Nova pesquisa comprova que leite materno reforça o sistema de defesa

Em experimentos com macacos, cientistas dos EUA constatam que ser alimentado pela mãe nos primeiros seis meses de vida deixa o filhote mais resistente a infecções e a doenças autoimunes

por Bruna Sensêve 10/09/2014 15:30

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Arquivo Pessoal / Clarissa Bottari / CB / DA Press
(foto: Arquivo Pessoal / Clarissa Bottari / CB / DA Press)
O leite materno é considerado a fonte mais ideal de nutrição para bebês e desempenhou papel fundamental na evolução e no desenvolvimento dos humanos. Isso porque exerce uma forte influência sobre bactérias no intestino, necessárias para o desenvolvimento do sistema imunológico. A diferenciação das estruturas de defesa a partir desses micro-organismos pode acontecer desde os primeiros dias de nascimento. Para testar essa teoria, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA), observaram como a microbiota intestinal se diferencia entre filhotes de macacos rhesus amamentados e aqueles que receberam uma fórmula substituta.

Os dois grupos de cobaia foram alimentados de forma distinta durante seis meses, e mais seis com a mesma dieta regular. O grupo de cientistas liderado por Amir Ardeshir demonstrou, no fim de um ano, que os macacos lactentes e os que tomaram mamadeira desenvolveram sistemas imunológicos marcadamente diferentes e que as dessemelhanças permaneceram durante pelo menos seis meses após os animais começarem a receber comidas idênticas. Os resultados, divulgados na edição da última quinta-feira (4) da revista Science Translational Medicine, podem explicar, em parte, a variação da suscetibilidade humana a condições de saúde com base imunológica, como doenças autoimunes, e a proteção variável contra doenças infecciosas.

“Nós demonstramos que a dieta infantil tem efeitos profundos e duradouros sobre a microbiota intestinal de macacos, o desenvolvimento do sistema imunológico e os perfis de metabólitos (frutos do metabolismo de moléculas ou substâncias) no sangue e nas fezes”, resume Ardeshir. Segundo ele, as conclusões são uma prova importante para a compreensão das respostas imunológicas variáveis à vacinação e à infecção, e das diferentes propensões para o desenvolvimento de enfermidades autoimunes.

Marisa da Matta Aprile, presidente do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo, ressalta a validade de ter estudos em mamíferos não humanos que podem ser submetidos a ambientes mais limitados quanto à oferta de alimentos. “Quando fazemos um paralelo do estudo com os humanos, há essa dificuldade de aplicar uma dieta rígida, como eles fizeram. Eles deram um leite não materno para a cobaia com o intuito de ver qual seria o impacto na microbiota, nos fatores de defesa. Trabalho paralelo e semelhante no leite humano a gente não tem até por questões éticas.”

Aprile, porém, acredita que os resultados alcançados provavelmente se repetem entre os humanos, já que o organismo do macaco rhesus é extremamente parecido. A especialista observa que, no caso desse estudo, o fenômeno de observar benefícios inicialmente em cobaias pode se inverter, uma vez que já são percebidas na raça humana evidências dos fatores de proteção do leite materno. “Temos estudos que falam da prevenção da diarreia, da proteção contra doenças respiratórias e infecções, como a pneumonia. Até mesmo em problemas que toda a criança tem e que há uma incidência menor entre as amamentadas.”

Anderson Araujo / CB / DA Press
Clique para ampliar e entender a pesquisa (foto: Anderson Araujo / CB / DA Press)
Segundo ela, o sistema imunológico do leite humano já é muito conhecido por médicos e cientistas. O líquido beneficia o surgimento de uma colonização de bactérias no intestino chamado probiotas, que agem na digestão dos açúcares da alimentação e são degradadas em água e oxigênio. “O oxigênio é um fator de proteção para doença intestinal, e quem faz isso é a flora.”

Também em humanos
Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, a cada novo estudo que aparece em relação ao leite materno, mais um conhecimento se soma à gama de benefícios que garantem a superioridade do aleitamento. Além das questões emocionais, como o vínculo de mãe e filho, os fatores orgânicos relacionam o hábito à melhoria de células nervosas, ao amadurecimento do sistema imune e a uma resposta mais robusta frente a infecções. Kfouri detalha que, definitivamente, o aleitamento vai induzir respostas diferenciadas no sistema imunológico.

