Criolo traz a BH sua nova turnê, Boca de lobo, inspirada nas mazelas do país

Rapper flerta com a eletrônica e promete versões rearranjadas para seu repertório

por Carolina Cassese* 14/12/2018 08:00

Gil Inoue/Divulgação
(foto: Gil Inoue/Divulgação)

 

"Minha relação com o Milton vai além da música e do trabalho. É sem explicação"

. Criolo, rapper
 
Logo no primeiro frame, há referências a dois incêndios: o que atingiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e o que devastou o prédio de uma ocupação no Largo do Paissandu, na capital paulista. Pouco depois, surge um porco no mar de lama, metáfora da tragédia ambiental causada pelo rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG). O prato de biscoitos na escola remete ao escândalo paulista do desvio de merendas. Há também alusão à execução da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Impactante, o clipe da canção Boca de lobo, de Criolo, traduz a potência da nova turnê do rapper, que chega sábado (15) ao Espaço Marô, em BH, depois de estrear em Porto Alegre no último dia 5.

“A intenção foi realmente fazer uma linha do tempo pra mostrar que a gente não esqueceu todas essas atrocidades”, afirma Criolo, orgulhoso da quantidade de referências que o público encontrou no clipe lançado em setembro, com 2,2 milhões de visualizações no YouTube.

Uma das cenas mais marcantes é a de Mariana. Em 2015, Criolo organizou o #SouMinasGerais, show beneficente para as vítimas do desastre ecológico. “É um absurdo tão grande. Engraçado que as pessoas falam da ‘tragédia de Mariana’ e não ‘loucura da Samarco’. Não pode ficar por isso mesmo”, defende.

Comparado ao emblemático This is America, clipe do americano Childish Gambino cheio de referências à história dos EUA, Boca de lobo, dirigido por Denis Cisma e Pedro Inoue, retrata momentos do Brasil contemporâneo – protesto de “paneleiros”, PEC da Saúde, mosquito da dengue, guardanapos de pano na cabeça de políticos (como aqueles usados pelo ex-governador fluminense Sérgio Cabral e sua turma em Paris). Também fala da violência que toma conta do mundo. Um garotinho ferido lembra as crianças castigadas por bombardeios na Síria.

A turnê Boca de lobo traz uma novidade: o flerte de Criolo com a música eletrônica. O rapper estará acompanhado do DJ DanDan, seu antigo e fiel escudeiro, e de três produtores multi-instrumentistas: Bruno Buarque, Dudinha e Daniel Ganjaman. “Todas as canções do repertório foram rearranjadas. Quem assistir a esse show vai se deparar com uma apresentação inédita”, promete o rapper, que não poupa elogios ao público mineiro. De acordo com ele, a cena belo-horizontina do hip-hop está entre as mais potentes do Brasil. “Todas as vezes que vou cantar aí, recebo muito carinho. Meu afeto por Minas é gigantesco.”

AMIGOS


Por falar em Minas, um ícone da cultura do estado conquistou o coração de Criolo. “Minha relação com o Milton (Nascimento) vai além da música e do trabalho. É sem explicação. Os nossos corações se abraçaram e se encontraram. Somos os melhores amigos do mundo”, diz. Em 2014, a dupla percorreu várias cidades do país com a turnê Linha de frente. Em janeiro, eles dividirão o palco do Festival Planeta Brasil, na Esplanada do Mineirão, em BH. Os fãs podem esperar “uma apresentação intensa”, promete o rapper.

Em suas letras, Criolo aborda as mazelas do Brasil – racismo, intolerância e exclusão social. Ex-professor e filho de professora, ele critica o projeto Escola Sem Partido, arquivado pela Câmara dos Deputados na última terça-feira, mas que deve voltar a tramitar.

A paixão pela educação vem do berço. Maria Vilani, mãe do cantor, aprendeu a ler sozinha, migrou para São Paulo e retomou os estudos ao lado dele – era colega de classe do caçula, um adolescente. Depois, ela cursou filosofia, fez pós-graduação em línguas e semiótica. É autora de quatro livros, com poemas e crônicas. Dona Vilani fundou um café filosófico no Bairro do Grajaú, na periferia paulistana, onde Criolo foi criado.

Para o rapper, a tentativa de controlar tanto os professores quanto o conteúdo ensinado nas salas de aula não é novidade. “Isso faz parte do processo de desvalorização do professor e do desmonte da escola pública”, afirma.

Sempre é hora de aprender, defende ele. Em 2016, ao relançar o CD Ainda há tempo, mudou letras de faixas antigas, consideradas machistas e transfóbicas. Também questionou um dos hits do disco Nó na orelha (2011), que o projetou. “Vi o quanto era contundente (o verso) ‘as vadias quer/ mas nunca vão subir’, de Subirusdoistiozin, quando uma jovem que estava em um show me perguntou, muito educadamente: ‘Tem como você mudar isso?’”, revelou ele em entrevista à Trip.

Criolo está disposto a rever posicionamentos. “Tive a oportunidade de aprender com muitas pessoas que chegaram e apontaram meus erros. Não é fácil, requer energia, empenho. Mas vou te falar: pedir desculpa só faz bem. Pra você, pro outro e pro mundo.”

PANCADAS


Politizado, ele comenta a ascensão de forças conservadoras no Brasil e no mundo. Diz que é preciso resistir e celebra “a força da alegria, do amor e da resistência”. E completa: “Só assim pra gente conseguir enfrentar essas pancadas. Hoje, materializou-se um sentimento que vem sendo vomitado desde a colônia… Eles apenas perderam o pudor.”

Na opinião de Criolo, as pessoas apoiam ideias conservadoras porque têm medo. “Nosso povo vive com desespero na alma e os poderosos se aproveitam disso. Não nos foi dada a oportunidade de uma construção de texto, de mundo. Essas ideologias chegam em uma embalagem bonita, disfarçada... E convencem”, lamenta.

* Estagiária sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

BOCA DE LOBO

Show de Criolo. Convidada: Cynthia Luz. Sábado (15), às 22h. Espaço Marô. Rua Gabriela de Melo, 367A, Bairro Olhos D’Água. Evento Game Station. Ingressos a partir de R$ 120 (inteira/2º lote) e R$ 60 (meia/2º lote). Informações e vendas on-line no site Sympla.

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