Pedro Osmar fala sobre arte comunitária e da parceria com Chico César e Zé Ramalho

Paraibano é retratado no documentário Pedro Osmar - Pra liberdade que se conquista, em cartaz em BH

por Ricardo Daehn 24/03/2017 10:00
Eduardo Consonni/Divulgação
Pedro Osmar é tema do documentário de Eduardo Consinni e Rodrigo T. Marques. (foto: Eduardo Consonni/Divulgação)

Um exemplo, resgatado do passado, dá a medida da arte popular do cantor e compositor paraibano Pedro Osmar. O primeiro LP, Jaguaribe carne – Instrumental, teve 1.000 capas, por meio comunitário: ''Fizemos oficinas em vários bairros, em várias escolas: As pessoas participaram da confecção artesanal da capa. Isso foi um momento importante'', diz Osmar. Sem muito traquejo na ''mecânica de finalizar'' cada projeto, o multiartista vive momento singular. Está retratado nas telas  no documentário Pedro Osmar — Pra liberdade que se conquista, em cartaz em BH (às 18h, no Cine Belas Artes 3), ao mesmo tempo em que emprega disposição à feitura de CD duplo, sob o título Que vem lá, previsto para junho.

Nas gravações, 32 faixas dele, antes cantadas por Elba Ramalho, Xangai, Zé Ramalho e Amelinha, entre outros. ''A gente tem que ter 'semancol' e clareza, saber da qualidade daquilo que produziu até hoje. Hoje em dia, acho a produção bem razoável'', afirma Osmar, que, para o álbum, idealiza participações de figuras como Zeca Baleiro e Xangai, ocasional parceiro em discos.

''Desde criança, sempre desenhava e escrevia. Música era assim: juntava os meninos e ficava tocando lá, num canto, as músicas que apareciam na rádio'', diz, sobre a juventude na Paraíba. As atividades desembocaram na paixão pela arte, múltipla. Dois de seus livros — Diálogos de música, com mais de 30 entrevistas com pessoas da estatura de Carlos Aranha e Livardo Alves, ao lado de Musicália, aspectos da evolução da música na Paraíba — seguem inéditos.


Para além da música, Pedro Osmar investe em poesia e dramaturgia registradas em formato de cordel (''mais barato'', diz). O suporte abriga, por exemplo, Quem é palhaço aqui?, texto teatral de sua autoria, a exemplo de Fogo Prestes, encenado no centenário de Luís Carlos Prestes (1898-1990).

A seguir, entrevista com o multiartista.


Em termos financeiros, o que a arte traz a você?
Sou um anarco punk: não vivo preocupado com dinheiro. Só não posso me despreocupar tanto por ter família: sou pai de cinco e tenho seis netos. A arte tem sido um suporte desde 1970. Não trabalho só com música: também desenho, escrevo e dou aulas de percussão criativa. Sou um cara que não tem dinheiro guardado nem posses. Como não sou muito exigente com nada, vou levando. A arte que faço não precisa de muitos equipamentos nem é criada em viagens pela Europa. Minha arte é comunitária e de fundo de quintal. Ela se expressa na cidade e sempre coloquei minha arte a serviço disso. Tenho convivido muito com militantes da cultura, da arte, das filosofias alternativas. Meus filhos me levaram a conhecer os jovens, e percebi outras vertentes e possibilidades. Extrapolei a resposta da universidade, o público seletivo e elitista. Cheguei a um público de visão mais comunitária, mais nordestina, mais de cidade, de bairro, da rua, da praça. Trabalho com a população, com associações de moradores, de escolas e de algumas universidades públicas.

