Deus fez o Big Bang? Documentário defende a ideia de que ciência e fé podem coexistir

Projeto 'O teste da fé' reúne relatos de cientistas renomados das áreas de genética, biologia, física e matemática que acreditam que a fé dá valor à ciência. De um lado oposto, a Teoria do Design Inteligente acha as ideias darwinianas ultrapassadas e crê em uma mente criadora do universo

por Gabriella Pacheco 22/10/2013 09:32

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SXC.hu/Banco de Imagens
O Design Inteligente atribui a criação do universo à uma mente superior (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
Parte 2 - A ideia de que o conhecimento científico e a fé no sobrenatural podem coexistir é reforçada por renomados estudiosos de diversas áreas. No livro e documentário 'O teste da fé', lançado em setembro no Brasil, cientistas de algumas das principais universidades do mundo falam sobre seu relacionamento com religião e explicam como, para eles, fé e ciência caminham lado a lado. Entre os defensores do 'casamento' estão a coordenadora do Centro de Voos Espaciais da NASA, Jennifer Wiseman e Francis Collins, ex-diretor do Projeto Genoma Humano. Complementam os depoimentos, neurobiólogos, físicos, astrônomos, matemáticos e doutores em teologia, de universidades como Cambrigde, Oxford e o Massachusetts Institute of Tecnology (MIT).

A organizadora do livro e idealizadora do projeto, Ruth Bancewicz (veja a entrevista no final desse texto) conta que a principal proposta do trabalho era mostrar como a fé e a ciência de alguns cientistas caminham juntas sem problemas. Doutora em genética, ela trabalha atualmente no Faraday Institute, na Inglaterra, diretamente em contato com outros pesquisadores crédulos. “Essas pessoas realmente pensaram sobre isso e não vêem como um problema ter fé e trabalhar como cientistas. Na verdade, a maioria deles diz que a fé deles os ajuda a apreciar mais suas descobertas cientificas”, comenta. “Esse projeto também mostra às pessoas o que realmente acontece na comunidade científica. É fácil ouvir o Richard Dawkings e achar que o que ele diz deve ser o caso para todos os cientistas”, completa.

Ao contrário dos cristãos que lêem a Bíblia literalmente, Bancewicz defende uma leitura mais crítica, ciente que ela não é um livro científico e de que foi escrita antes do advento da ciência. Para ela, a estória contada em Gênesis 1 e 2 usa descrição geral para dizer que Deus fez tudo que há no mundo. A interpretação literal seria como afirmar que "às 9h Deus fez um arbusto, às 9h15 ele fez uma árvore". A pesquisadora brinca que, cientificamente, não haveriam minutos o suficiente para todo o trabalho.



Reprodução O teste da fé
Francis Collins, ex-diretor do projeto Genoma, afirma que a teoria da evolução pode ser a resposta para a pergunta 'como', referente à origem do universo (foto: Reprodução O teste da fé)
Curiosamente, a doutrina que propõe a leitura literal da Bíblia é relativamente jovem e antes disso, a maioria das comunidades cristãs no mundo acreditavam em uma leitura mais poética dos primeiros livros de Gênesis. "Em meados do século XIX as pessoas não achavam que os livros eram mitos, achavam que era verdade, mas colocada de forma poética e metafórica", explica o teólogo e diretor do projeto 'O teste da fé' no Brasil, Guilherme de Carvalho. Antes disso, Santo Agostinho já defendia a ideia, dizendo que o processo de criação do mundo foi gradual e que Gênesis não deveria ser lido em detalhes.

A linha de pensamento, conhecida no Brasil como criacionismo evolucionário, aceita a explicação da teoria da evolução sobre o desenvolvimento da vida na Terra, mas não tira de Deus a autoria das coisas. O termo é novo e antes seus pensadores eram identificados como evolucionistas teístas. “A adição da palavra criacionismo é mais uma confissão de fé que qualquer outra coisa”, destaca.

O criacionismo evolucionário é um dos melhores exemplos atuais de como ciência e fé podem caminhar juntas em harmonia – o que implica que as limitações de cada uma não são ignoradas. Apesar de acreditar na evolução proposta por Darwin, esses pensadores refutam a ideia de que a teoria seja válida para explicar tudo. A experiência moral humana, por exemplo, não é considerada algo passível de explicação biológica. “Para eles, a ciência não pode responder o significado do cosmos, mas sim como as coisas acontecem dentro do tempo e espaço”, pontua.

Paralelo a esse modelo de pensamento também está o criacionismo progressivo, defendido por um outro grupo de pessoas que acreditam que Deus criou o universo e em algumas explicações que a ciência dá para a maneira como ele fez isso. “Os evolucionários enfatizam a soberania da ciência em seu próprio campo. Talvez o ponto de diferença entre os dois seja a maneira de interpretar a Bíblia”, afirma.

 

Veja o trailer legendado:



Fomos desenhados?
De um lado completamente oposto surge a Teoria do Design Inteligente (TDI). Criada por cientistas que viram falhas na teoria Darwiniana, o argumento é de que, do ponto de vista bioquímico, os conceitos biológicos são abstratos e sem evidências. “Do ponto de vista molecular, atômico e químico vimos que somos inviáveis”, afirma o doutor em Química, professor da Unicamp e autor do livro 'Fomos planejados', Marcos Eberlin.

