Júlio Machado, o capataz Clemente de 'Velho Chico', ainda não se habituou aos autógrafos

Galã por acaso, ator também estará no longa do diretor Marcelo Gomes como Tiradentes. Para ele, experiência na TV tem sido marcante, mas 'teatro é a casa do ator''

por Carolina Braga 19/04/2016 08:59
Beto Novaes/EM
O ator Julio Machado, intérprete do capataz Clemente da novela 'Velho Chico' (foto: Beto Novaes/EM)
No meio da entrevista, uma garota se aproxima e pede uma foto. 'Claro, mas você sabe quem sou eu?', pergunta o ator Júlio Machado, intérprete do capataz Clemente da novela Velho Chico (Globo). 'Fico escondido atrás daquele figurino, e as pessoas não me conhecem', diz. A experiência de ser reconhecido na rua é nova para o artista, de 36 anos, com carreira no teatro paulista.

Para conseguir seu segundo papel numa novela, Júlio passou na criteriosa peneira do diretor Luiz Fernando Carvalho, conhecido por escalar atores à primeira vista improváveis para a linguagem da televisão. Machado estreou na telinha na pele do namorado da vilã Cora (Drica Moraes) em Império (2015).

O ar sombrio e pesado do personagem não tem nada a ver com o ator – de espírito leve, afetuoso e ótimo de papo. Mas o contraste se prefigura nos astros. Aquariano com ascendente em câncer, Júlio vive dilema permanente. Enquanto os aquarianos se contentam em sair pelo mundo com uma mochila nas costas, os cancerianos dependem de um eixo. 'De duas uma: ou isso me mantém muito equilibrado ou faz de mim um ser esquizofrênico', brinca, antes de cair na risada.

Em clima de descontração, o ator assegura que vive uma fase equilibrada. Fatos confirmam. Além da participação em Velho Chico, ele esteve recentemente em BH no elenco da peça Incêndios, com direção de Aderbal Freire-Filho, protagonizada por Marieta Severo. E tem filme no forno.

Júlio Machado será Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, no próximo longa do diretor pernambucano Marcelo Gomes. Por causa do personagem histórico, passou dois meses pelas montanhas da região de Diamantina, no segundo semestre do ano passado. 'Antes de ser uma atmosfera para o personagem e para o filme, foi um choque de contato para a vida do Júlio também. Foi um respiro maravilhoso', conta.

Chamado provisoriamente de Joaquim, o longa previsto para 2017 não pretende recontar a história do mártir da Inconfidência Mineira. O interesse é descobrir o homem encoberto pelo mito. O que aconteceu na vida daquele jovem dentista que o motivou a lutar pelos seus ideais. 'Desconstruir o mito me inspirou a ir atrás do homem. Eu me fiz as perguntas que faria a ele: o que te move?'

Para descobrir seu Joaquim, Júlio Machado foi pesquisar as origens da família do inconfidente em Portugal. Visitou Ouro Preto e Tiradentes antes de Diamantina. Chegou à cidade de Juscelino Kubitschek um mês antes do início das filmagens. Conviveu com colegas mineiros, buscando sempre desvendar o que haveria de particular na alma de um mineiro. 'Foi um encontro com o Júlio que andava a cavalo quando criança, que nadava na cachoeira, que nasceu no interior e, de repente, foi querer ser ator e se mudou para a cidade grande para sobreviver.'

INTERIORANO Natural de Jundiaí, a 60 quilômetros de São Paulo, Júlio Machado começou a fazer teatro amador aos 12 anos, por influência do irmão, hoje produtor cultural. Durante a adolescência, não conseguia ver o ofício no palco como uma profissão. Isso só foi ocorrer aos 21 anos,

'A vocação artística exerce uma força tão grande que o dilema, embora presente, fica menor. Você precisa fazer aquilo e ponto final. Sente-se inadequado ao se imaginar fazendo outra coisa, então encontra meios', afirma. Júlio Machado fez parte dos grupos Teatro de Narradores, Razões Inversas e Cia dos Outros. Participou de produções independentes como Oréstia, com direção de Malu Galli e Bel Garcia, e A ilusão cômica, de Márcio Aurélio, entre outras.

Para o ator, estar na televisão nunca foi um sonho ou obsessão, mas se tornou uma consequência. 'Muitos jovens confundem o que é ser artista e ser famoso. Acho que o teatro é a casa do ator. Quando fui fazer televisão, encarei sem preconceito', conta. A linguagem do audiovisual demanda um jeito de fazer diferente. É também um exercício de desapego. 'No teatro você tem controle de espaço e tempo. No audiovisual é o diretor quem faz isso. É um trabalho de oferecimento do ator', define.

A experiência sob a batuta de Luiz Fernando Carvalho é marcante. Sendo ele um diretor ousado para os padrões televisivos, acaba possibilitando aos atores se distanciar do padrão da interpretação da TV. Para Júlio Machado, o ritmo industrial da televisão muitas vezes não oferece oportunidade para que os artistas se aprofundem nas composições psicológicas.

Como solução a esse modus operandi, muitos atores encontram meios de contar aquelas histórias de um jeito rápido, mesmo que não necessariamente superficial. 'O ator de teatro sempre estará fadado a essa maldição; ao mergulho profundo naquela vida. O Luiz Fernando tem a característica de dar ênfase ao artesanal. Ele consegue se dar liberdade para experimentar', elogia.

De uma forma ou de outra, essa liberdade de experimentação também pauta as escolhas do próprio Machado. Embora Joaquim seja seu primeiro protagonista, será o terceiro filme de sua carreira. Estreou na telona sob a direção de Tata Amaral em 'Antônia – o filme' (2006) e também fez participações em 'Trabalhar cansa' (2011), de Juliana Rojas e Marco Dutra, e 'Hoje eu quero voltar sozinho' (2014), de Daniel Ribeiro.

Agora, o ator se prepara para protagonizar o primeiro longa da carreira da curta-metragista Gabriela Amaral Almeida. A sombra do pai participou em 2014 do laboratório de roteiro e direção do Sundance Institute. É a história de um operário da construção civil, embrutecido pelo excesso de trabalho e com dificuldade para encontrar um canal de comunicação com a filha.

Machado considera fundamental para seu trabalho artístico abrir-se para escutar o outro. É também algo de grande dimensão política. 'As pessoas estão cada vez mais com mais pressa, com menos paciência para o humano. Existe um sentido de urgência pragmática dominando e deturpando a capacidade de contemplação', observa. No que depender dele, as escolhas artísticas levarão sempre em conta aquilo que diferencia o homem da máquina.

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