Biografia resgata história de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas

'Francisco Julião - uma biografia', de Cláudio Aguiar, é fruto de dez anos de trabalho de pesquisa e redação

por Vandeck Santiago 19/07/2014 08:00
Geraldo Viola/O Cruzeiro/Arquivo EM
O líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, com Leonel Brizola, em 1961: os amigos seriam exilados e depois colaboradores no governo do Rio de Janeiro (foto: Geraldo Viola/O Cruzeiro/Arquivo EM)
Houve um breve momento na história – entre o final dos anos 1950 e início dos anos 1960 – em que Francisco Julião foi o homem mais discutido do Brasil. Seu nome aparecia com frequência na imprensa nacional e internacional, sempre acompanhado da definição de “agitador”. O Diário de Pernambuco publicou uma piada na época em que dois homens estão na praia quando um deles afirma: “Julião deve estar aqui tomando banho”. O outro pergunta: “Como é que você sabe?”. Aí o primeiro responde: “Veja como o mar está agitado…”. A movimentação de Julião era tema de conversa também na Casa Branca: em 1962, o governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves, teve um encontro com o presidente John Kennedy para tratar da Aliança para o Progresso, programa criado pelos EUA para combater a expansão do comunismo na América Latina e no qual o Nordeste era uma das prioridades. À certa altura do encontro, Kennedy pergunta para Aluízio Alves: “E como está o movimento de Julião?”.

Julião alcançara a notoriedade como líder das Ligas Camponesas, movimento surgido em 1955. A partir de sua atuação, pela primeira vez na história os camponeses conquistaram visibilidade política e social e viram suas reivindicações serem incorporadas à agenda política nacional e internacional (reforma agrária era um dos pontos de destaque do programa da Aliança para o Progresso). Com o golpe civil-militar de 1964, as Ligas Camponesas foram imediatamente extintas e Julião cassado e preso. Libertado em 1965, exilou-se no México.

No exílio, começou a virar um fantasma para a história. Retornou ao Brasil em 1979, disputou uma eleição sem sucesso (para deputado federal, por Pernambuco, em 1986). Seguiu novamente para o México. Depois, mais uma vez retornou ao Brasil, em 1992, como dirigente do PDT e assessor do governador eleito do Rio, Leonel Brizola (de quem foi grande amigo). Sua liderança e notoriedade, porém, já haviam ficado para trás. Em 1997, rumou para o México pela última vez: morreu em 10 de julho de 1999, de enfarte, em Tepoztlán, aos 84 anos. Pobre e esquecido.

O resgate da história dele começou em 2001, quando a Assembleia Legislativa de Pernambuco publicou em livro 22 perfis biográficos de deputados estaduais – entre eles, Francisco Julião. Desde então (já sem ligação direta com a Assembleia), houve uma série de eventos, reportagens em jornal e revista e pesquisas sobre Julião. A principal obra desse resgate é Francisco Julião – uma biografia, de Cláudio Aguiar, presidente do PEN Clube do Brasil e autor de Caldeirão (romance, 1982) e de duas dezenas de outras obras nos gêneros teatro e ensaio. Aos 18 anos (em 1962), ele começou a trabalhar como repórter do A Liga, jornal das Ligas Camponesas.

Francisco Julião – uma biografia é fruto de um trabalho de cerca de 10 anos, entre pesquisa e redação. Claúdio vasculhou documentos e arquivos, no Brasil e no México, e entrevistou pessoas que conviveram política e pessoalmente com Julião. Com base nessa apuração, montou uma obra de 854 páginas que recupera toda a trajetória do líder radical. Um livro indispensável para o conhecimento do Brasil pré e pós-golpe de 1964.

Cronologia

16 de fevereiro de 1915 – Nascimento de Francisco Juliano de Arruda de Paula.
1954 – Primeiro deputado estadual eleito pelo PSB em Pernambuco, depois de duas tentativas (1945 e 1947). Foi reeleito em 1958
7 de outubro de 1962 – É eleito deputado federal
31 de março de 1964 – Golpe militar. Julião, na Câmara dos Deputados, critica os golpistas e exige reforma agrária
10 de abril de 1964 – É cassado com base no Ato Institucional nº 1
3 de junho de 1964 – É preso e levado a Brasília. Estava escondido na zona rural
27 de setembro de 1965 – Ganha liberdade por meio de habeas corpus do STF. Mas é obrigado a deixar o país em 24 horas. Em dezembro, vai para o México
28 de agosto de 1979 – O general e presidente João Batista Figueiredo sanciona a Lei da Anistia. Julião é beneficiado.
10 de julho de 1999 – Morre em Tepoztlán, no México, aos 84 anos

Francisco Julião – uma biografia
De Cláudio Aguiar
Editora Civilização Brasileira, R$ 75

Três perguntas para...

Cláudio Aguiar
escritor

Tendo sido uma pessoa tão próxima a Julião, o senhor fez uma biografia engajada ou procurou ser objetivo?

Não me preocupei em fazer um livro para agradar a esquerda nem para irritar a direita. Alguém já disse que esta biografia não é contra nem a favor do biografado. O fato de estar próximo do tema e do personagem facilita a compreensão de todo o processo, mas o autor precisa estar vigilante para evitar distorções provocadas pela proximidade.

Há autores que associam Julião à iniciativa de luta armada empreendida por grupos das Ligas Camponesas, durante o governo João Goulart. O que o senhor diz disso?

Estes atos de luta armada foram feitos à revelia dele. Julião não teve nenhuma responsabilidade sobre essas ações.

Como o senhor definiria Julião, do ponto de vista ideológico e político?

Ele foi um socialista utópico, um agitador social e um político dedicado a uma causa, a dos camponeses.

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