A teoria contesta a ideia de que moléculas inanimadas teriam criado vida no planeta. “Sabemos que a mutação, ao longo do tempo, diversifica a vida, mas jamais transforma um macaco em humano ou um urso em baleia. O que as pessoas fizeram para dizer isso foi pegar a parte do nosso DNA mais parecida com as do macaco, mas na análise completa deles somos 80% diferente deles”, explica. Para ele, e outros seguidores da teoria, somos feitos de um sistema de extrema inteligência e somente uma mente inteligente seria capaz de criar vida assim.

Nem todos os adeptos da teoria, contudo, acreditam que essa mente superior seria Deus. Alguns a chamam assim, outros dizem que foram seres extraterrestres, outros, como os agnósticos, não sabem quem foi o desenhista, mas não duvidam que tenha existido um. “Eu não creio que Deus existe. Eu sei disso. Toda minha ciência me prova isso. Ela mostra que a matéria é insuficiente para explicar o universo e a vida. A inteligência teria de emanar de uma mente inteligente”, afirma.
Apesar de chegarem a conclusões semelhantes, as variadas correntes criacionistas são metodologicamente diferentes do Design Inteligente. Segundo Eberlin, os criacionistas já partem do pressuposto de que Deus criou o mundo e, eventualmente, buscam provas científicas que comprovem isso. Já na TDI, a 'busca pela verdade' usa a metodologia científica, mas não parte de um conceito pré-concebido de existência divina.

Nesse ponto, Eberlin também critica fortemente os evolucionistas que, segundo ele, excluem a possibilidade de uma mente inteligente existir. “Estamos resgatando ciência de seu mau caminho. Você pode me perguntar se o desenhista é Deus. A resposta é que eu não sei porque a ciência não me permite dizer quem ele é. Temos que levar essa questão para a filosofia e a teologia”. Para Eberlin, são os dados brutos e racionais providos pela ciência que o fazem acreditar na existência de Deus, não a fé – que a própria Bíblia caracteriza como o “firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem”.

Entenda melhor a Teoria do Design Inteligente:





Arquivo Pessoal
Idealizadora do projeto, Ruth Bancewicz (foto: Arquivo Pessoal)
Por que você acredita que é possível para alguém acreditar na ciência e crer em Deus? Alguns cientistas dizem que elas são incoerentes. Por que você não acredita nisso?

Eu acho que as duas são maneiras de se buscar a verdade, obviamente elas usam métodos diferentes. Eu sou uma cristã porque eu vi evidências de que Deus existe, de que a Bíblia é um documento confiável, em algumas horas ela é um documento histórico, em outras ela traz registros de histórias pessoais e em outras o testemunho de testemunhas oculares. É como um processo legal, em que você junta evidências, não é uma equação matemática, que ninguém pode discordar. Eu penso que, provavelmente, um dos motivos pelo qual as pessoas pensam que você não pode acreditar na ciência e ser um cristão é porque a gente acredita que um cientista não pode acreditar na Bíblia, mas eu não a vejo como um livro científico. Alguns cientistas pensam que é incoerente porque os métodos são diferentes, e a religião não te dá provas. Mas ciência não sobre ter provas, é sobre ter evidências, boas evidências. As pessoas querem fazer experimentos para comprovar a religião com dados, mas eu diria que existem muitas coisas na vida em que você não pode fazer um experimento para comprovar. Matemática, lógica, filosofia, nenhuma dessas coisas são científicas. A beleza no mundo, a maneira como nos relacionamos com os outros, em nada disso você pensa de maneira científica. Eu nunca conheci ninguém que vivesse inteiramente dessa maneira.

Como as pessoas podem manter sua fé intacta diante de todas as descobertas científicas que temos hoje?

Eu não acredito nesse tipo de Deus. Algumas pessoas acreditam no tipo de Deus que preenche as lacunas do conhecimento. Onde não sabemos o que causa uma coisa, dizemos que é Deus. Não sabemos como a consciência humana funciona, aí dizemos que deve ser Deus. Mas assim que a ciência começa a descobrir mais coisas, Deus fica menor e menor. Eu acredito que as pessoas devem acreditar em um Deus 'bem grande'. Alguém me disse que o Richard Dawkins esteve em um debate aqui em Cambridge recentemente e disse que o universo é incrível, imenso e complexo, e que se ele acreditasse em Deus, acreditaria em um que fizesse esse tipo de universo. Bom, esse é o Deus em que eu creio - um que interage conosco, nos dá liberdade, nos deixa cometer erros, mas nos ama do mesmo jeito.

O projeto 'O teste da fé' é composto por um livro e um documentário. Como você pensou a estrutura dele e por que o fez assim?


A ideia era de que o documentário trouxesse todas as questões importantes e o livro fosse uma sequência. Você vê no documentário essas pessoas importantes e inteligentes falando de questões complexas e depois você tem a oportunidade de conhecer no livro quem eles são, no que eles acreditam e como eles chegaram no lugar em que estão hoje.