Sócios da Hofbräuhaus contam o que deu errado na implantação da cervejaria

Reaberta pela terceira vez desde novembro, casa ainda funciona de maneira restrita. Estimativa errada de consumo da bebida foi um dos problemas

por Eduardo Tristão Girão 05/04/2016 09:01
Alexandre Guzanshe/EM
Fachada da cervejaria Hofbräuhaus, em BH. Atualmente, casa funciona apenas de sexta a domingo (foto: Alexandre Guzanshe/EM)
“Teve gente falando que fechamos porque acharam um dedo na salsicha. A gente ouve várias coisas. Fechamos porque ficamos sem cerveja. Simples assim”, afirma Bruno Vinhas, de 28 anos. Ele é um dos sócios à frente da filial da cervejaria alemã Hofbräuhaus em Belo Horizonte (a primeira aberta na América Latina), cuja aguardada inauguração, em novembro passado, transformou-se num legítimo pesadelo. Vendeu-se muito mais cerveja do que o esperado e a casa foi fechada apenas dois dias depois da abertura, funcionando por mais 19 dias com capacidade reduzida. Reaberta recentemente, passa por reforma para aumentar a produção da bebida.

Nas redes sociais, ele e seus sócios – Henrique Rocha, de 29, e Francisco Vidigal, de 28, foram massacrados. “Eu chegava triste para trabalhar. Cheguei a parar de olhar o Facebook”, confessa Vinhas. Somado a isso, há o fato de serem jovens sem qualquer experiência na área, tendo levantado o empreendimento de R$ 9 milhões graças ao “paitrocínio” de um deles. Aliás, a reforma necessária para reabrir a cervejaria custou mais R$ 1 milhão ao projeto. “São motivos a mais para as pessoas falarem de imaturidade, amadorismo e tal”, diz Vinhas.

Ele mesmo assume: “Subdimensionamos. Por mais que tenhamos nos baseado em dados, o erro foi nosso. Uma empresa fez análise do mercado atual e com ela alimentamos a matriz, lá em Munique, na Alemanha. Com uma penca de dados na mão, mandaram de lá a estimativa de consumo de cerveja por pessoa, que era de 700ml. Eles não conhecem esse mercado, não iam acertar. Foi melhor recuar e arrumar o que estava errado”. Detalhe: a casa serve a bebida, sua especialidade, em canecas de até 1 litro.

Não seria um número baixo esse de 700ml? “Você vem com alguém que não bebe ou que bebe pouco, por exemplo. Então, é uma média razoável. Além disso, aqui é um restaurante e vamos mudar essa visão centrada na cerveja”, responde Vinhas. Vidigal, seu sócio, completa: “Para a matriz, o chamariz é a atmosfera, não a cerveja”. A média de consumo da bebida, que chegou a ultrapassar 2 litros por pessoa na inauguração (quando a fila de espera chegou a três horas), está em 1,6 l e deverá estacionar em 1,4l.

“Todo dia tinha gente vomitando no banheiro. O clima que temos é de Oktoberfest. A gente gosta dessa animação, todo mundo sai daqui com sorriso no rosto. Só não precisa vomitar”, observa Vinhas. A produção, que fica no mesmo imóvel e é feita diante da freguesia, foi redimensionada para atender à média de consumo de 1,8l por pessoa. Para isso, encomendaram mais tanques de fermentação (que levaram cerca de 45 dias para ficar prontos), ampliando o volume total deles de 12 mil para 26 mil litros.

Processos na fabricação da cerveja também foram aperfeiçoados, encurtando a produção da bebida de 40 para 25 dias – sem descaracterizar o produto final, garantem eles, que precisa ser o mais fiel possível ao que é servido em Munique. O resfriamento dos tanques de fermentação, por exemplo, tornou-se mais eficiente. No momento, trabalha-se na conclusão da laje sobre os tanques novos e do isolamento térmico de tubulações. A casa produz três estilos de cerveja: helles (lager semelhante à pilsen), de trigo e dunkel (lager escura).

