Tamara Franklin lança Fugio, que mistura sons de congado e rap

Nome do segundo álbum da cantora e compositora mineira faz referência aos anúncios que divulgavam fugas de escravos no século 19

Fernanda Gomes* 15/09/2020 04:00
Fotos: Bruno Queiroz/divulgação
Tamara Franklin diz que seu segundo álbum, que estava previsto para março e só foi lançado no final de agosto, veio no tempo certo: "O mês é considerado, pelos devotos do candomblé, o de Obaluaiê, orixá da cura" (foto: Fotos: Bruno Queiroz/divulgação)
Depois de cinco anos de planejamento, a cantora e compositora Tamara Franklin, de 29 anos, lança Fugio – Rotas de fuga pro aquilombamento, segundo álbum da carreira. “Fugio surgiu do meu primeiro contato, bem tardiamente, com o reinado de Nossa Senhora do Rosário, que é algo tão nosso, tão mineiro. Eu amei o ritmo que ouvi (durante uma procissão) e tive vontade de misturar (com o rap)”, conta Tamara sobre o disco.

“Primeiro veio a musicalidade e, em termos de escrita, já vinha refletindo sobre os escravos que fugiam e como que isso é uma mostra de resistência, porque quebra essa coisa da passividade (dos escravizados). E isso é tão pouco falado”, ressalta a cantora. O nome Fugio faz referência aos anúncios publicados em jornais do século 19 e que comunicavam a fuga de um escravo.

Neles, os negros eram descritos com base nas características físicas ou marcas causadas pelos senhores de escravos. E era oferecida uma recompensa para quem os recuperasse. “Tinha visto um livro no qual tinha um monte desses recortes de jornais. Nós mudamos o cenário, mas temos a coisa da população negra continuar tendo que batalhar, sofrendo com resquícios da escravidão. Continuamos tendo que fugir”, explica Tamara.

Ela conta que o álbum estava previsto para ser lançado em março, mas teve que ser adiado devido ao isolamento social. “Foi bem frustrante: Caramba, cinco anos trabalhando no negócio e agora não vai dar”. Os shows e eventos de lançamento, que foram planejados, também tiveram que ser cancelados.

“O tempo foi passando e a gente entendeu que estava na hora (de fazer o lançamento). O disco fala muito de cura. Cura da minha autoestima, da minha espiritualidade e da minha própria visão pessoal. Não tinha melhor momento do que este para lançar”, revela. O álbum foi lançado em 25 de agosto, mês que começa a concentrar muitas das festividades ligadas ao congado em Minas Gerais. E é considerado, pelos devotos do candomblé, o mês de Obaluaiê, orixá da cura. “Foram coincidências bem felizes,” diz Tamara.

A cantora também cita as manifestações on-line e presenciais que ocorreram no mundo durante esse período de isolamento social contra o preconceito e a discriminação racial. “O trampo (o disco) tem vida própria e parece que ele escolheu quando vir à vida. Isso (os movimentos) é muito importante para entender que não sou só eu que estou nessa pegada.”

Para ela, justamente na quarentena, o mundo inteiro está se levantando e começando a entender que é importante falar sobre questões raciais. “Era o momento do Fugio mesmo, estamos avançando nesse lugar”, comemora Tamara. Ela ressalta a importância de a população negra mineira valorizar a cultura do estado. “Tem algo que é muito preto em Minas, muito forte do congado. A cultura preta de Minas está mais forte que nunca e está todo mundo se levantando, botando banca e segurando a onda nesse lugar.”

Tamara revela que o processo de produção do disco desencadeou uma cura interior nela própria. “Aprendi a gostar de tudo que fiz depois de Fugio. Tinha muitas questões comigo mesma, por diversos motivos. Todas as letras (do álbum) vão falar de rotas de fuga que eu tomei para fugir de coisas que me incomodavam. E que estavam diretamente ou indiretamente ligadas ao preconceito racial.”

Entre as músicas do álbum, a cantora destaca três, que são as mais marcantes para ela. A primeira, que dá nome ao disco, fala sobre a importância de se reconhecer e se aceitar. “Fala também da necessidade de nos enxergarmos como uma comunidade e da importância de a gente defender nossas próprias filosofias.”

Pekena, a segunda faixa destacada por Tamara, foi composta em homenagem à irmã da cantora, que morreu em 2011, aos 15 anos. “Ela fala desse processo de se encontrar depois da morte, que o candomblé trouxe para mim. Do ponto exato em que uma grande dor vira saudade.” A música conta com a participação de Dona Bete, mãe da cantora.


COR DE DEUS  

Em A cor de Deus, Tamara fala, pela primeira vez, sobre o amor que ela mesma sente. “Tinha uma dificuldade muito grande de falar sobre amor. Sempre que falava, eu me imaginava em outras situações. Dessa vez, falo de amor estando na minha pele, sendo a Tamara.” Ela adianta que não trata apenas das belezas causadas pelo sentimento. “Tem as dores e loucuras também. Tento dialogar com os relacionamentos afrocentrados. A música fala sobre como é compartilhar a vida e das cobranças que os preconceitos trazem. O que é ser uma mulher negra e um homem negro? Tem sempre uma cobrança por aquela força e firmeza, do ser firme e resistente, tanto física quanto emocionalmente”, ressalta.

As músicas estão disponíveis nas plataformas de streaming e no YouTube da cantora. Tamara adianta que pretende fazer live de lançamento para o álbum, ainda sem data definida. Os clipes de algumas das músicas serão lançados ao longo de setembro.

*Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro

None
 
Fugio – Rotas de fuga pro aquilombamento
Tamara Franklin
10 faixas
Disponível nas plataformas de streaming e no YouTube da cantora

MAIS SOBRE MUSICA