Relação entre alimentos e câncer é desafio para pesquisadores há décadas; entenda

Especialistas alertam que os resultados desse esforço devem ser considerados na dieta

por Isabela de Oliveira 22/05/2014 14:30

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O interesse da ciência pelos benefícios e malefícios da alimentação na saúde humana remonta à antiguidade. No quarto século antes de Cristo, o grego Hipócrates, considerado o pai da medicina ocidental, pregava: “Que seu remédio seja seu alimento e que seu alimento seja seu remédio”. Bem antes, os curandeiros orientais prescreviam dietas em vez de fórmulas milagrosas. Ainda que a sabedoria tenha sobrevivido, permanecem os esforços para comprovar cientificamente se há uma relação entre o que colocamos no prato e o surgimento de doenças que atormentam a modernidade, como o câncer.

Segundo Luiz Alberto Mattos, oncologista e professor do Hospital das Clínicas de Universidade Federal de Pernambuco, as primeiras evidências de que a dieta e os tumores malignos estão relacionados surgiram no início de 1900, quando pesquisas laboratoriais e ecológicas constataram as taxas de neoplasias em diferentes partes do mundo. De lá para cá, métodos epidemiológicos mais modernos, incluindo estudos de caso e ensaios clínicos randomizados — quando os participantes são escolhidos aleatoriamente — têm ajudado a definir os detalhes dessa associação.

Valdo Virgo / CB / DA Press
Clique para ampliar e ver as dicas para o cardápio diário (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
A estimativa é de que de 30% a 35% dos fatores de risco que contribuem para o aparecimento de tumores estão relacionados à alimentação, particularmente aqueles que resultam na obesidade. “Os dados mais consistentes são justamente aqueles que demonstram a relação do excesso de peso com o câncer. Quando o índice de massa corporal (IMC) é maior do que 25, há um alerta para o risco da doença”, afirma Carlos Henrique dos Anjos, médico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês em Brasília. Segundo ele, o sobrepeso é responsável por 14% dos tumores em homens e por 20% em mulheres dos EUA. Ele aponta a obesidade e o consumo de álcool, de sal e de carne vermelha como os hábitos que mais ameaçam a saúde.

O álcool, ligado ao aparecimento do câncer na boca, na língua e na garganta, além da cirrose, é especialmente prejudicial para as mulheres. A Organização Mundial da Saúde (OMS) limita o consumo de cerveja, vinho e destilados em 600ml, 200ml e 60ml por dia, respectivamente. “Mas vale apenas para os homens. O indicado é que as mulheres bebam a metade disso”, alerta o oncologista. A ingestão de alimentos de origem animal que são preparados em altas temperaturas também demanda cuidados. Há indícios de que eles produzam substâncias cancerígenas. No caso do churrasco, os ingredientes sobre a brasa ficam impregnados de alcatrão e hidrocarbonetos, dois componentes encontrados no tabaco.

Escolhas naturais
Por outro lado, o consumo de frutas, verduras e legumes é um aliado cientificamente comprovado. As fibras evitam o aparecimento de tumores especialmente no sistema gastrointestinal por facilitar a passagem das fezes. A boa notícia é que uma série de estudos recentes indicam que esses alimentos não precisam ser orgânicos para fazer bem. Até porque, de acordo com um levantamento feito pela Universidade de Campinas (Unicamp), eles podem ser até 600% mais caros. Carlos Henrique observa que, além de bem lavados, os produtos de origem vegetal devem ser armazenados apropriadamente. Caso contrário, podem ser contaminados com fungos que produzem uma substância relacionada ao desenvolvimento de câncer no fígado, a aflotoxina.

A nutricionista funcional Thaianna Velasco, da Clínica Helena Costa, no Rio de Janeiro, explica que o aparecimento de tumores está relacionado à incapacidade do organismo de eliminar as toxinas absorvidas pela alimentação, entre outros fatores. Por isso, a ingestão de alimentos desintoxicantes, como couve-flor ou couve-manteiga, repolho, mostarda, agrião, nabo, rabanete e rúcula, é indicada. Eles fazem parte da família das brácicas e têm compostos que aumentam a resistência do corpo para anormalidades celulares.

As uvas e seus derivados também são uma boa pedida. Um estudo de Milene Teixeira Barcia, pesquisadora da Unicamp, indica que resíduos de uvas tintas são ricos em antocianinas. Esses pigmentos que dão a coloração vermelha ou roxa à fruta têm capacidade antioxidante que pode ser até mais alta do que a encontrada no morango, na cereja e no gojiberry, também muito indicados por Velasco. “Eles modulam alguns marcadores anti-inflamatórios e são especialmente bons para os idosos, grupos que têm mais tendência a desenvolver tumores”, aconselha.

Evidências em xeque
O epidemiologista Walter Willett, da Universidade Harvard, porém, pondera que não há evidências consistentes de que frutas e vegetais sejam protetores do organismo ou que alimentos gordurosos favoreçam o aparecimento de tumores. A afirmação polêmica foi feita durante o Encontro Anual da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer, que ocorreu entre 5 e 9 de abril em San Diego (EUA). Segundo Willett, alimentos como brócolis ou tomate influenciam a saúde de uma pessoa apenas se ela estiver desnutrida. O posicionamento vai contra resultados de estudos recentes (veja quadro), mas Willett concorda que o excesso de peso é um indicativo de câncer, de cardiopatias e diabetes.

Mônica Maia, nutricionista da Oncoclínica do Rio de Janeiro, acredita que todas as evidências indicam que a dieta é determinante na proteção contra o câncer. Por isso, a importância de temperá-la com bom senso e cautela. “É preciso acabar com a mentalidade imediatista dos congelados e dar mais atenção à alimentação”, alerta. O sal e o açúcar, por exemplo, podem ser substituídos por ervas e frutas. Aos idosos, a recomendação é maior porque a interação dos remédios com os alimentos e o organismo pode ser maléfica.