Anestesia dental indolor e sem agulha está mais próxima de virar realidade

Lipossomas, espécie de bolhas presentes no organismo, carregam substâncias e têm se mostrado eficazes

10/06/2013 09:42

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Arte: Valf
Clique na imagem para ampliá-la e entenda o estudo (foto: Arte: Valf)
Reduzir o incômodo e a dor da anestesia pode ser o primeiro passo para que os dentistas ganhem mais simpatizantes. Com medo da picada da agulha inevitável em procedimentos mais complexos, muitos correm da cadeira do profissional a todo custo. Para os mais receosos, a anestesia indolor e sem agulha está mais próxima de virar realidade. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) buscam opções de anestésicos para uso odontológico que, além de apresentarem melhores efeitos, devem significar a aposentadoria das agulhas.

A pesquisa faz parte do projeto temático “Novas formulações de anestésicos locais de liberação sustentada: do desenvolvimento ao teste clínico odontológico”, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paul (Fapesp). “O grande desejo é de termos um anestésico que não precise ser injetado, o que gera mais medo no consultório. Hoje o que há no mercado é uma versão tópica suficiente apenas para que seja realizada a picada depois”, observa Eneida de Paula, chefe do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia da Unicamp.

E os estudos vão além. Associadas ao alívio da dor no momento da aplicação, as pesquisas estão em busca de uma versão menos tóxica dos anestésicos e que tenham maior durabilidade para que, em procedimentos mais longos, não seja necessária a reaplicação da substância. “A intenção é prolongar a atividade anestésica e diminuir a toxicidade ao coração e sistema nervoso central. Quando cai na corrente sanguínea, o anestésico pode causar taquicardia, convulsões e até levar a pessoa à morte”, explica Eneida. Mas a proposta inicial não foi de produzir novas moléculas anestésicas – o que poderia representar mais de 10 anos de desenvolvimento e testes clínicos –, e sim potencializar os efeitos das já existentes.

Arte: Valf
Os estudos vão além. Associadas ao alívio da dor no momento da aplicação, as pesquisas estão em busca de uma versão menos tóxica dos anestésicos e que tenham maior durabilidade para que, em procedimentos mais longos, não seja necessária a reaplicação da substância (foto: Arte: Valf)
Para isso, os trabalhos foram direcionados para a definição do carreador ou de nanopartícula ideal para transporte dos sais anestésicos. Esses carreadores funcionam como uma cápsula que carrega o composto até o local desejado. “A boca é muito vascularizada e isso faz com que o anestésico seja varrido mais rapidamente da área onde deveria atuar”, explica a pesquisadora da Unicamp. “Para que ele fique mais tempo no local, é comum associar um vasoconstritor como a adrenalina, que será responsável por reduzir a circulação sanguínea. Mas a adrenalina também tem efeitos colaterais, podendo causar parada cardíaca”, explica.

A ideia é que o carreador do anestésico cumpra esste papel, eliminando a necessidade da adrenalina e reduzindo os riscos do procedimento. “Observamos que usando lipossomas como carreadores haverá o mesmo efeito da aplicação do vasoconstritor”, observa a professora. Os lipossomas são vesículas formadas de lipídeos muito parecidos com os presentes naturalmente nas membranas celulares do nosso corpo. Eles já são, inclusive, empregados pela indústria farmacêutica em antivirais, antifúngicos e no desenvolvimento de vacinas e medicamentos anticâncer e foi a primeira escolha realizada pela equipe de estudos da Unicamp. Por serem semelhante às membranas biológicas, os lipossomas não causam reações adversas ao organismo.

LIBERAÇÃO LENTA

Constituído de uma membrana recoberta por água dentro e fora, os lipossomas funcionam como verdadeiros reservatórios para os anestésicos. Isso porque o composto tende a ficar na membrana a migrar para a água. Como toda essa membrana é envolta em ambiente aquoso, ele acaba ficando preso, sendo liberado lentamente para, aí sim, se ligar a uma proteína da célula nervosa para impedir a transmissão do impulso nervoso. Atualmente não é isso que ocorre. Sem uma barreira de contenção, o anestésico se liga a essa proteína e é rapidamente levado pela corrente sanguínea. “Como alternativa para prolongar a atuação anestésica, o nervo precisa ser ‘encharcado’ com composto anestésico, e é aí que os lipossomas ajudam”, observa Eneida.

A associação do anestésico ao seu carreador foi um passo importante, mas ainda insuficiente para eliminar a agulha do processo. Isso porque são muitas as barreiras que o anestésico deve vencer para bloquear a condução do impulso nervoso. Além da mucosa, o composto deve passar pelo osso compacto da boca, o que não aconteceu com os géis estudados, embora tenha havido avanços importantes no alívio da dor pré-injeção. Eneida explica que o estudo continua. “Temos explorado novas abordagens que incluem modificação do tipo de lipídios que compõem os lipossomas; preparo de lipossomas com gradiente iônico interno; associação de anestésicos com outros fármacos, como opióides; associação de mais de um carreador (exemplo: lipossomas mais ciclodextrinas)”, enumera.

Daqui para o futuro

Gel é alternativa
Enquanto a seringa não é eliminada, o gel pré-anestésico continua sendo a melhor alternativa para amenizar a dor. A equipe de pesquisadores da Unicamp já conseguiu desenvolver uma versão do gel que utiliza 10% de benzocaína em sua composição, contra 20% usados pelos produtos já disponíveis no mercado e com efeito melhorado. A versão criada na Unicamp ainda permanece mais tempo no local sem derreter ou perder a atividade. Os resultados foram apresentados para duas indústrias e uma delas já demonstrou interesse em comercializar o produto. “Estamos na fase de propostas. Das pesquisas que fizemos até agora, esste gel é o que tem mais tendência de ir para o mercado”, garante Eneida.