Vinho e chás, sozinhos, não conseguem ajudar o coração

O estilo de vida de quem consome esses líquidos é determinante para o efeito deles sobre o organismo

por Bruna Sensêve 12/09/2014 13:30

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José Varella/CB/D.A Press
De acordo com diferentes trabalhos, para afirmar qual é o efeito dessas e de outras bebidas sobre o órgão que bombeia sangue para o organismo, é preciso olhar uma série de outros fatores, especialmente o estilo de vida de quem as consome (foto: José Varella/CB/D.A Press)
Café, chá e vinho fazem bem ou mal para o coração? Antes de responder, é bom conhecer alguns estudos apresentados no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia, realizado nessa semana em Barcelona, na Espanha. De acordo com diferentes trabalhos mostrados no evento, para afirmar qual é o efeito dessas e de outras bebidas sobre o órgão que bombeia sangue para o organismo, é preciso olhar uma série de outros fatores, especialmente o estilo de vida de quem as consome.

Uma das pesquisas que buscaram compreender melhor essa relação foi liderada por Nicolas Danchin, do Centro de Medicina Preventiva de Paris IPC. O estudo mediu o consumo de café e chá de mais de 130 mil pessoas de 18 a 95 anos e que haviam passado por um checape entre janeiro de 2001 e dezembro de 2008. O consumo diário das bebidas foi classificado em três níveis: nenhuma xícara, entre uma e quatro xícaras e mais de quatro xícaras.

Os exames mostraram que os bebedores de café tinham risco cardiovascular maior que o dos não bebedores, mas não necessariamente pela alta ingestão do líquido. Na verdade, notou-se que os apreciadores do produto podem ser associados a um estilo de vida menos saudável. Por exemplo, o percentual de fumantes entre não bebedores foi de 17%. Esse índice subia para 31% entre os que bebiam moderadamente e para 57% entre os consumidores de mais de quatro xícaras diárias. Os indivíduos que diziam não ao café também eram mais ativos: 45% deles apresentavam bom nível de atividade física, enquanto essa taxa era de 41% nos que bebiam grande quantidade.

Com relação à ingestão de chá, a relação entre a apreciação da bebiba e o estilo de vida era inversa. Cerca de um terço (34%) dos não bebedores eram fumantes. Já entre os que bebiam, esse percentual era menor: 24% dos que tomavam de uma a quatro xícaras por dia e 29% daqueles que ultrapassavam essa medida. E a atividade física crescia à medida que aumentava o consumo: de 43% nos bebedores moderados para 46% nos bebedores “pesados”.

Em aberto
“O chá, de fato, tem antioxidantes que podem oferecer benefícios de sobrevivência, porém seus adeptos têm estilos de vida mais saudáveis. Portanto, beber chá reflete um perfil de pessoa ou o chá, por si só, melhora os resultados? Para mim, essa permanece uma questão em aberto”, pondera Danchin. “Enquanto aguardamos a resposta, acho que você poderia, muito honestamente, recomendar que as pessoas bebam chá em vez de café e até mesmo em vez de não beber nada.”

Em outras palavras, não se sabe se as pessoas mais saudáveis gostam de beber chá ou se elas têm uma condição física também por causa da bebida. A mesma dúvida vale para o café. Ele é apenas a bebida preferida daqueles que não cuidam muito bem do corpo ou faz mal? Na opinião do nutricionista do Instituto Nacional de Cardiologia Marcelo Barros, hoje, a resposta começa a tender para a primeira opção. O brasileiro, que não participou do estudo, lembra que, em torno de 20 anos atrás, o café era um vilão para a hipertensão. Anos depois, surgiu como algo benéfico. “Agora, talvez seja vilão novamente, mas a pesquisa mostra algo interessante: a pessoa que consome muito café tem hábitos ruins de saúde, então ela é mais propensa a ter problemas cardiovasculares”, avalia.

