Cientistas se unem para mapear o cérebro em um supercomputador

Pesquisadores de 135 instituições uniram-se para reproduzir o funcionamento do principal órgão humano em um grande modelo digital. A iniciativa, apoiada pela União Europeia, ajudará no diagnóstico de doenças neurológicas e no desenvolvimento de terapias mais eficazes

por Bruna Sensêve 08/10/2013 10:14

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Para desvendar as extraordinárias facetas do cérebro humano, centenas de cientistas se reúnem, nesta semana, na Suíça, para dar início ao que é considerado o projeto mais ambicioso na área de neurociência: o Human Brain Project (projeto cérebro humano, em português). Especialistas consideram o desafio ainda mais provocador e instigante que o Projeto Genoma Human o (PGH) devido à complexidade sem precedentes da empreitada. Pesquisadores de 135 instituições europeias e de outros continentes buscam integrar todo o conhecimento sobre o cérebro em modelos computacionais e desenvolver métodos que permitirão uma compreensão profunda de como funciona o principal órgão humano. Depois de 10 anos de trabalho, eles pretendem ter um supercomputador capaz de simular todas as conexões de quase 100 bilhões de neurônios, que fazem do cérebro humano a máquina mais misteriosa já conhecida pelo homem.

Os modelos construídos pelo projeto deverão abranger todos os níveis de organização do cérebro – de neurônios individuais ao córtex completo. O time promete trazer uma revolução na neurociência e na medicina, usando esse conhecimento para testar drogas contra doenças neurológicas e derivar novas tecnologias da informação diretamente da arquitetura do cérebro. Nesta semana, médicos, neurocientistas, cientistas de computação e de robótica vão acertar os últimos detalhes para colocar em andamento a iniciativa, selecionada pela União Europeia como um de seus principais projetos tecnológicos, recebendo um investimento de 1,2 bilhão de euros.

Valdo Virgo/CB/D.A Press
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais (foto: Valdo Virgo/CB/D.A Press)
A missão inicial é lançar seis plataformas de investigação até 2016. Para isso, ao longo dos próximos 30 meses, cientistas criarão e testarão ferramentas tecnológicas e métodos, divididos nas áreas de neuroinformática, simulação cerebral, computação de alto desempenho, informática médica, computação neuromórfica e neurorrobótica. Todas essas plataformas dependem umas das outras para o sucesso completo do projeto. A neuroinformática vai extrair o máximo possível de informações das fontes científicas, por exemplo, integrando e mapeando todos os níveis de organização do cérebro.

Um dos integrantes do projeto, Stanislas Dehaene, professor de neurociência cognitiva do Collège de France e do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), explica que o córtex humano é organizado em áreas especializadas e, primeiramente, é preciso entender o que essas regiões estão fazendo. “Vamos criar mapas sistemáticos do cérebro humano tentando entender cada um desses subsistemas e tentando entender outros parâmetros específicos que podem ser levados à simulação.” Com esses dados em mãos, será desenvolvida a plataforma de simulação cerebral. A computação de alto desempenho fica encarregada de implementar o poder computacional para realizar essa tarefa.

Microchips neurais Na medicina, o trabalho da informática médica será focado na compilação e análise dos dados clínicos de centenas de pacientes com doenças neurológicas, contando com a colaboração de hospitais e empresas farmacêuticas. A partir dessas informações, o Human Brain Project partirá para um dos principais componentes: a criação de tecnologias neuroinspiradas. A equipe dessa frente de trabalho desenvolverá microchips que imitarão o funcionamento das redes neuronais com o objetivo de aproveitar a capacidade única de aprendizagem e de resiliência delas, isto é, de guardar energia para voltar ao estado normal após alguma situação crítica ou fora do comum.

