'Lives ostentação' colhem críticas até de outros artistas

Apresentação em casa de Jorge e Mateus envolveu equipe de 18 pessoas e suscitou questionamento por descumprir regra básica da quarentena, que é o distanciamento social. Artistas dizem que devidos cuidados foram tomados

Pedro Galvão 07/04/2020 04:00
Rubens Cerqueira/Divulgação
Show de Jorge e Mateus realizado no último sábado, na casa do empresário da dupla, foi visto simultaneamente por 3,2 milhões de pessoas no YouTube (foto: Rubens Cerqueira/Divulgação)
Simultaneamente, foram 3,2 milhões de pessoas. O número – em tempos de estatísticas de aglomeração preocupantes – representa a audiência da dupla sertaneja Jorge & Mateus, em sua apresentação caseira, transmitida pelo YouTube, na noite do último sábado (4).

Se as chamadas lives (transmissões ao vivo em redes sociais) começaram tímidas neste período de quarentena, ainda que envolvendo artistas de renome global, com músicos em apresentações individuais, a partir de suas casas, os goianos levaram o formato a um novo patamar.

A grandiosidade do show, que se tornou o vídeo ao vivo mais assistido da história do site e contou até com a participação remota do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, trouxe também preocupações e gerou polêmicas no contexto da pandemia do novo coronavírus, quando o distanciamento social é um dos principais instrumentos para deter a disseminação do vírus.

A despeito de qualquer desdém dos menos íntimos da música sertaneja, a dupla formada em 2006 ostenta a primeira posição na lista de mais ouvidos no Brasil no Spotify, entre 2010 e 2019. A enorme popularidade, que os levou até o palco do Royal Albert Hall, em Londres, onde gravaram um DVD em 2012, também se mostrou oportuna na quarentena.

Patrocinado por uma grande marca nacional de cerveja, o show de sábado teve quatro horas e meia de duração. Além de contar com a participação do ministro Mandetta, que afirmou: "É importante que a música chegue (à população), mas é importante não aglomerar. O show não pode parar, mas a aglomeração tem que parar", o evento arrecadou doações do público. Segundo os organizadores, foram mais de 216 toneladas de alimentos, 10 mil frascos de álcool gel e 200 cursos para a área da saúde.

Porém, uma imagem que circulou nas redes sociais mostrou os bastidores do show, com uma equipe de pelo menos 10 pessoas trabalhando, incluindo até um garçom, que servia cerveja. Quase todos usavam máscaras, mas a proximidade física também era notória.

O fato causou indignação em muitos internautas, que fizeram comentários em tom de protesto nas redes sociais de Jorge e Mateus. Os questionamentos vieram também de outros representantes da classe artística. No domingo, a banda pernambucana Nação Zumbi usou sua conta no Twitter e no Instagram para informar os fãs que não fará nenhuma live durante a quarentena.

Protocolo 

“Em respeito ao momento que estamos vivendo e ao protocolo de isolamento, optamos por não fazer lives, porque isso colocaria em risco músicos e equipe técnica. Somos uma banda e não teríamos como fazer uma apresentação à altura do que estamos acostumados a oferecer aos nossos fãs, sem que precisássemos reunir um grande número de pessoas. Respeitamos os artistas que conseguem fazer suas lives sem gerar aglomeração. Estamos em casa, nos cuidando, para que o mais rapidamente possível possamos voltar a fazer aquilo de que mais gostamos: estar no palco tocando e mandando brasa. Saúde e força, NZ”, diz o texto, que foi compartilhado pela Academia da Berlinda, outro grupo de Pernambuco que não fará shows pela internet, pelos mesmo motivos.

O ex-vocalista do Rappa, atualmente em carreira solo, Marcelo Falcão também se manifestou sobre o assunto. Ele, que havia se apresentado via streaming, sozinho, de sua casa, no sábado, fez um desabafo no Twitter, no dia seguinte: “Essa parada de live é uma coisa pra ser de coração, como se fosse uma roda de amigos numa vibe boa. Virou competição. Levar um som pra alegrar esse momento difícil é a parada. Música não é a competição de quem ostenta mais. Música é sentimento, deixa fluir”.

Planeta Brasil/Divulgação
Marcelo Falcão, que se apresentou sozinho em casa, criticou caráter competitivo que as lives ganharam durante a quarentena (foto: Planeta Brasil/Divulgação)


Mais tarde, Falcão voltou a se apresentar ao vivo, mas, diante de muitos comentários de internautas que associavam sua postagem ao show de Jorge e Mateus, ele esclareceu: “Falei de isolamento social e simplicidade. Uns entenderam a ideia e outros nunca vão entender, porque só pensam e querem guerra sempre. Tranquilo e vida que segue”.

No fim de semana, a assessoria de Jorge e Mateus defendeu a produção do evento, dizendo que os cuidados foram tomados. Segundo comunicado enviado à imprensa, um total de 18 profissionais participou do evento, divididos em turnos.

Montagem do cenário na sexta; do som, pela manhã, e filmagem à noite, na hora do show; com todos usando máscaras e luvas e tendo álcool em gel à disposição. A apresentação ocorreu na casa do empresário da dupla.

Maratona 

Uma semana antes, outro astro atual do sertanejo, o cantor Gusttavo Lima, já havia feito uma live de cinco horas de duração, para uma audiência que chegou aos 700 mil espectadores, também com equipe de produção presente.

Nos próximos dias, estão programadas outras lives envolvendo alguns dos artistas mais populares da música brasileira. Nesta quarta (8), será a vez de Marília Mendonça se apresentar, no YouTube, às 20h. Wesley Safadão tem encontro on-line marcado com o público no sábado, 18, nesse mesmo horário. Dia 26, Luan Santana promete um show só com suas músicas antigas, também  via redes sociais.
No último domingo, o grupo de pagode Raça Negra usou seu Twitter para brincar com os fãs: “Será que vocês segurariam a barra de uma live do Raça Negra tocando só clássicos?”. Em contato com a reportagem ontem, a produção disse que o formato mais adequado ainda estava sendo definido, bem como a data do show.

Fora do Brasil, lives que prometem audiências enormes também vão acontecer. É o caso do festival One world: Together at home (Um mundo: Juntos em casa), organizado por Lady Gaga, em parceria com a  ONG Global Ctizen e a OMS, e previsto para o próximo dia 18.

O objetivo do festival é arrecadar fundos para o combate à Covid-19 e homenagear profissionais de saúde de todo o planeta. Entre os nomes confirmados para as apresentações estão Paul McCartney, Elton John, Billie Eilish, Eddie Vedder, Chris Martin, Billie Joe Armstrong, Maluma, entre outros astros.

A transmissão será simultânea entre as maiores redes de TV norte-americanas e também pelas principais plataformas de streaming. A apresentação será dos comediantes Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel. Cada artista deverá se apresentar de sua casa, mas o formato exato ainda não foi divulgado.

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