'O chão sob meus pés' aborda o drama da mulher contemporânea

No filme dirigido por Marie Kreutzer, executiva bem-sucedida se divide entre as imposições da carreira promissora no mundo empresarial e o fracasso das relações afetivas

Pedro Galvão 08/10/2020 04:00
Juhani Zebra/divulgação
A executiva Lola (Valerie Pachner) esconde do mundo a irmã, Cony (Pia Hierzegger), que tentou o suicídio (foto: Juhani Zebra/divulgação)
A princípio, seria difícil acreditar como uma mulher independente e bem-sucedida no mercado financeiro de um país desenvolvido pode ter uma vida tão miserável, emocionalmente falando. Mas é justamente isso que procura mostrar O chão sob os meus pés, dirigido por Marie Kreutzer e indicado ao Urso de Ouro no 69º Festival de Berlim, em 2019. O filme austríaco chega ao Brasil nesta quinta-feira (8), por meio dos serviços sob demanda Now e Vivo Play.

Selecionado para os festivais do Rio e MixBrasil, além de premiado como Melhor filme internacional no L.A. Outfest, o longa é centrado na personagem Lola Wegenstein, que rendeu prêmios à atriz Valerie Pachner no Festival de Guadalajara e no German Screen Actors Awards.

CONTRATOS 


Importante consultora financeira, a protagonista vive extenuante rotina em meio a viagens de negócios para a Alemanha, fechamento de contratos milionários e elogios da chefe Elise (Mavie Hörbiger). Porém, o sucesso profissional se contrapõe permanentemente ao drama psicológico vivido por ela.
   
Na verdade, a carreira é antagônica ao bem-estar de Lola. Se ela se orgulha de seus resultados no trabalho, a vida familiar é mantida em segredo devido à incômoda situação da irmã mais velha, Cony (Pia Hierzegger), que se recupera, em uma clínica, de uma tentativa de suicídio.

Órfãs, elas só podem contar uma com a outra. O sofrimento da irmã é um peso para Lola, atarefada demais com suas metas e reuniões.

A vida afetiva da executiva também é segredo, pois ela vive um relacionamento com a chefe. Os momentos íntimos e amorosos da dupla se opõem à frieza do ambiente corporativo. O bom entendimento de Lola e Elise, por vezes, é atropelado por demandas empresariais – a maioria dominada por homens, cercada de preconceito e injustiças contra as mulheres.

Dedicando 17 horas por dia a um projeto especial, incluindo noites sem dormir, Lola vai perdendo o controle da situação, enquanto a irmã passa a demandar mais cuidados, vítima de maus- tratos e abusos sofridos na clínica. Esse processo extenuante, que faz com que a executiva duvide de sua própria sanidade, revela aspectos graves da configuração do trabalho ao redor do mundo, especialmente para as mulheres.

Ainda que distante do estereótipo mais conservador de mãe e esposa, a emancipação plena de Lola é atravessada por suas responsabilidades familiares e afetivas – muito mais pesadas para ela do que para os homens.

A diretora e roteirista Marie Kreutzer lançou os filmes The fatherless (2011) e We use to be cool (2016). A inspiração para O chão sob meus pés veio de sua própria vida. Em entrevista ao site Cineuropa, contou que a irmã trabalhava como consultora financeira e compartilhou com ela parte de sua estressante rotina.

“Essa é uma das origens do filme. Gosto do fato de que, no final, é, principalmente, sobre como a maioria de nós vive e trabalha hoje – tudo precisa ser perfeito”, comentou a cineasta.


BURNOUT

 
Em 2015, Marie Kreutzer teve burnout (esgotamento físico e mental ligado à vida profissional). O distúrbio a obrigou a interromper as filmagens. A cineasta revelou que o episódio serviu de aprendizado, ensinando-a a compreender melhor seus próprios limites.

“No mundo de Lola, não é possível demonstrar sentimentos. O que ela experimenta, especialmente depois do que acontece à irmã, é mais um colapso do que uma mudança re- al. Ela se levanta imediatamente e você sabe que não vai mudar nada. Para mim, essa é a verdadeira tragédia”, lamentou Marie Kreutzer.

O CHÃO SOB MEUS PÉS


. Filme de Marie Kreutzer
. Em cartaz no Now e no Vivo Play

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