“A população de células imunes produzidas no nosso corpo é dependente da composição da microbiota intestinal, especialmente nos primeiros anos de vida, em que o desenvolvimento desse ciclo de resposta é modulado por essa colonização intestinal”, explica. Kfouri acredita também que, do ponto de vista biológico, é completamente plausível imaginar que o fenômeno observado nos macacos se reproduza em humanos. O especialista lembra uma área em ascensão na pesquisa científica que busca a “programação” do sistema imune. “Na primeira infância, há a oportunidade de desenvolvimento do sistema imune por meio da alimentação.”

Segundo Kfouri, é como se o indivíduo fosse capaz de “treinar” as suas estruturas de defesa para ter um futuro metabólico, alergênico e de respostas imunes com maior intensidade. Dessa forma, a introdução dos alimentos e a microbiota de crianças alimentadas no seio trazem benefícios para a saúde do bebê que, provavelmente, se estendem ao longo da vida. “Hoje, fala-se, inclusive, que começa antes mesmo de o bebê nascer, na vida intrauterina. A dieta da mãe e tudo o que o bebê é exposto vão impactar na saúde, no metabolismo e nas alergias, talvez, pelo resto da vida.”

Nessa direção, o especialista reforça a importância dos primeiros mil dias, que começam com os nove meses da gestação e seguem até os primeiros dois meses de idade, para essa programação imune. Mas ele pondera que ainda não há evidência científica suficiente que determine por quanto tempo as vantagens duram.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Complemento benéfico

Para recém-nascidos prematuros, o crescimento adequado durante a permanência uma unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal é um indicador de melhores condições de saúde a longo prazo. Pesquisadores da Faculdade de Medicina Baylor e do Hospital Infantil do Texas incorporaram com sucesso um suplemento em creme nas dietas desses bebês que melhoraram o progresso deles na UTI. Pesquisas anteriores mostraram que uma dieta exclusiva com leite materno protege os intestinos de bebês prematuros e apoia o crescimento deles. A nova contém o próprio leite da mãe ou de outra mulher, assim como um aditivo que consiste em proteína e minerais feitos a partir do leite de doadoras. Assim, o creme surge como uma saída quando há problemas para a alimentação exclusiva.

Intervenção genética cessa ataque imunológico Uma grande descoberta na luta contra as doenças autoimunes pode dar novo fôlego às pesquisas científicas e ao desenvolvimento de tratamentos. Cientistas da Universidade de Bristol, no Reino Unido, demonstram, em artigo publicado também na última quinta-feira (4) na revista científica Nature Communications, uma maneira de parar o ataque das células do sistema imune do paciente às saudáveis — fator que caracteriza enfermidades como a esclerose múltipla e a artrite reumatoide, por exemplo. Em vez de o sistema imunológico destruir o próprio tecido por engano, as estruturas de defesa que funcionam erradamente são convertidas para voltar a proteger o corpo.

Esse retrocesso se dá por uma alteração genética nas células que estão destruindo o corpo. Conversões similares já são feitas contra alergias, em processos conhecidos como dessensibilização alérgica, mas a aplicação envolvendo enfermidades autoimunes é recente. O objetivo inicial da pesquisa conduzida por David Wraith era descobrir como funcionaria a imunoterapia contra esse tipo de desordem imunológico. Analisando a fundo células de defesa, os cientistas detectaram genes e proteínas que eram ativados ou desativados pelo tratamento proposto.

Como resultado, encontraram alterações na expressão genética que ajudam a explicar como a terapia de alteração genética leva à conversão do agressor em célula protetora. Essa abordagem imunoterapêutica evita a necessidade de medicamentos imunossupressores, associados a efeitos colaterais graves, como infecções, desenvolvimento de tumores e perturbações de mecanismos reguladores naturais.

A expectativa é de que a imunoterapia proposta pelo cientistas britânicos se torne generalizada para o tratamento de muitas doenças autoimunes, incluindo a esclerose múltipla, o diabetes do tipo 1, a doença de Graves e o lúpus eritematoso sistêmico. Hoje, somente a esclerose múltipla afeta aproximadamente 2,5 milhões no mundo. (BS)