Estudos mostram que comportamentos machistas migram para a internet

Intrigados, cada vez mais pesquisadores, de diversas partes do mundo, tentam entender como o sexismo se manifesta nas relações mediadas por computador

por Isabela de Oliveira 02/09/2013 14:00

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Ao longo da história, a mulher foi considerada uma criatura parecida com o homem, porém inferior. Na Grécia Antiga, por exemplo, elas eram imperfeitas: os órgãos sexuais estavam no lugar errado, escondidos dentro do abdome. Em meados do século 20, personalidades como a francesa Simone de Beauvoir e a brasileira Luz del Fuego ajudaram a mostrar que muitas das diferenças entre os gêneros são frutos mais de uma imposição cultural do que biológica. Mesmo assim, décadas depois, o discurso sobre a inferioridade feminina persiste e passa a ser reproduzido em uma das mais democráticas ferramentas desenvolvidas pela humanidade: a internet. Intrigados, cada vez mais pesquisadores, de diversas partes do mundo, tentam entender como o sexismo se manifesta nas relações mediadas por computador.

SXC.hu/Banco de Imagens
A análise constatou que as mulheres, em geral, só admitem na internet sentirem vontade de praticar sexo casual quando se sentem protegidas pelo anonimato (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
Um dos mais recentes estudos nesse sentido foi realizado na Universidade de Miami, nos Estados Unidos. Os pesquisadores Qinghua Yang e Cong Li decidiram investigar se o gosto musical divulgado pelos usuários de redes sociais na internet pode torná-los mais ou menos atraentes aos olhos dos demais internautas. Os resultados sugerem que os homens se sentem mais interessados por mulheres que gostam de música clássica do que por aquelas que preferem estilos mais pesados, como o rock. Elas, por outro lado, se mostram mais atraídas pelos fãs do rock’n’roll.

“Os rapazes que escutam metal pareceram mais atraentes porque a sociedade, de modo geral, espera que sejam ‘durões’. Por outro lado, eles consideraram as mulheres que optavam pela música clássica mais atraentes, porque é esperado que elas sejam angelicais e discretas”, especula Yang. Segundo a psicóloga clínica Maraci Sant’Ana, criou-se uma imagem de que o casal ideal é formado por um homem forte, disposto e viril, e o oposto é esperado da mulher. A partir da experiência de consultório, ela observa que o homem brasileiro adota o mesmo comportamento. “Eles dividem a mulher em dois tipos: aquela que merece o relacionamento sério, e a outra que só serve para dar prazer. Quando eles dizem que ‘essa é para casar’, significa que há um grupo que não serve para esposa ou mãe dos filhos dele”, analisa a psicóloga.

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Intelectuais ajudaram a mostrar que muitas das diferenças entre os gêneros são frutos mais de uma imposição cultural do que biológica (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
De acordo com Fabricio Bortoluzzi, professor de ciência da tecnologia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), a pesquisa da Universidade de Miami evidencia que o mundo on-line é, na verdade, uma reprodução da vida off-line. Há, portanto, uma conformidade social nos dois ambientes. É normal, por exemplo, ver fotos de mulheres sensuais e seminuas no perfil de homens, em particular os mais jovens. As mesmas postagens, se feitas pelas mulheres, poderiam ser consideradas vulgares. “Na internet, também se espera que a mulher seja recatada e boa moça. Se elas realmente são o que elas expressam ser, é outro assunto”, analisa Bortoluzzi.

Essa impressão foi verificada em um estudo realizado este ano na Universidade da Califórnia, com 600 participantes. A análise constatou que as mulheres, em geral, só admitem na internet sentirem vontade de praticar sexo casual quando se sentem protegidas pelo anonimato. Além disso, quando falam sobre sua sexualidade sem esconder a identidade, as moças costumam diminuir o número de parceiros que tiveram. Já, entre os homens, a tendência é exatamente oposta. “Quando se sentem protegidas pelo anonimato, elas expressam sua sexualidade de forma natural. Outras pesquisas demonstraram que as mulheres são mais preocupadas com a privacidade on-line do que os homens, talvez pelo fato de muitas terem um histórico de experiências ruins”, afirmou Melanie Beaussart, líder da pesquisa., quando apresentou os dados, em julho passado.

