. As pessoas estão muito fechadas. Difícil achar uma amizade igual a nossa”, avalia Tereza. A amiga completa: “É mais difícil mesmo. Parece que as pessoas estão com mais dificuldade de confiar umas nas outras”.

Para Sandra Salomão, a impressão das duas não surge por acaso. Segundo a especialista, as relações entre vizinhos realmente sofreram mudanças ao longo dos anos. “Antigamente, as pessoas tinham mais o hábito de se visitarem. Mas a questão de privacidade foi ganhando um corpo maior ao longo do tempo; a tendência da cidade grande é o isolamento.”

Desde a infância
Vizinhas há 10 anos no Sudoeste, Marcela Xavier, 20, e Sarah Skaf, 19, também já dividiram muitas histórias e sabem que podem contar uma com a outra. Mas nem sempre se deram bem. “Eu não gostava dela e da irmã. Elas se mudaram para o apartamento de uma amiga que tinha crescido comigo. Quando a Sarah ia brincar com um outro vizinho, eu ficava só olhando. Eu não interagia porque tinha ciúmes”, conta, rindo, Marcela. Com o tempo, a desconfiança foi deixada de lado para dar espaço a uma amizade firme. “Passamos por muita coisa. Saímos, viajamos com 15 anos e, agora, vamos fazer intercâmbio e morar na mesma cidade. Vamos ser vizinhas até no exterior”, revela a jovem.

Brincar em baixo do prédio era o passatempo preferido das meninas na infância. “Eu chegava da escola, e a primeira coisa que fazia era ligar para todo mundo do prédio, chamando para brincar. Eu já sabia o horário em que cada um chegava. E quando um ficava de castigo, era difícil achar outra coisa para fazer”, lembra Marcela.

Hoje em dia, as estudantes não conseguem se encontrar com tanta frequência, mas isso não significa que a amizade tenha mudado. “Agora, estamos na faculdade, estudando muito. Cada uma tem sua responsabilidade, então não nos vemos tanto mais”, conta Sarah. “Mas, por mais que a gente não se veja como antes, a amizade é a mesma”, completa Marcela.

Para a estudante de 20 anos, as brincadeiras que eram tão importantes não atraem tanto os pequenos de hoje, o que pode dificultar a aproximação das crianças. “Acho que hoje não é mais interessante para a criança brincar de bola. Talvez porque elas queiram ser adultas mais cedo. Às vezes, também, os pais não têm tanto tempo para descer com os filhos, e eles acabam brincando em casa, sozinhos”, destaca.

De acordo com Lindomar Boneti, professor de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), o relacionamento entre vizinhos hoje não é parecido com o das gerações passadas. “A sociedade moderna criou restrições do espaço familiar, a necessidade da privacidade. Hoje, nós mal conhecemos quem mora ao lado. Em sociedades tradicionais, era comum até trocar coisas com os vizinhos.” E ressalta: “Todo mundo acha esse comportamento normal, próprio da modernidade. Mas isso não é uma coisa boa. E é um assunto que precisa ser debatido”.

Boneti atribui ainda a mudança de comportamento à arquitetura dos grandes centros. “Os modelos dos prédios das grandes cidades contribuem muito. O máximo que fazemos é cumprimentar o vizinho dentro do elevador. E, se analisarmos os condomínios de casas fechados, acontece a mesma coisa.” Diferentemente do que acontece em cidades menores. “Nelas, onde as casas ainda são uma do lado da outra, existe esta frequência de se encontrar na porta para conversar.”