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
No caso do chá, a atividade física crescia à medida que aumentava o consumo: de 43% nos bebedores moderados para 46% nos bebedores 'pesados' (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
Além disso, há estudos que indicam um efeito antioxidante do café, provocado por uma substância chamada ácido clorogênico. Ela tem um papel benéfico para a saúde das artérias e do coração de modo geral. Porém, esses ganhos sempre serão menos impactantes que o estilo de vida. “Não podemos isolar um elemento só, pois temos um conjunto de fatores.” Conjunto que depende ainda do perfil genético da pessoa, do histórico familiar de doenças e exposição a fatores de risco

Só com exercícios
Uma dúvida semelhante começa a surgir também a respeito do vinho. Geralmente, as bebidas alcóolicas são vistas como vilãs dos hábitos saudáveis, mas o derivado da uva comumente foge à regra, e é muito comum a recomendação de que as pessoas bebam um taça de tinto (e não mais que isso) todos os dias. Porém, de acordo com estudo realizado pelo professor Milos Taborsky, da Faculdade de Medicina da Universidade Palacky, na República Tcheca, a bebida só protege contra doenças cardiovasculares as pessoas que se exercitam. “Nosso estudo mostra que a combinação de consumo moderado de vinho e exercício regular melhora marcadores de aterosclerose, sugerindo que é protetora contra doenças cardiovasculares”, afirma. Em sujeitos que não se exercitaram, contudo, os efeitos benéficos não foram vistos.

O trabalho de Taborsky incluiu 146 indivíduos com grau leve a moderado risco de doença cardiovascular que consumiram cinco vezes por semana (200ml diários para as mulheres e 300ml para os homens) vinho tinto (Pinot Noir) ou branco (Chardonnay-Pinot) da mesma safra e região de produção. Os participantes mantiveram um diário onde anotavam o consumo tanto de vinho quanto de outras bebidas alcoólicas, o uso de medicamentos e a quantidade e o tipo de exercício praticado.

Ao final de um ano, os investigadores perceberam que não houve diferença entre os níveis de colesterol HDL no início e no fim do estudo. “Um aumento no colesterol HDL é o principal indício de um efeito protetor contra doenças cardiovasculares, portanto podemos concluir que nem vinho tinto nem branco tiveram qualquer impacto sobre os participantes do estudo como um todo”, conclui. O único resultado positivo e contínuo encontrado foi no subgrupo de pacientes que praticaram atividades físicas regularmente, pelo menos duas vezes na semana.

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Energético: se a relação entre a saúde do coração e o consumo de café é incerta, não restam dúvidas de que a ingestão exagerada de cafeína deve ser evitada (foto: sxc.hu)
“Bebidas alcoólicas fermentadas (como o vinho) têm vantagens, mas não são um remédio”, lembra o diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Nabil Ghorayeb. “Também não se deve ultrapassar os limites, porque o excesso faz mais mal do que bem”, completa, ressaltando que alguns produtos devem ser vistos como saudáveis, e não como uma terapia milagrosa.

Alerta sobre energéticos

Se a relação entre a saúde do coração e o consumo de café é incerta, não restam dúvidas de que a ingestão exagerada de cafeína deve ser evitada. É o que constata outro trabalho apresentado no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia, segundo o qual bebidas energéticas (ricas na substância) podem ser letais ao coração.

O grupo liderado por Milou-Daniel Drici, professor de farmacologia clínica da Universidade de Nice Sophia Antipolis, na França, afirma que o consumo contínuo desses produtos pode causar angina (estreitamento das artérias), arritmia cardíaca (batimento irregular) e até mesmo morte súbita. “Cerca de 96% dessas bebidas contêm cafeína igual a dois espressos para uma lata típica de 250ml. A cafeína é um dos mais potentes agonistas dos receptores de rianodina e leva a uma liberação maciça de cálcio dentro das células cardíacas. Isso pode causar arritmias, mas também tem efeitos sobre a capacidade do coração de absorver e usar oxigênio”, detalha Drici.

Acompanhamento
Ele explica que, em 2008, foi autorizada a comercialização, na França, de bebidas energéticas. No ano seguinte, um sistema nacional de vigilância nutricional exigiu o envio de informações sobre eventos adversos relatados espontaneamente à Anses, agência francesa para a segurança alimentar. O trabalho de Drici analisou os dados colhidos dessa forma entre janeiro de 2009 e novembro de 2012. Durante o período, 257 casos foram notificados à agência, sendo que 212 forneceram informações suficientes para a avaliação da segurança de alimentos e medicamentos. Os especialistas descobriram que 95 dos eventos relacionaram sintomas cardiovasculares, 74 psiquiátricos e 57 neurológicos — às vezes sobrepostos. Paradas cardíacas e mortes súbitas ou inexplicáveis ocorreram pelo menos em oito casos, enquanto 46 pessoas tiveram alterações do ritmo cardíaco, 13 apresentaram angina e três, hipertensão.