Judeus que resistiram à perseguição do regime nazista têm expectativa de vida maior

Uma possível explicação é que essas pessoas teriam uma alta resiliência, a capacidade de seguir em frente apesar das adversidades

por Paloma Oliveto 12/08/2013 12:00

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Museu do Holocausto de Curitiba/Divulgação
Judeus prisioneiros em campo de concentração: sobreviventes poderiam ter um organismo mais forte, especulam cientistas (foto: Museu do Holocausto de Curitiba/Divulgação)
Eles estiveram no inferno mas conseguiram voltar. Foram perseguidos, vítimas de terror físico e psicológico, e sobreviveram — muito mais do que se imaginava. Um estudo conduzido pela Universidade de Haifa surpreendeu os pesquisadores ao constatar que a expectativa de vida dos judeus expostos ao holocausto é maior que a daqueles que, na época do genocídio, já haviam migrado para o território que se tornaria o Estado de Israel. Até agora, resultados de outras investigações têm mostrado o contrário: experiências traumáticas tendem a influenciar negativamente a longevidade.

Os autores estudaram documentações a respeito de mais de 55 mil imigrantes poloneses do sexo masculino, divididos em dois grupos. O primeiro englobou 41.454 judeus que se mudaram para a Palestina entre 1945 e 1950, ou seja, vivenciaram a perseguição na Europa — mesmo que não diretamente enviados a campos de concentração. O outro grupo, de controle, incluiu 13.766 judeus que já estavam na região antes de 1939, ano em que eclodiu a Segunda Guerra Mundial. Neste caso, portanto, não houve exposição ao regime de Hitler.

Os dados mostraram que homens que tinham entre 10 e 15 anos no início da perseguição aos judeus viveram, em média, 10 meses a mais, comparados àqueles que já moravam em Israel na época. Os poloneses na faixa dos 16 aos 20 anos viveram 18 meses a mais que os imigrantes. Embora os pesquisadores também tenham analisado informações sobre as mulheres, as diferenças na longevidade entre elas foi pequena e insignificante do ponto de vista estatístico.

O resultado pegou de surpresa Avi Sagi-Schwartz, professor de psicologia da Universidade de Haifa e principal autor do estudo. “Essas pessoas sofreram traumas severos, do ponto de vista psicológico, físico e nutricional; perderam o acesso a condições sanitárias mínimas e aos serviços de saúde, ficaram expostas a doenças contagiosas. Por isso, acreditávamos que esses fatores, mais tarde, influenciariam na saúde em geral e reduziriam a expetativa de vida”, diz.

Novo significado
Diversas pesquisas realizadas com sobreviventes do holocausto mostram que, em relação à população em geral, eles sofrem mais episódios de ansiedade, depressão e transtorno do estresse pós-traumático, fatores que fragilizam a saúde. As evidências são, inclusive, biológicas: cada vez mais, a genética sugere que experiências do tipo diminui o tamanho do telômero. Essa estrutura do DNA fica na extremidade do cromossomo e está ligada à vida celular — quanto maior o comprimento, mais a célula se divide, em um processo de renovação. Já o encurtamento do telômero significa a morte das células, o que aumenta riscos de envelhecimento precoce e de doenças como o câncer.

Para Sagi-Schwartz, uma possível explicação está na resiliência, a capacidade do ser humano seguir em frente apesar das adversidades. “Essa pode ser considerada uma ilustração do chamado crescimento pós-traumático, que é observado, por exemplo, em soldados que passaram por traumas relacionados ao combate. Mais tarde, eles relatam encontrar grande satisfação e novo significado de vida, justamente por causa dessas experiências”, afirma.

O conceito de crescimento pós-traumático é novo e foi proposto por psicólogos da Universidade da Carolina do Norte, segundo os quais os sobreviventes de eventos como ataques terroristas, desastres naturais e doenças potencialmente letais começam a enxergar a vida de outra forma, mais positiva. A psicóloga social Amy Canevello, que integra o grupo de pesquisadores da universidade que investiga o fenômeno, diz que o crescimento pós-traumático se manifesta de formas diversas: alguns indivíduos podem aprofundar as crenças religiosas, outros, se sentir mais conectados com pessoas que passaram por crises semelhantes, e ainda há aquelas que percebem uma força maior. “É como se elas pensassem: ‘Se passei por isso e sobrevivi, eu posso encarar qualquer coisa’”, diz Canevello.

A especialista, contudo, ressalta que mudanças positivas ocorridas depois de uma tragédia não significam que é “bom” passar por um trauma. “A experiência pessoal de crescimento não quer dizer que a pessoa não vá sofrer. Definitivamente, eventos traumáticos são péssimos. O que há de positivo nisso é que, apesar de toda a dificuldade por trás de grandes perdas, alguns indivíduos conseguem se recuperar e experimentar um ganho. Temos de lembrar que o crescimento pós-traumático, contudo, não é universal. Nem todo mundo que passa por um trauma vai crescer”, esclarece.

Controvérsia
O caráter individual do crescimento pós-traumático coloca em dúvida o resultado da pesquisa de Sagi-Schwartz, pois o estudo não fala de uma pessoa, mas de mais de 40 mil. Além disso, seguir adiante depois de um período de sofrimento intenso não significa viver mais. Inclusive, uma teoria divulgada na revista da Associação Psicológica Americana indica que, do ponto de vista estatístico, os deprimidos vivem mais. “Essa é uma questão controversa, não há consenso. Diferentes análises mostram resultados diversos. No nosso trabalho, por exemplo, encontramos uma associação entre estresse e diminuição da expectativa de vida”, pondera Tom Russ, geriatra da Universidade de Edimburgo. No ano passado, ele publicou um estudo no British Medical Journal mostrando que ansiedade e depressão estavam associados à mortalidade.

Avi Sagi-Schwartz afirma que nem mesmo ele sabe dizer por que os judeus submetidos aos terrores do holocausto viveram mais. “Até agora, o que temos são algumas especulações”, admite. Uma delas é extremamente polêmica: para terem escapado da morte, esses indivíduos já seriam mais fortes que os demais. Todas as vezes que essa hipótese é levantada, porém, ela é refutada, pois, para algumas pessoas, significaria culpar os judeus que padeceram no regime de Hitler. A pesquisa da Universidade de Haifa, contudo, não diz que as vítimas letais eram fracas, apenas sugere que, fisicamente, os que conseguiram viver durante anos em campos de concentração ou em esconderijos insalubres teriam um organismo mais forte: se fossem como a média da população mundial, não teriam sobrevivido. Qualquer que seja a explicação, sustenta Sagi-Schawrtz, o estudo deixa uma lição. “Ele nos ensina um pouco sobre a resiliência do espírito humano quando confrontado com eventos brutais e traumáticos.”