Sonhos ruins podem gerar confusão mental, culpa e tristeza ao longo do dia

Mulheres são mais suscetíveis ao desconforto aos restos emocionais do pesadelo

por Paloma Oliveto 31/03/2014 15:00

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É um território sombrio, desconhecido, assustador. Para muitas pessoas, recorrente. Basta fechar os olhos para que o roteiro de terror se descortine. O sono, que deveria ser um momento de descanso, torna-se o palco de lutas contra monstros e demônios, ou o cenário de desastres, brigas, desavenças. E os efeitos não passam ao acordar. Uma pesquisa da Universidade de Montreal, no Canadá, mostrou que os impactos emocionais do pesadelo podem ser severos, provocando sensação de confusão mental, culpa e tristeza ao longo do dia.

A equipe do psiquiatra Antonio Zadra analisou quase 10 mil sonhos descritos por 572 pessoas. Durante até cinco semanas, elas anotaram em um diário o conteúdo das histórias que povoavam suas mentes durante o sono. No total, foram 253 pesadelos e 431 sonhos ruins, catalogados no inventário onírico organizado por Zadra. Em narrativas que podiam ultrapassar uma página e outras tão breves quanto duas linhas, homens e mulheres revelaram experiências banais e outras muito desagradáveis, além de descrever as sensações provocadas pelas experiências, ao acordar.

Algumas histórias são bastante assustadoras: “Estou em um closet. Uma tira de tecido branca está me forçando a me agachar. Em vez de roupas penduradas, há grotescos e grandes animais empalhados, como cães e gatos com os dentes arreganhados, caretas e olhos esbugalhados. Eles estão pendurados e balançando em minha direção. Sinto-me preso e com medo”, relatou uma pessoa. A psiquiatra Geneviève Robert, que participou do estudo para sua pesquisa de doutorado, conta que nem todas as narrativas foram tão detalhadas, mas que, mesmo sem tantos elementos dignos de filme de terror, algumas provocaram efeitos igualmente assustadores. “Uma das pessoas sonhou com uma coruja branca parada em um galho. Isso foi suficiente para deixá-la absolutamente horrorizada”, diz.

Anderson Araújo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)


Medo de dormir
Entender o que difere o sonho ruim do pesadelo foi um dos objetivos do estudo. Especialista em distúrbios do sono, Antonio Zadra diz que a intensidade das sensações provocadas pode ser uma boa medida para fazer essa classificação. Ele não se refere só ao que se sente durante o sono: às vezes, o script é ruim, mas, ao acordar, aquilo não incomoda mais o autor do sonho. Outras vezes, como no caso da coruja, o roteiro nem é tão assustador; contudo, pode abalar tanto que acaba sendo considerado um pesadelo.

“Embora não sejam uma doença, os pesadelos podem se tornar um problema para as pessoas que acabam se estressando muito com eles. Indivíduos que os têm frequentemente podem ter medo de dormir e acabar mergulhando em seus piores sonhos. Alguns pesadelos repetem-se todas as noites. Quando acordadas por eles, as pessoas não conseguem voltar a dormir, o que acaba criando a insônia”, diz o especialista.

Os participantes do estudo da Universidade de Montreal deveriam, além de descrever os sonhos, responder sobre as sensações desencadeadas por eles ao acordar. “Os pesadelos são substancialmente mais intensos do ponto de vista emocional que os sonhos ruins”, conta Zadra. Em 55% dos casos, os pesadelos despertaram mais do que medo, envolvendo culpa, tristeza e confusão. “Frequentemente, além de perturbar a qualidade do sono, esses sentimentos ruins evocados pelo pesadelo atrapalham na execução de tarefas do dia a dia”, concorda John M. Pagel, pesquisador de distúrbios do sono da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado em Pueblo.

Conteúdos diferentes
Outra constatação dos cientistas é que o conteúdo dos pesadelos de mulheres e homens é diferente. Enquanto as primeiras têm mais sonhos ruins envolvendo relações pessoais — como a morte de um ser amado, um divórcio ou uma briga com amigos —, os segundos são mais incomodados com histórias que envolvem acidentes, assaltos, incêndios, terremotos etc. “Os temas com conflitos interpessoais são duas vezes mais frequentes nos pesadelos femininos. Não me surpreende encontrar diferenças de gêneros em nossos sonhos, pois isso, de certa forma, reflete o que ocorre nas nossas vidas diárias. Acredito que os sonhos sejam uma extensão do nosso estado de alerta”, observa Antonio Zadra.

O psiquiatra também informa que, no geral, as mulheres têm três vezes mais pesadelos que os homens. “Há alguns fatores que podem explicar. Um é o fato de que a depressão e a ansiedade entre elas é maior, e pesadelos tendem a ocorrer em momentos estressantes. Também há evidências de que as mulheres têm uma capacidade maior de se recordar dos sonhos do que os homens, então pode ser que elas relatem mais pesadelos simplesmente porque se lembram mais”, diz.

De acordo com John M. Pagel, à medida que se buscam mais estratégias eficazes contra os distúrbios do sono, crescem, também, as pesquisas para tentar entender o que são os pesadelos e como evitá-los. O especialista conta que, no passado, acreditava-se que os sonhos tenebrosos eram causados por espíritos malignos que caçavam e sufocavam as pessoas durante o sono. Provavelmente porque, ao acordar, geralmente as pessoas demonstram um sentimento de opressão. Hoje, não há consenso sequer sobre o que são os sonhos, se uma catarse ou alguma interrupção temporária do sistema nervoso. “Mas sabemos que os pesadelos têm uma grande serventia. Ele chama a nossa atenção para algo que é psicologicamente importante para nós, mas que pode ter sido negligenciado”, observa Pagel. “Ao lidar com ele, podemos entender do que são feitos nossos sonhos.”