Zona Lamm promove residência artística de mulheres com ensaio aberto em BH

Pela segunda vez na capital mineira, a residência na galeria e espaço cultural Mama/Cadela e reúne artistas do Peru, Chile, Colômbia, Argentina, Bahia e São Paulo

por Márcia Maria Cruz 29/08/2018 08:00

 


No alpendre da Rua Pouso Alegre, 2.048, aos pés de uma pitangueira, a chilena La Luzma dá o tom para a paulistana Aryani Marciano cantar. “Tanto tempo desfrutamos deste amor/ nossas almas se aproximaram tanto assim/ que eu guardo o teu sabor/ mas tu levas também.” Os versos da clássica Sabor a mi, do Trio Los Panchos, invade toda a casa. Na sala, a portenha Lucia Patané busca o melhor acorde no violão para uma composição. A soteropolitana Alexandra Pessoa e a colombiana Gabriela Sossa promovem o encontro dos tambores de Brasil e Colômbia. Enquanto, na cozinha, a mineira Jucélia Dias prepara costelinha com quiabo, angu e couve. É difícil saber o que encanta mais: o cheiro do prato mineiro, o canto das meninas ou as composições criadas pelas cinco musicistas latino-americanas.

A casa no Bairro Santa Tereza, na Região Leste, recebe a Zona LAMM – Laboratório de Artes Musicais para Mulheres, residência artística com musicistas da América Latina realizada pela segunda vez na capital mineira. Nesta edição, as artistas residentes vieram de dois estados brasileiros e três capitais da América do Sul: Gabriela Sossa, de Bogotá (Colômbia), La Luzma, nascida em Santiago (Chile) e residente em Lima (Peru); Lucy Patané, de Buenos Aires (Argentina), Alexandra Pessoa, de Salvador (Bahia) e Aryani Marciano, de São Paulo capital.

A residência foi montada na galeria e espaço cultural Mama/Cadela. As meninas acordam e dormem, literalmente, cantando. Com violão, tambores e todos os instrumentos à mão, elas se juntam, fazem duplas ou trios para experimentar sons. Dividem a rotina de criação por três semanas – de 20 agosto a 6 de setembro. “Elas trazem as músicas autorais e fazem composições em que uma influencia a composição da outra”, afirma a idealizadora e coordenadora da Zona LAMM, Paula Kimo.

As trocas de referências estéticas ocorrem a todo momento, da hora em que as meninas se levantam até quando vão dormir. O ambiente de compartilhamento dos universos musicais das artistas propicia a experimentação de linguagens. Nesse intercâmbio, as cinco são recepcionadas e interagem com artistas da cena musical de Belo Horizonte, como Nath Rodrigues e Cláudia Manzo. As musicistas têm vivências artísticas com Josi Lopes, Chaya Vasquez, Poliana Tuchia, Isabela Leite e Luísa da Bahia. “A ideia é trazer pessoas de fora que se conectem com as artistas locais”, afirma Paula.

 

 

 

Embora parte delas fale espanhol e outra parte, português, não há ruído de comunicação quando a mediação é feita pela música. “É uma casa bilíngue. Nos entendemos no portunhol”, brinca Paula. A convivência entre pessoas de origens distintas permite momentos em que cada uma possa falar de si, da cultura de onde vêm e da realidade atual de cada país. “As trocas não ficam apenas no campo artístico e estético, vão para o campo do sensível. Elas falam da vida pessoal, do feminino. Tratam do feminismo aqui em Belo Horizonte, o de cada cidade de origem”, observa Paula.


Como a casa onde está a Mama/Cadela foi concebida para receber exposições artísticas, o espaço precisou ser transformado em lugar de morar para receber as artistas residentes. Para lá foram levadas camas, colchões, utensílios de cozinha e gaveteiros. Não menos importante do que esses itens básicos para se montar um lar foram levados para lá diversos instrumentos e aparelhos: de corda, percussão, teclado, mesa de som e microfones. Tudo à mão na sala de visitas. Muitos músicos da cidade emprestaram instrumentos para a residência se concretizar.

A proposta de criação da Zona LAMM nasceu da percepção de Paula de que era preciso ampliar, para as mulheres, o espaço no universo musical, seja no palco ou em funções técnicas nos bastidores – produção de shows, gravação de álbuns e outras. “O processo é bem orgânico e os lugares são intercambiáveis. Hoje, estou na coordenação, mas posso ser artista residente, posso estar na técnica (som, filmagem, fotografia)”, afirma Paula.

