Droga elimina câncer de pulmão em ratos e testes começarão em humanos em 2015

Os tumores agressivos sumiram nas cobaias depois de 25 dias de tratamento. Cientistas da Universidade de Chicago planejam fazer os primeiros testes com humanos até julho de 2015

por Bruna Sensêve 27/10/2014 15:00

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Uma pequena proteína, mas com efeito devastador. Em ação, a TOPK promove o crescimento de tumores em tecidos humanos, especialmente aqueles considerados muito agressivos. Quanto maior for a quantidade dessa molécula, menor a sobrevida do paciente. Dedicada a cortar de vez o potencial destrutivo dela, uma equipe de cientistas liderada por Yusuke Nakamura, do Departamento de Medicina da Universidade de Chicago (EUA), parece ter encontrado uma feroz combatente da TOPK: a OTS964. Os experimentos, ainda em animais, foram relatados na edição de hoje da revista científica Science Translational Medicine.

A TOPK está expressa de maneira mais evidente no tecido tumoral que no saudável, especialmente em casos de câncer de mama triplo negativo e de pulmão — ambos muito agressivos. O primeiro representa 20% de todos os tipos de câncer, e não há uma droga alvo ou equipamento específico para tratá-lo. Por esse motivo, as pacientes são submetidas a uma quimioterapia convencional. Segundo Nakamura, o maior desafio foi escolher as substâncias que seriam testadas. “Nós selecionamos 300 mil compostos inicialmente. Depois, sintetizamos mais de mil e encontrei alguns que estavam propensos a trabalhar em seres humanos. Estamos focados no mais eficaz. Agora, achamos que temos algo muito promissor.”

Os estudos iniciais, com uma droga precursora chamada OTS514, indicaram que ela é eficaz para matar as células cancerígenas, mas causa efeitos colaterais. O principal deles é a interferência no processo de hematopoiese — a diferenciação das células do sangue. Nos testes, houve um aumento na produção de plaquetas que pode resultar em maior ocorrência de trombose. Ao mesmo tempo, ocorreu uma queda na produção de leucócito, aumentando as chances de leucopenia, uma diminuição das defesas do organismo devido ao menor volume de glóbulos brancos.
Anderson Araújo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)

Esses problemas, a princípio, puderam ser superados com o uso de um lipossoma para envolver a medicação e entregá-la com mais segurança às células. Trata-se de pequenas bolsas redondas formadas por camadas duplas de fosfolipídios, consideradas as mais comuns dos vetores de transporte não virais de genes. A abordagem foi chamada pelos pesquisadores de “eliminação completa da toxicidade hematopoiética” e, com ela, eles chegaram à versão final da droga: a OTS964.

Menos tóxica
Para os testes, um tumor de pulmão agressivo foi transplantado em camundongos. Os autores aguardaram até ele atingir 150mm cúbicos e, em seguida, o medicamento foi administrado por via intravenosa em seis cobaias duas vezes por semana, durante três semanas. Os tumores reduziram rapidamente e continuaram a diminuir até mesmo depois do fim do tratamento. Em cinco dos seis animais, sumiram completamente, sendo que em três dentro de 25 dias do primeiro tratamento e em dois em 29 dias. Aqueles que receberam a droga revestida de lipossoma não apresentaram toxicidade detectável.

A OTS964 também se mostrou eficaz quando tomada em doses maiores e por via oral. “É raro ver a regressão completa de tumores em um modelo de camundongo. Muitos medicamentos podem reprimir o crescimento, mas é incomum vê-los erradicados. Raramente isso foi relatado”, comemora Nakamura. Hoje, eles trabalham no desenvolvimento de um teste com humanos, que deve ser iniciado no primeiro semestre de 2015.

Segundo a biologista molecular Dirce Maria Carraro, chefe do Laboratório de Genômica e Biologia Molecular do A.C.Camargo Cancer Center, é muito promissora a identificação de um inibidor nessa etapa do estudo. “Eles abrem perspectivas importantes. Claro que agora temos que esperar os testes clínicos de fase I, II e III para saber qual vai ser o comportamento em humanos tanto para o encolhimento do tumor quanto para a inibição”, pondera.

A especialista explica que, mesmo os cânceres sendo muito agressivos, existem pacientes que conseguem sobreviver a eles por meio do tratamento convencional, que age sobre todas as células que estiverem se duplicando. “Já o tratamento-alvo (o proposto pelos cientistas de Chicago) está mais direcionado para a célula do tumor, tem como foco alguma proteína que é mais expressa na doença”, diferencia.

Entre as consequências da ação mais específica, estão a redução dos efeitos colaterais e da toxicidade. Ainda assim, os primeiros foram observados com o uso da OTS964. “Medicamentos oncológicos têm um nível de toxicidade alto e extremamente aceito porque é preciso combater o câncer, uma doença altamente letal”, diz Carraro.

Sinal de grandes novidades
“Todo o mecanismo de ação novo pode atuar em uma situação em que drogas que já temos não funcionam mais. Essa é uma possibilidade. O fato de ter sido utilizado em camundongos transplantados com tumores humanos é muito interessante, mas só vamos ter certeza de qualquer coisa quando houver testes em humanos. Vale observar que, já nesse estágio, a droga teve efeitos colaterais. É uma perspectiva. Uma notícia boa sem muita certeza ainda. Precisamos de estudos em humanos, mas as grandes novidades tendem a começar assim.”

Auro del Giglio, chefe do Departamento da Oncologia Clínica do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer