Cientistas criam capa de silicone que monitora o coração

Pesquisadores criam dispositivo que envolve o órgão vital e, por meio de sensores, detecta disfunções cardíacas. O equipamento poderá ser usado em cirurgias e em exames de diagnóstico

por Vilhena Soares 03/03/2014 13:30

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Anderson Araujo / CB / DA Press
Clique para ampliar e saber mais sobre a pesquisa (foto: Anderson Araujo / CB / DA Press)
Um instrumento que consegue vigiar o coração, envolvendo-o com uma capa de silicone repleta de sensores eletrônicos capazes de acusar qualquer tipo de disfunção. Esse dispositivo moderno é o mote de uma pesquisa desenvolvida por cientistas americanos e que tem rendido frutos positivos. A estratégia de monitoramento cardiovascular foi testada em um coração artificial e será colocada à prova em órgãos de animais. Caso o moderno dispositivo tenha sucesso nas próximas etapas, há uma chance grande de ele ser usado em humanos, facilitando cirurgias, auxiliando no monitoramento de batimentos e até de implantes fixos.

A capa high tech é um dos experimentos científicos pioneiros em membranas eletrônicas. O dispositivo foi elaborado anatomicamente, com base em uma parte do coração humano que o envolve, o pericárdio. “A nossa membrana é uma espécie de instrumento eletrônico que funciona como um pericárdio artificial”, explica John Rogers, professor de engenharia da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, e autor principal do estudo publicado na revista americana Nature Communications desta semana.

Para testar a eficácia dos sensores, os pesquisadores criaram um coração artificial de coelho, feito em uma impressora 3D, também de acordo com moldes do órgão do animal. Uma capa de silicone foi a solução encontrada por eles a fim de garantir que os sensores se encaixassem de forma adaptável, não atrapalhando o funcionamento da bomba cardíaca.

Animadores, os resultados abrem a possibilidade de, no futuro, um equipamento semelhante ser usado tanto para o estudo de problemas de saúde relacionados ao coração quanto em tratamentos. “Nosso dispositivo pode funcionar como um instrumento cirúrgico de diagnóstico e terapia em procedimentos de intervenção que exigem operações com o peito aberto”, exemplifica Rogers.

Outra previsão mais ousada dos cientistas é utilizar os sensores como uma espécie de implante. Nesse caso, ele ficaria mais tempo ajustado ao coração, não apenas durante uma cirurgia ou um exame. “Seria um implante de longo prazo, em que, por exemplo, a multiplicidade de eletrodos de medição e de estimulação por toda a superfície externa do coração possa fornecer novas capacidades de desfibrilação, de forma muito mais potente do que as usadas atualmente e com tipos mais sofisticados de estimulação”, acredita Rogers.

Compatibilidade
Apesar do sucesso nos testes com o coração artificial, os cientistas de Illinois admitem que muito precisa ser feito até que o dispositivo possa ser utilizado em prol de benefícios da saúde humana. As adaptações mecânicas para facilitar o funcionamento de forma menos invasiva estão entre os novos desafios. “Nós completamos a avaliação na tecnologia em explantes, de órgãos criados fora do corpo. Nossos próximos passos são explorar o uso desses dispositivos em modelos animais e, a partir daí, começar a desenvolver um hardware que possa ser usado externamente”, diz o líder do estudo.

Baterias em miniatura e sistemas de comunicação sem fio estão entre as condições que precisam ser aprimoradas para que a capa de sensores possa ser usada a longo prazo e por meio de uma alimentação elétrica. “Um grande desafio próximo é conseguir a biocompatibilidade necessária para isso”, complementa Rogers.

Para Hilton Chaves, professor adjunto de cardiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e não integrante do estudo americano, são necessários mais estudos e testes para que seja possível ter esperanças de que o dispositivo poderá ser usado em humanos. “Acredito que ainda estamos muito longe. Esse trabalho precisa seguir uma linha científica para que as dúvidas quanto a seu funcionamento no corpo sejam esclarecidas, com testes em animais, como macacos e porcos, que têm o coração mais parecido com o dos humanos”, pondera.

Chaves ressalta, porém, que a estratégia dos cientistas de monitorar o coração com dispositivos eletrônicos é bastante avançada e poderia trazer melhoras significativas aos tratamentos na área. “Não podemos apostar em uma ideia que precisa ser mais explorada, mas essa estratégia é muito moderna. Seria muito interessante se pudéssemos ter um auxílio como esse”, avalia.

Segundo o autor do estudo, não há um prazo definido para o início dos testes em humanos. Eles só ocorrerão quando a ferramenta funcionar adequadamente no organismo. “Uma vez que os estudos forem concluídos, talvez daqui a alguns anos, poderemos, então, contemplar os usos iniciais em humanos, provavelmente em formas ligeiramente diferentes, em um contexto cirúrgico e, posteriormente, como um implante projetado para desfibrilação”, acrescenta.

Vigília mais apurada
Atualmente, tecnologias de monitoramento do coração semelhantes são usadas por cardiologistas. Por meio de aparelhos eletrônicos, eles conseguem captar imagens cardíacas e, com elas, saber a quantas anda o funcionamento do órgão. Porém, a expectativa é de que a capa de silicone criada pelos cientistas da Universidade de Illinois (EUA) traga resultados bem mais eficazes e com menos danos ao órgão.

“Usamos modelos de corações elétricos e programas de computador que monitoram o coração, mas essas tecnologias são muito invasivas, necessitam de suturas e, muitas vezes, acabam causando danos, como pequenas lesões. Caso essa tecnologia seja aplicada com o mesmo sucesso em humanos, podemos evitar esses problemas e, desse modo, trazer mais segurança ao paciente”, destaca Fausto Stauffer, coordenador de cardiologia do Hospital Santa Helena, em Brasília.

Stauffer também acredita que, por envolver o órgão, a capa de silicone pode aumentar a área de monitoramento. “Pela estrutura de cobrir o órgão totalmente, esse dispositivo pode fornecer mais informações quanto ao epicárdio, camada mais externa do coração, gerando informações importantes para a avaliação fisiológica”, acrescenta.

O cardiologista é otimista com relação à aplicabilidade clínica da capa de silicone, mas ressalta que mais estudos são necessários para que os sensores sejam usados em humanos. “A ideia de usar um recurso que possa fornecer tantos dados importantes sobre a saúde do coração, como o metabolismo das células e do miocárdio, e a eletrofisiologia, será de grande valia. Porém, muitos estudos ainda precisam ser feitos para que possamos cogitar o uso em humanos, principalmente quando falamos da energia necessária para que ele funcione dentro do corpo.” (VS)