A residência está sendo documentada em vídeo. As cinco artistas também vão gravar um EP durante a festa de encerramento Que viva la América, que será realizada n’A Autêntica, em 6 de setembro. Na apresentação, as residentes da Zona LAMM se encontram com as “tamboreras” do coletivo Mulheres de América Latina Reunidas pelo Tambor (Malta), Jenn Del Tambó, Orito Cantora e Maria Pacífico. Ao todo, estarão no palco 10 musicistas latino-americanas. Também há entre elas o desejo de desconstrução da ideia de competição entre as mulheres. “Queremos criar de forma harmônica e menos hierarquizada”, diz Paula.

 

Larissa Kumpel/EM/D.A Press
A chilena La Luzma, a baiana Alexandra Pessoa, a colombiana Gabriela Sossa, a paulista Aryani Marciano e a portenha Lucy Patané dividem a casa e casos no espaço Mama/Cadela (foto: Larissa Kumpel/EM/D.A Press)
 


Com trajetórias distintas, a música convergiu o destino dessas musicistas, que foram selecionadas pelo edital Ibermúsicas para residências artísticas de grupos. A residência permite que compartilhem histórias e costumes de cada lugar. “Comecei a tocar bateria com 5 anos. Aos 9, tive a minha primeira banda”, conta Lucy Patané, de 33 anos. Ao longo da carreira, transitou por diversos gêneros, interessando-se pela música das décadas de 1930, 1940 e 1950. Também produz trilha para filmes. “A Zona LAMM é o encontro com outras culturas, outros estilos. Estou muito surpreendida com o que gera em mim”, diz.

Gabriela Sossa, de 27, exibe com orgulho pulseiras e colares feitos por mulheres indígenas da Colômbia. “Comecei com a música na barriga de minha mamãe. Sou de uma família que investiga a música para ensinar a música tradicional às crianças. Sou percussionista e procuro cantar o que passa na minha vida”, diz a jovem, que traz, em sua cultura, uma profunda ligação com a terra e tudo que ela oferece.

La Luzma, de 38, propõe em seu trabalho o diálogo de diferentes sonoridades, do bolero à bossa nova. “Estava ansiosa sobre como seria a troca com quatro mulheres que não conhecia. O nível musical é incrível. Estou aprendendo muito. Abrimos espaço para escutar a outra. Está tudo muito fluido e conectado. Estou muito contente”, relata.

Aos 22 anos, Aryani Marciano é a caçula do grupo e vem da periferia de São Paulo. Na bagagem, traz as lembranças de encontros musicais da família. “Meu rolê é o rap e o samba”, diz a jovem flautista. Há algum tempo, fez a opção de trabalhar artisticamente com outras mulheres. “Está sendo uma experiência intensa. Temos até pesadelo juntas. Cuidamos umas das outras”, afirma. Alexandra Pessoa, de 37, vem da periferia de Salvador. “Cresci ouvindo Araketu e os blocos afros”, diz a musicista, que se dedica à percussão. No ano passado, ela lançou o álbum autoral Visita.

>> LABORATÓRIO DE SONS

Confira as atividades previstas:

>> Ensaio aberto

Sexta (31), das 19h às 22h. Mama/Cadela (Rua Pouso Alegre, 2.048, Santa Tereza, (31) 2552-2048). Entrada franca.

Oficina Ritmos brasileiros e afro baianos

Com Alexandra Pessoa. Sábado (1º/9), das 14h às 18h. Mama/Cadela (Rua Pouso Alegre, 2.048, Santa Tereza, (31) 2552-2048). Inscrições pelo link:https://bit.ly/2nII1Au. Contribuição sugerida: R$ 15.

>> Oficina Entre o visual e o musical: uma experiência artística encruzilhada

Com Aryani Marciano. Sábado (1º/9), das 14h às 18h. Mama/Cadela  (Rua Pouso Alegre, 2.048, Santa Tereza, (31) 2552-2048). Inscrições pelo link:https://bit.ly/2nII1Au. Contribuição sugerida: R$ 15.

>> Oficina La voz própria

Com La Luzna. Segunda (3/9), terça (4/9) e quarta (5/9), das 19h às 21h. Mama/Cadela  (Rua Pouso Alegre, 2.048, Santa Tereza, (31) 2552-2048). Inscrições pelo link:https://bit.ly/2nII1Au. Contribuição
sugerida: R$ 15.

>> Festa de encerramento Que viva la América!

Zona LAMM + Malta. Quinta (6), às 22h.
n’A Autêntica (Rua Alagoas, 1.172, Savassi,
(31) 3654-9251). Ingressos antecipados:
R$ 15. Na porta: R$ 20. www.sympla.com.br.

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