"Quando se sentem protegidas pelo anonimato, elas expressam sua sexualidade de forma natural. Pesquisas demonstraram que as mulheres são mais preocupadas com a privacidade on-line do que os homens, talvez pelo fato de muitas terem um histórico de experiências ruins” - Melanie Beaussart, pesquisadora da Universidade da Califórnia


Reputação
Para Beaussart, mesmo no Ocidente, as mulheres vivem um padrão cultural que condena aquelas com muitos parceiros sexuais ou vida social muito ativa. Assim, elas se tornam mais vigilantes sobre a sua reputação on-line, preservando até mesmo fotos e informações sobre festas. Uma análise realizada na Universidade de Hacettepe, na Turquia, constatou que o principal motivo de as internautas do país não abrirem seus perfis no Facebook para pessoas desconhecidas são o medo da pressão social que poderiam sofrer.

O estudo foi realizado a partir de um questionário respondido por 870 usuários da rede social. Os resultados mostraram que os propósitos de uso podem ser classificados em quatro categorias: conhecer novas pessoas, manter relações existentes, realizar pesquisa acadêmica e manter-se atualizado sobre os amigos e os fatos do mundo. “Foram encontradas diferenças significativas entre os sexos em todas as finalidades mencionadas. No entanto, os homens admitiam muito mais usar a ferramenta para conhecer pessoas novas”, conta Sacide Güzin Mazman, uma das autoras do trabalho.

Para Antônio Carlos Xavier, professor de linguística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os resultados de Mazman reforçam a impressão de que as mulheres utilizam as redes sociais com um propósito específico e, portanto, são mais recatadas. E isso se reflete na postura e na linguagem delas. Um exemplo disso é a conduta adotada pelas internautas em fóruns de discussão. Uma pesquisa realizada por Judy Mahoney e Nancy Knupfer, das Universidades Bown Mackey e do Kansas, respectivamente, revela que, mesmo com o anonimato permitido pela comunicação on-line, algumas mulheres relatam serem perseguidas e intimidadas na internet.

Para evitar isso, elas se identificam como usuários neutros, sem que o apelido revele o gênero. “Cada sujeito tem um estilo próprio, e isso é transferido para a forma como ele escreve. Como a sociedade possui papéis de mais valor, as mulheres adotam nomes e palavras que remetem a esses papéis para se resguardarem”, explica Xavier. No entanto, ele revela que, mesmo assim, é possível perceber diferenças nas formas de homens e mulheres se comunicarem on-line.

Anderson Araújo/CB/D.A Press
Durante uma discussão acalorada com uma mulher, os homens tendem a hostilizá-la utilizando uma condição natural feminina: a menstruação. "Eu quebraria sua cara durante essa época do mês" ou "Vadias sangrentas" são alguns exemplos de ofensas utilizadas (foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)


Menstruação
Se, por um lado, eles têm menos limites e pudores na forma de escrever, elas são mais detalhistas e articuladas, sobretudo quando participam de alguma discussão. Uma das características femininas é utilizar mais tempo para formular as ideias. No entanto, quando conversam com outras mulheres conseguem manter uma conversa mais simétrica. “Elas sabem que a outra tem o mesmo valor social. Tradicionalmente, as mulheres são vistas como submissas aos homens. Por exemplo, elas ficam atrás quando há uma disputa para falar, pois eles parecem se posicionar de forma mais dominante”, observa Xavier, especialista em linguística.

A atitude beligerante dos homens pode, muitas vezes, render posturas machistas. Um estudo da Universidade Estadual do Arizona que analisou mais de 2 mil tuítes revela que, durante uma discussão acalorada com uma mulher, os homens tenderam a hostilizá-la utilizando uma condição natural feminina: a menstruação. “Eles dizem que elas estão privadas de sexo ou ‘naqueles dias’, como uma forma de humilhá-las. Encontramos muitos recados expressando raiva, violência e misoginia”, conta Leslie-Jean Thornton, autora do trabalho.

Tuítes de perfis masculinos com mensagens como “Deveria existir uma lei contra a menstruação”, “Mulheres não deveriam falar com nenhum homem quando estiverem naqueles dias”, “Eu quebraria sua cara durante essa época do mês” ou “Vadias sangrentas” são alguns exemplos. “Nesse caso, alguns usuários se posicionam como homens furiosos que querem associar as mulheres a impuras e baixas. Isso é um indicativo de uma realidade que é compartilhada por muitas pessoas”, conclui Thornton na pesquisa, publicada pelo periódico Sex Roles.


"Alguns usuários (do Twitter) se posicionam como homens furiosos que querem associar as mulheres a impuras e baixas. Isso é um indicativo de uma realidade que é compartilhada por muitas pessoas” - Leslie-Jean Thornton, pesquisadora da Universidade Estadual do Arizona