Pesquisadores descobrem micro-organismo que combate a candidíase oral, o famoso 'sapinho'

Estudo de cientistas norte-americanos pode levar a novos tratamentos para a doença

por Vilhena Soares 01/04/2014 11:00

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CB / DA Press
Clique para ampliar e saber mais sobre a pesquisa e sobre os riscos do 'sapinho' (foto: CB / DA Press)
Um pequeno desajuste, como excesso de umidade ou enfraquecimento do sistema imunológico, basta para que fungos normalmente inofensivos vejam a chance de proliferar e machucar a pele e as mucosas. É assim que surge a candidíase, uma infecção do fungo Candida que pode provocar feridas incômodas em regiões como os genitais e as dobras da barriga. A forma oral da doença, popularmente conhecida como sapinho, também é comum e costuma atacar com mais frequência pessoas com o vírus HIV, cujo sistema de defesa fica comprometido. O incômodo prejudica a ingestão de alimentos desses pacientes, que chegam a sofrer com deficiências nutricionais devido ao problema.

Buscando formas eficazes de combater esse desconforto, cientistas americanos decidiram estudar melhor os micro-organismos encontrados na boca de soropositivos. Acabaram descobrindo que a solução do sapinho pode estar em um outro tipo de fungo, que parece ser letal para o Candida. A expectativa é o desenvolvimento de remédios mais eficazes para tratar a candidíase oral.

“Sabíamos que as pessoas com Aids desenvolvem candidíase oral com mais frequência. Tivemos, então, a ideia de caracterizar a comunidade de fungos e bactérias presentes na boca deles”, conta Mahmoud Ghannoum, diretor de Micologia Médica da Case Western Reserve University (EUA). “Queríamos saber se o microbioma difere nesses pacientes em comparação com indivíduos não infectados”, completa.

Ghannoum e colegas analisaram o material de pessoas com e sem o HIV e notaram que o número de bactérias encontradas na boca dos dois grupos era semelhante. A diferença, no entanto, estava na quantidade de Candida, bem maior nos soropositivos, e do fungo Pichia, predominante nos pacientes saudáveis. “Nossa descoberta mostrou que, quando você tem Pichia, você não tem Candida. Em outras palavras, seria possível controlar o segundo com o primeiro”, diz o pesquisador americano.

Colocando à prova
Para testar a hipótese, os cientistas cultivaram Pichia em um meio aquoso. Depois, retiraram os fungos de lá, deixando apenas uma espécie de sopa que havia se formado durante a proliferação dos organismos. Essa sopa é chamada de PSM (sigla para Pichia spent media). Ao inserir o causador da candidíase nesse meio, os autores do trabalho viram que ele não conseguia crescer. Isso indicava que alguma substância excretada pelo Pichia combate o Candida.

Numa etapa seguinte, camundongos desenhados para ter sapinho foram trados com o PSM, recebendo o líquido na língua. Os animais apresentaram uma melhora muito significativa. “É nossa esperança que este trabalho leve ao desenvolvimento de um novo tratamento para a candidíase oral e outras infecções fúngicas”, declara Ghannoum.

O pesquisador adianta que a pesquisa terá continuidade, e a próxima fase vai focar a descoberta de quais propriedades de Pichia são as responsáveis pelo auxílio no tratamento. “Os passos seguintes consistirão em desvendar qual é o componente presente no PSM que tem atividade antifúngica, pois, desse modo, poderemos conduzir ao desenvolvimento de novos agentes para tratamento de candidíase oral. Não só em pacientes infectados com HIV, mas também em outros pacientes imunocomprometidos, como os diabéticos”, completa.

Esperança
A tentativa de encontrar novos tratamentos para a doença é vista com bons olhos por Jorge Andrade, imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “São muito interessantes novas pesquisas que se dedicam a descobrir o funcionamento da microbiota humana, pois, desse modo, tratamos as doenças baseados em seu surgimento. Nesse caso, foi possível tratar o desequilíbrio fúngico usando a Pichia com sucesso. Acredito que outros modelos, além dos testados com animais, devam ser criados, mas esses dados iniciais já trazem grande esperança de novos tratamentos”, destaca o especialista.

Para Alberto Chebabo, chefe do Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho ( HUCFF/UFRJ), como o sapinho é mais comum em crianças e em pacientes com baixa imunidade, a comparação realizada pelos médicos no experimento se justifica. “A candidíase oral não acomete em pessoas saudáveis, somente crianças em período de formação e pacientes com problemas imunológicos, quando o corpo não é capaz de se defender. Outro exemplo são pacientes que tomam antibióticos por um tempo prolongado, o que também causa um desequilíbrio na flora”, explica.

Chebabo também acredita que a pesquisa possa levar a novos tratamentos caso tenha o mesmo sucesso em tratamentos com humanos. “Hoje, usamos muitos medicamentos, direcionados para o tratamento de fungos, mas muitos deles criam uma certa resistência e perdem a eficácia. Procurar alternativas seria uma nova forma de acabar com uma infecção. Caso o uso de Pichia seja eficiente, podemos ter uma nova forma segura e eficaz de combate à candidíase oral”, completa.

Soraia Piva / EM / DA Press
(foto: Soraia Piva / EM / DA Press)
Nova estratégia
“Esse trabalho reforça conceitos de que já tínhamos conhecimento, como o fato de a candidíase oral ser causada pelo desequilíbrio da microbiota humana. No entanto, o estudo levanta uma nova estratégia para o combate da enfermidade. Já existem tratamentos em que usamos bactérias para o combate de outras bactérias. A abordagem proposta e testada em ratos foi feita com fungos, algo novo. O estudo ainda é de nível experimental, pois foi feito somente com animais, mas, caso tenha sucesso com humanos, podemos ter esperanças de novos medicamentos que possam substituir de forma mais eficiente os remédios já utilizados.”

Alexandre Cunha, infectologista do Laboratório Exame