Diretor de 'Tropa de elite' questiona a atuação do STF

No filme, lançado em 2010, José Padilha apresenta os políticos como os verdadeiros responsáveis pela corrupção e violência do país

por Estadão Conteúdo 22/11/2017 08:45

Fred Prouser/AFP - 10/2/14
O cineasta José Padilha diz que a 'máquina da corrupção' molda a política brasileira. (foto: Fred Prouser/AFP - 10/2/14)

Em Tropa de elite 2, os políticos foram apresentados como os grandes inimigos da população, os verdadeiros responsáveis pela corrupção e violência do país. Os últimos acontecimentos no Rio de Janeiro, como a decisão da Assembleia de soltar o presidente da Casa, Jorge Picciani (PMDB), e outros dois deputados acusados de corrupção, parecem confirmar a visão quase apocalíptica do cineasta José Padilha, que também dirigiu RoboCop e criou a série Narcos. Em entrevista concedida por e-mail, ele avisa que não existe nenhum capitão Nascimento (chefe do Bope interpretado por Wagner Moura em Tropa de elite 1 e 2) para resolver as mazelas cariocas.

 

Com o que tem ocorrido no Rio de Janeiro, a pergunta é: você tem uma bola de cristal?

É claro que o principal problema do país é o “mecanismo”, a máquina de corrupção que dominou e moldou nossa política (e o estado) em todos os níveis da Federação, no Legislativo e no Executivo. Isso deveria ser óbvio para todos muito antes do Tropa de elite 2. No entanto, a grande maioria dos formadores de opinião do país tem posições ideológicas marcantes. O pessoal da esquerda sempre fez malabarismos intelectuais absurdos para justificar a corrupção de seus líderes, evidente desde as prefeituras do PT. E o pessoal da direita... bom, esse pessoal faz isso desde sempre. Logo, os dois grupos demoraram muito para perceber algo essencial: o mecanismo não tem ideologia. Usa a ideologia para defender seus pares, enquanto faz o trabalho sujo. Eu tenho bola de cristal? Certamente que não. Apenas não tenho ideologia.

Assustam você as similaridades do que se viu em Tropa de elite 2 e a política no Rio de Janeiro?
Assusta-me muito mais o comportamento dos juízes do STF, que têm acesso aos processos, sabem de tudo em detalhes, e mesmo assim deram às assembleias legislativas a prerrogativa de decidir sobre a aplicação de penas a deputados e senadores condenados por corrupção. Isso significa que, muito provavelmente, a maioria do STF faz parte do mecanismo. Significa que, muito provavelmente, boa parte dos juízes do STF está diretamente envolvida em corrupção. E se esse for o caso – a minha ‘bola de cristal’ acha muito provável que seja –, o que vai acontecer com o Brasil no curto e no médio prazo, depois que a população entender que a Justiça decidiu que os políticos podem roubar sem ser punidos?

Na sua opinião, qual é a origem do desastre político carioca?
Houve no Rio uma exacerbação do mecanismo. Ocorreu porque um político ainda mais sociopata do que a maioria de nossos políticos (Sérgio Cabral) foi ungido pela mídia local como o salvador da pátria, em função do projeto das UPPs, que claramente não iria funcionar nos moldes em que foi concebido. O que aconteceu no Rio não teria acontecido em tamanho grau se a imprensa local tivesse mantido uma atitude crítica em relação ao poder público durante os governos de Cabral.

 

 

Falta oposição no Rio de Janeiro? Faltam embate e debate real na política do estado?
Grandes consensos e excesso de ideologia denotam falta de inteligência. O Rio de Janeiro sofre dos dois males.

Picciani, Cabral e cia. rendem bons personagens para o cinema ou a ficção não dá conta deles?
Espero que dê conta, porque estou trabalhando nisso!

Só um capitão Nascimento para pôr ordem nessa situação?
O capitão Nascimento não é parte da solução, é parte do problema. 

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