TRINCANDO
E não bastou: ainda foi preciso alterar a temperatura de serviço da cerveja. “Tivemos muita reclamação e precisamos adaptar. O padrão era o alemão, entre 7 e 8 graus. Reformulamos todo o sistema de refrigeração e estamos servindo a 1 grau. Tentamos fazer um meio-termo, pois o brasileiro gosta de cerveja quase congelada, a 2 ou 3 graus negativos. Fazemos cerveja como a de Munique e não a serviríamos tão fria a ponto de não ser possível sentir seu sabor. É uma cerveja agradável de beber, mas não vem trincando”, diz Vinhas.

Ele assegura que o incidente não gerou mal-estar entre franqueados e matriz e que, a partir disso, descobriu que não estava só: “Fizemos estudo de mercado, mas o planejamento veio baseado na experiência deles com outras franquias. Depois é que descobrimos que não foi a primeira vez que tiveram de fechar uma franquia. Foi a segunda ou terceira vez”.

Os novos tanques começarão a ser usados nas próximas semanas e a previsão é de que a cervejaria volte a funcionar com horário normal (de terça a domingo) no fim do mês que vem – por enquanto, abre apenas de sexta a domingo. O cardápio permanece inalterado, com clássicos germânicos (joelho de porco, salsichão etc.) e o mesmo pretzel que se come em Munique (ele é trazido de lá congelado). “Errar uma vez o pessoal perdoa. Duas não dá”, resume Vinhas. Sorte ou não, a casa tem ficado constantemente cheia.

Bruno Vinhas conta que ele teve a ideia de trazer a cervejaria para a capital mineira sete anos atrás, quando viajava pela Alemanha. “Comecei a ligar para o restaurante mesmo, pois não tinha os nomes dos diretores”, conta ele. No ano seguinte, voltou ao país europeu para uma viagem de “mochilão”. “De repente, recebi e-mail para marcar reunião. Não tinha roupa nenhuma. Comprei uma blusa social, uma pasta de couro, enchi de papel em branco e fui para a reunião. Um amigo meu também foi para me dar apoio moral”, lembra.

Ele diz que, naquela época, usava cabelo grande e seu visual não causou boa impressão nos alemães. Mesmo assim, as negociações prosseguiram e, seis anos depois, o contrato foi assinado. Os jovens mineiros tornaram-se, então, proprietários da master franquia da Hofbräuhaus no Brasil, o que significa que tudo o que envolva a marca por aqui deverá passar por eles. Não por acaso, o trio planeja abrir mais 10 unidades da cervejaria até 2035.

Originalmente, conta Vinhas, a intenção era abrir a casa antes da Copa do Mundo. “Tive problemas com o alvará na prefeitura. Pedi alvará de reforma e só me deram depois de insistir bastante. Já havia passado a Copa e fiquei um ano parado, pagando aluguel”, lembra. As obras duraram um ano e, antes que terminassem, BH havia ganho a incômoda fama pela derrota do Brasil para a Seleção Alemã por 7 a 1, no Mineirão.

Didatismo de mestre
Nos bastidores, muito se falou sobre a escolha do mestre cervejeiro da Hofbräuhaus, Carlos Henrique Vasconcelos. Ele é formado em biologia, dá aulas sobre cerveja e atua profissionalmente no ramo há apenas dois anos, tendo prestado consultorias para as cervejarias VM Beer e Krug Bier. Inicialmente, ele não havia sido sondado para o cargo e seu currículo só seguiu para análise na Alemanha porque, coincidentemente, esteve no local para tentar parceria como professor. “Eram salários e experiências diferentes. No caso dele, gostamos muito da sua alma didática e de ser proativo”, diz Bruno Vinhas, um dos sócios da casa.

Todo o planejamento de produção da cervejaria já estava definido quando Vasconcelos chegou, tendo participado apenas de sua implantação. “O equipamento que temos aqui é extremamente singular, importado da Alemanha. A fábrica dele, Kaspar Schulz, tem mais de 300 anos. É muito bom, muito experimentado, mas extremamente raro no Brasil. Somos a quinta cervejaria no Brasil a operar com equipamento desse. Ele dá aferição, controle e padronização absurdos no processo”, afirma Vasconcelos. Paralelamente, Paulo Schiaveto, também mestre cervejeiro, foi chamado nesta segunda fase para redimensionar e otimizar a produção.

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