Conhecida e polêmica por exibições no palco, hipnose pode auxiliar áreas da saúde

Conselho Federal de Medicina reconheceu a prática em 1999. Obesidade, tabagismo, fobias, gagueira, distúrbios do sono, da personalidade e preparo para exames invasivos, por exemplo, podem ser tratados com hipnose. Em alguns procedimentos, até a anestesia pode se beneficiar da técnica

por Valéria Mendes 21/06/2013 09:00

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SXC.hu/Banco de Imagens
Médicos, psicólogos, odontólogos e fisioterapeutas que queiram usar a hipnose têm como opção cursos oferecidos pelo Instituto Brasileiro de Hipnose e suas unidades estaduais (foto: SXC.hu/Banco de Imagens)
Curiosidade e medo são sensações geradas pela falta de informação sobre a hipnose. “Os conselhos de saúde preveem que seus profissionais passem a usar a técnica, mas o curso de medicina, por exemplo, não oferece a disciplina. O que os profissionais fazem? Recorrem aos cursos e encontram resultados fantásticos”, afirma o presidente do Instituto Mineiro de Hipnoterapia, Alcino Lagares. O parecer número 42 do Conselho Federal de Medicina (CFM) é de 1999 e diz: “a hipnose é reconhecida como valiosa prática médica subsidiária de diagnóstico ou de tratamento, devendo ser exercida por profissionais devidamente qualificados e sobre rigorosos critérios éticos. O termo genérico adotado por este conselho é o de hipniatria” (o texto completo pode ser visto aqui). No meio disso, está o hipnotista de palco que, para Alcino, presta um desserviço à hipnose enquanto ciência. “Não é a mesma coisa”, o especialista faz questão de salientar. E é esse estereótipo o grande desafio a ser vencido para que a prática ganhe mais adesão.

Quem já se beneficiou da hipnoterapia, recomenda. Marinei Fonseca Costa tem 43 anos, é cabo da Polícia Militar, farmacêutica, e estudante de acupuntura. “Fui por indicação de uma amiga”, diz. “Queria recuperar coisas perdidas da minha personalidade, colocar a vida em ordem - resultado do acúmulo de funções - e me organizar”, explica. Marinei não só alcançou seu objetivo principal em apenas dez seções como também conseguiu parar de fumar. “Desde 26 de outubro que não fumo. Não tenho vontade mais”, afirma. Parece milagre, de tão simples. Mas não é mágica e nem poder. “Não é um dom, é uma técnica sugestiva em que a própria pessoa vai perceber a sua potencialidade. Toda hipnose é auto-hipnose. É um processo pedagógico em que a profundidade do transe é individual”, esclarece Alcino. Ele observa, entretanto, que alguns hipnoterapeutas são naturalmente mais convincentes que outros.

O estudo do psicólogo norte-americano Alfred A. Barrios, intitulado ‘Hypnotherapy: A Reappraisal’ e publicado em 1970 na American Health Magazine é muito usado pelos hipnoterapeutas para comprovar a eficácia da técnica. A pesquisa faz uma comparação entre a psicanálise, a terapia comportamental e a hipnose. Os números obtidos por Barrios são de que os pacientes da psicanálise precisam de 600 sessões, distribuídas em 11 anos e meio, para alcançar 38% de resultados satisfatório. No caso da terapia, são 22 sessões, em 6 meses e 72% de resultado. Já na hipnose, são apenas 6 sessões, em 1 mês e meio, para conseguir 93% de satisfação (leia o artigo aqui).

Indicações e como funciona
O próprio parecer do CFM enumera uma gama imensa de problemas que a hipnose pode tratar, como as fobias, depressão, distúrbios alimentares, disfunções sexuais, distúrbios do sono e da personalidade, uso de drogas, preparo para exames invasivos e também na abordagem de patologias diversas, desde que em conjunto com as variadas especialidades médicas.

Letícia Orlandi/EM/D.A Press
"O transe profundo não tem nenhuma utilidade para um consultório", explica o presidente do Instituto Mineiro de Hipnose e hipnoterapeuta Alcino Lagares (foto: Letícia Orlandi/EM/D.A Press)
Com exceção dos doentes mentais – que têm dificuldade em focar a atenção - qualquer pessoa pode ser hipnotizada. “Quanto mais inteligente a pessoa, mais fácil é”, afirma Alcino.

