Busca descontrolada por músculos pode comprometer as funções cardíacas e levar ao isolamento

Mais comum em homens, o exagero na academia é abastecido por uma dieta rica em proteína

por Correio Braziliense 07/01/2014 16:00

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Malhação intensa. Na mesma veemência, a preocupação com o corpo e com a alimentação. A combinação, que, para muitos, representa a vontade de turbinar a aparência, pode desencadear uma doença silenciosa e pouco conhecida. Chamado de vigorexia, o distúrbio é evidenciado em homens pelos músculos exuberantes, mas conquistados com dedicação desmedida à academia e, em alguns casos, moldados por carências nutricionais.

Apesar de comerem muito, os vigoréxicos adotam dieta restrita, dando prioridade a alimentos que potencializam o ganho de massa muscular. As proteínas costumam largar na frente, seguidas pelos suplementos proteicos. A obsessão começa aos poucos, quando as horas recomendadas de exercício físico já não são suficientes para as pretensões estéticas.

“A forma disfuncional da prática de atividade física é um dos primeiros motivos para desconfiar que a saúde mental pode estar comprometida. Temos visto isso com frequência e, na maioria das vezes, as pessoas acham normal. Mas é dentro dessa normalidade que está o perigo”, alerta o psicólogo Raphael Cangelli Filho, coordenador do Grupo de Psicologia de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas, em São Paulo.

Valdo Virgo / CB / DA Press
Clique para ampliar e saber mais sobre a vigorexia (foto: Valdo Virgo / CB / DA Press)
De acordo com Cangelli, a preocupação com os músculos é tamanha que os vigoréxicos costumam trocar as demais atividades sociais pela academia. O isolamento pode desencadear quadros de ansiedade e de depressão. “A felicidade é momentânea, com o sucesso inicial do corpo malhado. Logo, passa a ser algo sem sentido, pois o homem nunca acredita ter alcançado o objetivo proposto. A partir daí, ele lança mão do uso de esteroides e anabolizantes, colocando a saúde ainda mais em risco.”

O isolamento também é paradoxal, já que, por trás da vontade incessante de ter um corpo escultural, está a insegurança social, segundo Raphael Cangelli Filho. O psicólogo explica que muitos vigoréxicos sentem vergonha do corpo e são introvertidos. Por isso, acreditam que, se tivessem um modelo de corpo forte, poderiam ser mais sociáveis. Dessas inseguranças, surgem as fobias e a dedicação desmedida ao espelho. As reações se estendem ao desinteresse sexual, ao cansaço constante e à dificuldade de concentração.

Arritmias
As mudanças na alimentação e a sobrecarga de exercício vão além do comprometimento da saúde mental. Segundo o fisiologista Hildeamo Bonifácio, do Centro de Longevidade Golden Spa, em Brasília, elas podem levar ao aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, que desencadeiam arritmias, além da anemia devido às deficiências de vitaminas. “Se abrangermos para os riscos de faturas e lesões no aparelho locomotor, os cuidados devem ser ainda maiores, pois os exercícios em grande escala podem comprometer as articulações e deixar vulneráveis os membros inferiores e superiores do homem”, complementa. O especialista recomenda que a intensidade dos treinos seja avaliada rotineiramente.

A psiquiatra Jocelyne Levy, de São Paulo, compartilha que o excesso nunca é saudável. Ela alerta que a vigorexia faz parte dos transtornos dismórficos corporais. “Trata-se de um problema sério, que vai além da vaidade”, alerta, reforçando, em seguida, que a ingestão de proteínas em excesso pode prejudicar também o funcionamento do fígado e dos rins.

Plásticas desnecessárias
A situação fica ainda mais complexa quando a preocupação com o corpo chega aos cirurgiões plásticos. O médico Gustavo Guimarães conta que a obsessão faz com que as pessoas passem a enxergar o corpo de forma equivocada. “Já tive paciente que queria implantar uma prótese porque achava que estava com o músculo de um lado das costas menor que o outro. Na verdade, eles eram exatamente iguais, mas ele se queixava que, na academia, as pessoas riam dele”, diz.

Guimarães enfatiza que é necessária uma avaliação clínica detalhada de pacientes vigoréxicos e, depois, a apresentação da real necessidade do procedimento estético. “O cirurgião plástico tem papel fundamental no diagnóstico. Com avaliação do especialista, pode-se encaminhar o paciente para o tratamento com uma equipe interdisciplinar. São casos poucos divulgados, embora cada vez mais frequentes.”

O tratamento para quem sofre de vigorexia, de acordo com o nutricionista esportivo Rafael Romeu, é feito em duas fases: educacional e experimental, sendo que, nessa última, a participação do psicólogo é fundamental. Cabe a ele ajudar o paciente a separar comportamentos relacionados às refeições dos sentimentos, o que ajuda na mudança dos hábitos alimentares. Já a primeira fase envolve a investigação da forma como o paciente se alimenta e a identificação dos padrões comportamentais. “Tem que haver acompanhamento constante, pois existem pacientes que chegam a forjar a pesagem tomando água em excesso. Assim, eles ‘engordam’ na balança”.

O psicólogo Raphael Cangelli Filho enfatiza a necessidade da redescoberta de outras formas de prazer e felicidade, além da apresentação estética. “No geral, são feitas terapias comportamentais, mas existem casos em que pode ser necessária a administração de medicamentos para evitar os quadros depressivos.”

Tipo de TOC
A vigorexia foi primeiramente diagnosticada como um transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) pelo médico Harrison Graham Pope Jr., da Faculdade de Medicina de Harvard (EUA). Foi chamada por Pope de síndrome de Adônis, em referência ao mitológico ideal de beleza masculina. Mas ela também pode ser considerada um transtorno alimentar devido às semelhanças comportamentais com a anorexia nervosa. Em ambos os distúrbios, há uma percepção distorcida da autoimagem.