Tributo a Geraldo Veloso: escritor Paulo Vilara fala sobre sua amizade com o cineasta mineiro

Incansável guerreiro do cinema faleceu no último sábado (1°), aos 74 anos. Confira depoimentos de seus amigos e parceiros de trabalho

por Paulo Vilara 05/10/2018 15:03
Euler Junior/EM/D.A Press - 10/07/2009
(foto: Euler Junior/EM/D.A Press - 10/07/2009)
Plano geral. Tenho a sorte de conviver com a família Veloso desde o longínquo ano de 1966. Foi quando conheci Tiago, irmão mais novo de Geraldo, durante as filmagens de Joãozinho e Maria, curta-metragem de Márcio Borges. Tiago foi o câmera; eu, o Joãozinho. Ficamos amigos. Na sequência, passei muitas tardes-noites de sábado em casa de seus pais, na Rua Monsenhor Horta, no Prado, a ouvir discos de jazz com ele, Ricardo Gomes Leite e Mário Alves Coutinho. Foi lá que fui “aplicado” a My favorite things, de John Coltrane. Nessa época, Veloso morava no Rio de Janeiro, mas é sabido que, junto com o cinema, a literatura, a amizade e muitas outras boas manifestações humanas, o jazz era uma de suas coisas favoritas.

Close. Em 1981, Veloso fez a montagem, em moviola, do documentário Carlos Chagas. O passado presente, que roteirizei e dirigi. Foram muitos dias ao lado dele, que manuseava os fotogramas da película com carinho, habilidade técnica e decisões acertadas na colagem de planos e sequências. Filmado em 35mm, no Vale do Jequitinhonha, o copião trazia cenas duras e impactantes, mas também imagens poéticas captadas pelo fotógrafo Maurício Andrés, que faziam lembrar o universo de Guimarães Rosa. Minha intenção inicial era denunciar o desmatamento criminoso e o criminoso “reflorestamento” com eucaliptos, que fizeram desaparecer dali os animais silvestres, hospedeiros naturais do barbeiro transmissor da doença de Chagas, o que levou os insetos a se aproximar das casas de pau a pique, invadi-las e infectar seus moradores. As condições miseráveis de vida favoreceram o crescimento do número de chagásicos na região. Porém, o que fazer com aquelas cenas tão belas do cotidiano rural das pessoas? O dilema nos ocupou dias e noites, com prazerosas idas e vindas dos fotogramas no balé encantador da moviola e com diálogos nos quais as amigas tese, antítese e síntese marcaram sua presença. Veloso, experiente, culto, generoso, facilitou minha decisão ao enfatizar a importância daquela denúncia. Trabalhar com ele, ser parceiro naquilo que foi o cerne de toda a sua vida, o cinema, foi uma experiência enriquecedora, inesquecível.

Fade-out. Em 21 de agosto de 2018, fui ao Cine Santa Tereza para assistir a O homem roxo, documentário de Duke e Carlos Canela sobre o artista plástico Fernando Fiúza, falecido em 2009. O filme foi exibido a partir das 19h30, como parte do Cinema Falado, projeto do Centro de Estudos Cinematográficos (CEC) e do Instituto Humberto Mauro. Além de alguns amigos de Fiúza, estavam presentes à sessão seus irmãos e sua ex-companheira, a também artista plástica Luciana Radicchi. Veloso fez a apresentação do filme. Terminada a exibição e acesas as luzes, ele comandou o debate, em clima de muita emoção. Ao final, lágrimas e sorrisos afetuosos marcaram as despedidas.

Geraldo Veloso, Victor de Almeida, Carlos Canela, Duke, Carlos Ribas e eu atravessamos a praça e fomos para o restaurante Bolão, onde “derrubamos” muitas garrafas de cerveja e conversamos até de madrugada. Veloso estava falante e brilhante, como sempre. Cheio de planos, cheio de vida. Pagamos a conta, saímos e, no meio da rua, nos despedimos com um abraço fraterno. Ele se virou e foi embora. Eu não sabia que seria para sempre. Triste.

* Paulo Vilara é cineasta, jornalista e escritor.