Rodado na China, 'A despedida' tem tudo a ver com o Brasil

Filme da diretora Lulu Wang aborda o drama de uma família de imigrantes às voltas com a culpa de deixar a mãe doente na China. Disponível no Telecine Play, longa conquistou a crítica internacional

Ângela Faria 08/10/2020 04:00
A 24/divulgação
Filmado na China, A despedida, falado em mandarim, conquistou a crítica. Comédia dramática está em cartaz no Telecine Play (foto: A 24/divulgação)
Logo depois de conquistar as quatro estatuetas mais importantes do Oscar 2020 com Parasita, o cineasta Bong Joon-ho convidou o Ocidente a “quebrar a barreira das legendas” e conhecer “filmes incríveis” não falados em inglês.

Seu aclamado longa, com todos os diálogos em coreano, arrebatou o mundo. E Bong Joon-ho, por onde passou para divulgar este trabalho, defendeu incansavelmente A despedida, dirigido por Lulu Wang. Para muita gente, essa chinesa radicada nos EUA foi injustiçada ao ficar de fora da seleção da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

Produção sino-americana, A despedida tem quase todos os diálogos em mandarim. Disponível na plataforma Telecine Play, a comédia dramática, com elenco formado por asiáticos e atores descendentes de chineses e coreanos, é um tesouro em meio à profusão de títulos oferecidos nestes tempos de confinamento social.

 O filme conquistou a crítica desde seu lançamento em Sundance, o aclamado festival americano, em 2019. Em janeiro deste ano, a rapper Awkwafina levou o Globo de Ouro na categoria Melhor atriz de comédia por seu desempenho como a protagonista Billi. Troféu merecido. Versátil, ela surge em outro registro, nem lembra a espevitada nova-rica Peik da comédia Podres de ricos, outra trama asiática, lançada há dois anos.

Câncer 


Lulu Wang conta uma história de família. A matriarca Nai Nai (a excelente Shuzhen Zhao, de 77 anos, atriz respeitada na China) tem câncer em estágio terminal, mas os parentes lhe escondem o diagnóstico. Tratam de casar às pressas o único neto dela, que mora no Japão, numa festança em Changchun, a cidade onde vive Nai Nai. Há anos, os filhos a deixaram ali, trocando a China pelos EUA e pelo Japão.

O casório – orgulho da vovó – será a “cerimônia do adeus”, mas a velha senhora ignora isso, feliz com filhos e netos estão de volta a Changchun.

A China de Nai Nai fica longe de nós, mas não tão distante assim. Quantos mineiros, a duras penas, trocaram Governador Valadares pelos EUA? Quantos brasileiros deixam aqui idosos solitários, como Nai Nai, para lutar pelo sonho de prosperidade no estrangeiro?

Culpa, saudades, imigração e choque cultural – temas desse filme – são dramas humanos em qualquer parte do mundo.

Jovem chinesa radicada em Nova York, a neta Billi entra meio à força na festa de Nai Nai. A moça não se conforma com a lorota contada à matriarca, acha que a avó tem o direito de conhecer o diagnóstico da doença e decidir sobre seus últimos dias. Desembarca na China a contragosto dos pais, atormentada pelo impasse moral em torno da mentira. 

Porém, a sabedoria do Oriente desafia a moça ocidental. Afinal, poupar o sofrimento não valeria mais do que a verdade?
Sem clichês, autoajuda e velhos truques do melodrama, A despedida faz rir e sabe fazer chorar. É um filme sobre dor e morte, mas também – e sobretudo – sobre o encanto da vida.

Sempre tensa e às voltas com o luto iminente, Billi redescobre seu DNA. Nem tão americana assim, começa a entender as coisas quando se depara com o, digamos, feminismo da vovó. De quebra, aprende com ela um tai chi chuan de berros poderosos, capazes de assustar aves até mesmo na barulhenta Nova York.

Enquanto Billi, os pais e os tios se esforçam para lidar com o câncer de Nai Nai, o público se diverte a valer com aquela família – comilanças à mesa, ciumeira de cunhadas, cochichos na cozinha, esposas bravas com a bebedeira dos maridos e crianças coladas no celular, nem aí para os mais velhos. Gente como a gente.

A festa de casamento do jovem chinês com a moça japonesa tem discurso, choro, imensos caranguejos nas travessas (Nai Nai queria lagosta) e, claro, música brega. Comandada pela matriarca (que, aliás, tem outro marido), a visita ao túmulo do patriarca é de matar de rir.

DESAFIO 


Natural de Beijing e radicada nos Estados Unidos, a diretora Lulu Wang contou ao site Movie Maker que o roteiro, escrito por ela, se pautou na “honestidade emocional”. Foi um desafio ser, ao mesmo tempo, leal à trama e respeitosa com a própria família, pois se trata da história de sua própria avó.

Em outra entrevista, Lulu revelou que sua mãe não gostou nada da ideia de ver os assuntos de família no cinema. Detalhe: a cineasta pôs a verdadeira tia-avó na tela, como a irmã da personagem Nai Nai.

“Billi não sou eu”, avisou a diretora, no site Movie Maker. “Ela é uma personagem que segue uma jornada semelhante à minha.” OK, mas será mesmo? Aqui vai um conselho que nada tem a ver com spoiler: quando o filme acabar, espere os letreiros finais. Há algo surpreendente por lá. Coisas de família...


A DESPEDIDA


. Filme de Lulu Wang.
. Com Awkwafina, Zhao Shuzhen, Diana Lin e Tzi Ma.
. Disponível no Telecine Play. Informações: www.telecineplay.com.br

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