E qual o efeito da exposição que o filme Pedro Osmar – Pra liberdade que se conquista dá ao seu trabalho?
Antes desse filme rolou outro, com produção em São Paulo, chamado Jaguaribe carne: alimento da guerrilha cultural (2004), dirigido por Marcelo Garcia e Fabia Fuzeti. Inclusive, para ele, também foram feitas filmagens em João Pessoa. Naquele retrato de filme faltava a música que me representa. O filme atual tem como base exatamente a música, o que é uma vantagem, para tratar de assuntos que me interessam com clareza. Quando participo dos debates sobre o filme, é a música que me deixa com um sorriso no rosto. Gosto de falar da minha trajetória, desde o papel de compositor de músicas populares até a minha transformação num pesquisador de música contemporânea e de livre improvisação.

No longa documental há uma cena de arquivo em que você reclama da falta de adesão das pessoas a movimentos artísticos... Isso ainda é recorrente?
O movimento Fala, Jaguaribe tratava de mesclar discussões de dança, artes plásticas, música e teatro. É interessante isso de estar longe do acesso das pessoas: com o tempo, acho que muitas coisas serão reveladas em relação à nossa luta. O filme atual até tem servido para que eu deixe claro resultados das minhas pesquisas. Não podemos adotar isso de, tão somente, se voltar para o mercado, querendo tirar dele uma condição de ficar rico. Não tenho interesse de tirar dinheiro de nada nem de alguém. Zé Ramalho é um cara que, 40 anos depois, mora bem, no Leblon. Chico César mora numa casa muito boa no Sumaré. São pessoas que se voltam para isso de ganhar dinheiro, mesmo.

Chico César, para você, é um amigo de longa data. Chega a ser uma espécie de ídolo?

Um dos nossos agregados, no grupo Jaguaribe Carne, foi Chico César, que hoje tem a vida dele estabilizada. No início dos anos 80, ele tinha visto um ensaio nosso e ficou. Trabalhamos durante uns cinco, seis anos. Ele, assim como a gente, é multimídia. Tenho admiração, mas ele não é meu ídolo. Tenho ídolos principalmente nos bairros daqui, aqueles que são voltados para a educação. Curto professoras, professores e alunos que asseguram militância. A música que faço é exatamente isso: não está preocupada com o brilho, com o sucesso. Para me embrenhar nessas coisas tipo ir para os Estados Unidos e coisas assim, teria que ser num plano muito vantajoso para as duas partes.

Você teve parceiros com muita projeção nacional. Seguem amigos?
O Zé Ramalho, por exemplo, é uma pessoa difícil — nos primeiros três anos da carreira dele eu estava junto, tocando minha viola na música dele, que não é nada armorial. Com Chico César me encontro, somos amigos, a gente conversa. No disco Que vem lá, que está por sair, nós temos duas parcerias. É interessante a convivência com ele. Mesmo Chico estando noutro patamar. Ele é um cara que não deixa de gostar das músicas para dançar: ele é um sujeito muito alegre no palco. Eu não consigo isso no palco por ser muito de ficar parado (risos). Aliás, tenho reparado muito um fenômeno na música flamenca: em toda apresentação a que vou, reparo nas mulheres que fazem todas as apresentações, sentadas — logicamente, mexendo os braços e tal (risos). Para mim, no palco, também é complicado: não dou um passo de dança no palco (risos).

Você não teve formação acadêmica. Aliás, há uma parte no filme em que solta um “quando a gente não sabe, a gente intui”. Isso é importante?
Eu, por exemplo, nunca entrei numa universidade. Não me interessei. Na hora em que tinha que prestar vestibular, eu já estava na estrada. Saí com Vital Farias (nascido em Taperoá, Paraíba), com 16 anos, e fui para o Rio de Janeiro. Entramos num grupo de teatro, o Chegança, que era dirigido pelo Luiz Mendonça, um grande mestre. Ele é da cultura popular de Pernambuco, com muita militância comunista no PCB. Ele montava só repertório de teatro nordestino. Passamos três anos nas montagens dele. Viemos para o palco com a experiência de rua. Eu me acostumei com isso e gosto dos resultados. Aprendi a fazer as coisas de modo informal.

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