O princípio básico da hipnoterapia é a pessoa querer. Parece óbvio, mas no caso de crianças e adolescentes, alguns pais procuram ajuda dos especialistas sem que os filhos estejam de acordo com o tratamento ou acreditem que tenham algum problema. Alcino Lagares atende crianças a partir dos 8 anos e adolescentes apenas com autorização dos pais.

A primeira consulta tem duração aproximada de uma hora e meia e é uma entrevista - ou anamnese, para usar o termo dos profissionais de saúde. É o momento que o hipnoterapeuta tem para entender a pessoa, conhecer sua história, as datas importantes e compreender a queixa principal. A segunda seção é chamada de hipnoanálise e serve para elaborar um cronograma existencial do paciente. Geralmente, só o hipnoterapeuta fala para relembrar com a pessoa os fatos importantes da vida dela e encontrar as ab-reações. Ou seja, notar em que momentos a pessoa sorri ou chora, quando muda a respiração, como é movimento dos olhos sob as pálbebras. São essas respostas que vão ajudar o especialista a compor as sugestões que fará ao paciente durante o transe.

A partir daí, começa o tratamento em si. “Na minha trajetória eu tive 100% de resultado e só cobro até a décima seção”, afirma Alcino Lagares que ministra o curso de hipnose para grupos de no máximo 6 pessoas. A exigência é formação superior na área de saúde física e mental, ser professor ou filósofo. “Não ensino técnicas de hipnose para todo mundo. Para curioso não”, reforça. O curso possui 20 horas técnicas.

O transe

O que gera a insegurança e o receio em procurar uma hipnoterapia como opção de tratamento muitas vezes é o medo de não se lembrar do que aconteceu na seção. A sensação é resultado justamente do hipnotismo de palco. O exemplo clássico é aquele da pessoa que come cebola achando que é maçã. “O objetivo é divertir uma plateia sem a preocupação com a auto-estima ou das consequências da brincadeira”, esclarece Alcino. O presidente do Instituto Mineiro de Hipnose explica que esse hipnotista faz um teste de sensibilidade para descobrir quem, entre os que compõem o público, é um suscetível universal, aquele que entra em transe com facilidade. Essas pessoas representariam 25% da população mundial. “Esse número não é comprovado”, alerta Alcino. 

“O transe profundo não tem nenhuma utilidade para um consultório”, esclarece Alcino. Na hipnoterapia, o paciente não entra nesse transe profundo ou sonambúlico - fenômeno que acontece quando a maior área do córtex cerebral é inibida. O que se busca é um transe leve ou médio, em que a pessoa fica consciente o tempo todo.

Letícia Orlandi/EM/D.A Press
A hipnoterapia não substitui o tratamento médico ou psicológico (foto: Letícia Orlandi/EM/D.A Press)
O hipnoterapeuta cita algumas estratégias que podem ajudar os pacientes a se sentirem confortáveis e seguros. Por exemplo, ele usa uma poltrona reclinável – ao invés de divã ou colchão no chão - pois acredita que, principalmente nos casos de mulheres que foram vítimas de abuso sexual, é mais indicada. Outra técnica é usar os barulhos do ambiente a favor. Segundo ele, nada de andar nas pontas dos pés e não arrastar cadeiras. “Os sons do ambiente interno e externo ajudam no relaxamento por serem reconhecíveis. Quando eu levanto da cadeira, faço barulho”, diz.

É durante o transe que o hipnoterapeuta faz as sugestões aos pacientes, de acordo com a história e a rotina de cada um. No caso de Marinei, a estratégia usada para que ela parasse de fumar era substituir o cigarro por um copo de água. “A sugestão que ele fez pra mim, não serviria para outra pessoa. Eu não tive nem dificuldade para controlar o peso porque a água realmente resolvia o problema”, diz ela. A cabo da PM e farmacêutica gostou tanto da experiência que pretende fazer o curso de hipnoterapia após concluir o de acupuntura.

Ao final de cada seção o profissional também passa exercícios mentais para que a pessoa repita em voz alta algumas vezes ao dia. “É importante o que você diz para o seu cérebro”, pontua Alcino.

Os pacientes de Alcino são obrigados a assinar um termo em que se comprometem a não interromper nenhum tratamento médico ou psicológico.