“O entendimento de como funciona a cognição vai ajudar a desenvolver dispositivos completamente novos, chamados de computadores neuromórficos. Eles combinarão o poder da microeletrônica com a flexibilidade da inteligência humana”, anuncia Karlheinz Meier, professor da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e codiretor de computação neuromórfica do Human Brain Project. Ele explica que, na computação, se é preciso resolver um novo problema, basta criar um software. Porém, o cérebro não funciona assim. O órgão aprende a lidar com situações que nunca foram vividas. Os sistemas neuromórficos seriam moldados da mesma forma. “O que construímos são modelos físicos de circuitos cerebrais em substratos de silício”, conclui.

Por fim, as atividades em neurorrobótica vão incidir na integração das simulações das redes neuronais em estruturas robóticas, inicialmente virtuais. Uma vez prontas, as plataformas poderão ser usadas não só pelos cientistas do projeto como por pesquisadores de todo o mundo. Os recursos estarão disponíveis em uma base de forma similar a outras infraestruturas de pesquisa, como as encontradas nos grandes telescópios da astronomia. Para que seja bem-sucedido, o trabalho depende de uma dinâmica de troca de informações entre as seis plataformas.

Impacto prático O coordenador do Laboratório de Neurociências e Comportamento do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Xavier, considera o projeto ousado, mas vê com bons olhos a iniciativa de investigação do sistema nervoso. O especialista acredita ser desafiador colocar em um supercomputador informações de diferentes níveis de abordagem. Desde trabalhos celulares e moleculares, como o funcionamento da membrana neuronal e a geração de impulsos elétricos, até informações sobre os circuitos responsáveis por determinadas funções.

“O interessante nisso é que, a partir dessas informações, será possível gerar uma série de simulações sobre qual seria o efeito de impor esse ou aquele desafio ao sistema nervoso. Qual seria o efeito de injetar uma determinada droga em certa região?”, exemplifica. Segundo o neurocientista, todos esses testes poderão ser submetidos a esse sistema nervoso virtual. “E isso nos dará um ensaio sobre como ele funciona, eventualmente até permitindo identificar coisas que uma avaliação menos global não permite”, acrescenta.

Também será possível investigar efeitos de intervenções sobre uma centena de doenças neurodegenerativas e psiquiátricas, cogitam os especialistas. Professor de neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Marino Bianchin acredita que, se concluído, o projeto pode representar o Santo Graal da medicina, pois trará informações detalhadas sobre o órgão mais complexo do corpo humano, capaz de configurar a individualidade de cada ser. “É um trabalho fantástico, que depende de uma tecnologia que ainda nem existe e tem como um dos seus resultados práticos o desenvolvimento dessa tecnologia. Eles querem achar soluções para coisas que ainda não existem com aplicabilidade para todas as áreas.”

INICIATIVA AMERICANA

O Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies Initiative (pesquisa cerebral por meio do avanço de neurotecnologias inovadoras, em tradução livre) é uma iniciativa norte-americana de pesquisa colaborativa similar ao projeto da União Europeia. O também ousado trabalho neurocientífico foi anunciado no início de abril com o objetivo de produzir imagens dinâmicas do cérebro que mostrem como as células individuais e os circuitos neurais complexos interagem com a velocidade do pensamento. Para isso, o primeiro desafio será mapear a atividade de cada neurônio do cérebro humano. O Brain Initiative foi planejado para custar mais de US$ 300 milhões por ano, durante 10 anos. Ele é liderado pelos Institutos Nacionais de Saúde americanos e reúne outras centena de neurocientistas, mas está paralisado devido ao shutdown americano, a suspensão de serviços públicos federais não essenciais.

Sequenciamento histórico
Consistiu em um esforço internacional para o apeamento do genoma humano e a identificação de todos os nucleotídeos que o compõem. Após iniciativa dos Institutos Nacionais da Saúde dos EUA, centenas de aboratórios de todo o mundo se uniram à tarefa de equenciar um a um os enes que codificam as roteínas do corpo humano e as sequências de DNA que não são genes. Em 1990, o PGH tinha o envolvimento de mais de 5 mil cientistas, de 250 laboratórios, que ontavam com um orçamento que variou de US$ 3 bilhões a US$ 53 bilhões.