A hipnoterapia de vidas passadas, por estar fundamentada em uma crença religiosa - no caso o espiritismo – não é adotada por todos os hipnoterapeutas.

Sem consenso: hipnose x anestesia
Uma das indicações da hipnose – no caso o transe profundo ou sonambúlico – é em substituição à anestesia. Alcino Lagares diz que, nessas situações, o próprio cirurgião é hipnólogo. No entanto, essa abordagem é um ponto mais polêmico. Apesar de o hipnoterapeuta citar os exemplos de tribos indígenas que atravessam pedaços de madeira na bochecha quando em transe e sem sentir dor, a medicina explica que o espectro de ação da hipnose é pequeno nesses casos e não existem exemplos no Brasil.

O anestesista e membro do CFM por Minas Gerais, Alexandre de Menezes Rodrigues explica que a anestesia tem cinco etapas: amnésia, hipnose, bloqueio endócrino, bloqueio neuro-muscular e coma. “Do ponto de vista anestésico e de acordo com o procedimento, posso passar por essas situações e a hipnose é parte dos estágios. Ela pode ser usada? Sim. Existe a possibilidade de substituir a anestesia? Não”, afirma o médico.

Alexandre de Menezes cita os casos em que o paciente anestesiado não pode se mexer para ilustrar a limitação da técnica. A hipnose, segundo ele, é uma parte do arsenal anestésico. Dessa forma, sendo a hipnose a segunda etapa, como colocá-la no lugar do procedimento? É importante dizer, entretanto, que nem toda anestesia passa pelas cinco etapas. Por isso, poderia-se pensar na hipnose como alternativa à anestesia no caso de mulheres que querem o parto natural ou na odontologia. “Ela pode ser usada em procedimentos que não necessitam das demais fases”, afirma.

O especialista diz que já existem notícias da utilização da hipnose para anestesias em outros países. “Geralmente são usadas para pacientes que têm medo”, diz. Alexandre fala que é mito o fato de que algumas pessoas não podem ser anestesiadas porque têm alergia. “A alergia é a determinados tipos de anestésicos, mas existem vários”, esclarece.


Letícia Orlandi/EM/D.A Press
Técnica de relaxamento hipnótico (foto: Letícia Orlandi/EM/D.A Press)
Não seria o caso de fazer uma hipnoterapia – que é um tratamento - para compartilhar a experiência com o leitor. No entanto, fiz uma seção de relaxamento hipnótico em que foi possível entender a prática. Para o relaxamento funcionar, é preciso confiança. Nesse caso, além de eu estar acompanhada da fotógrafa, já tinha uma facilidade em me desconectar do mundo exterior por causa da yôga, que já pratiquei.

O hipnoterapeuta Alcino Lagares lembra, com certa insistência, que a seção pode ser interrompida a qualquer momento com o abrir dos olhos. Ele também se movimenta e faz barulhos. Tudo isso favorece a sensação de conforto e minimiza o medo de “entregar a mente” a uma outra pessoa. Essa falta de consciência não existe dentro da hipnoterapia, mas o receio é real. Qual o limite do transe médio para o profundo ou sonambúlico? Em que intervalo de tempo acontece?

Só o hipnoterapeuta fala. Quando ele me pede para relaxar o braço esquerdo e movimentá-lo de cima para baixo, de cima para baixo, de cima para baixo [e ele continua repetindo muitas vezes], eu realmente fico sem saber se eu teria a capacidade de parar o movimento por minha própria vontade. Não tento, por que queria viver a experiência a fundo para que fizesse sentido ela ser compartilhada.

Apesar de ele não ter quase nenhuma informação sobre a minha vida, não se furtou em fazer sugestões, o que facilitou o entendimento da lógica da terapia. Ele repete muitas vezes o que devo fazer quando me vir em uma determinada situação e, apesar de termos nos encontrado apenas duas vezes, soa positivo e nada invasivo. São coisas simples de se fazer na teoria, mas que alteram o modo de enxergar determinadas situações ou que propõe uma mudança de hábito. Nada impossível de se adotar, mas não necessariamente fácil. É importante ressaltar que a experiência não teve a complexidade do tratamento e o objetivo era aliviar a ansiedade e gerar tranquilidade para tocar o dia. A seção encerrou-se às 12h.