Novo filme do diretor francês Laurent Cantet estreia nos cinemas

'A trama' começou a ganhar vida após o ataque ao Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, e traz um ateliê literário

por Estadão Conteúdo 23/11/2017 08:32

Esfera Cultural/Divulgação
Em 'A trama', uma oficina literária é o ambiente onde ideias antagônicas convivem. (foto: Esfera Cultural/Divulgação)

A trama começou a nascer há quase 20 anos, em 1999. Naquela época, o diretor francês Laurent Cantet começou a pensar num filme sobre um ateliê literário. Na verdade, a inspiração veio de um ateliê literário real, que ocorreu em La Ciotat. Justamente naquele ano, ele dirigia Recursos humanos, sobre o mercado de trabalho. Vieram depois Em direção ao Sul, Entre os muros da escola, que lhe deu a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2008, Foxfire, um de seus trabalhos preferidos, Retorno a Ítaca e agora A trama, que estreia hoje no Brasil.

Nesses 18 anos que separam a ideia inicial do lançamento do longa, a França virou alvo do terrorismo islâmico, a direita tem avançado. Foi após o ataque ao Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, que a ideia do ateliê ocorreu novamente ao diretor, “para dar voz a mundos que não se encontram nem se reconhecem”, disse ele em São Paulo, onde acompanhou a exibição de seu filme no encerramento da Mostra (19/10 a 1º/11).

Na história, um grupo de jovens participa de um ateliê literário com uma famosa escritora, Olívia (Marina Foïs). O grupo é heterogêneo, criam-se tensões internas. A polarização é entre Olivia e Antoine, Mathieu Lucci – que a filha de Cantet, encarregada de reunir o elenco, encontrou na rua. Há entre eles uma mistura de atração e repulsa, quase de amor e ódio.

 

 

Os jovens, de ambos os sexos, vêm de um meio proletário. O avô de uma trabalhava no grande estaleiro de La Ciotat, cujo fechamento projetou a cidade numa crise de desemprego. E Antoine flerta com um guru de extrema-direita, provoca os colegas islâmicos do ateliê. A trama do título refere-se justamente ao livro que o grupo pretende escrever na oficina literária. Uma trama policial.

Cantet gosta de dar voz aos excluídos da sociedade francesa. Entre os muros da escola passava-se numa sala de aula que englobava a França. A trama passa-se nas montanhas que circundam La Ciotat e, da casa, de qualquer ângulo, pode-se ver o estaleiro, que virou atração turística. Entre os dois, Cantet fez Retorno a Ítaca, em que cubanos recebem um amigo que voltou do exílio; acertam velhas contas. Do terraço descortina-se toda a cidade de Havana.

PALAVRA  Cantet sabe que não é Joseph L. Mankiewicz, o mestre hollywoodiano da palavra, mas sente-se “honrado” quando o repórter diz que, em seus filmes, a mise-en-scène também se estrutura sobre o dinamismo dos diálogos. E, no caso dele, o diálogo está sempre ligado a singularidades de tempo e espaço. A sala de aula, o terraço em Havana e a ‘villa’ debruçada sobre o estaleiro de La Ciotat. Caso o cinéfilo não tenha se dado conta, o lugar é mítico.

“O cinema nasceu com a chegada do trem à estação de La Ciotat”, lembra Cantet. “Os (irmãos) Lumière também filmaram a saída da usina deles em Lyon, que é lembrada em A trama”, observa o diretor. Tudo isso pode até parecer perfumaria, mas inscreve o filme num projeto muito sólido de cinema. Cantet não faz dialogarem apenas os extremos. Dialogam modernidade e tradição. Seu método – “O filme foi completamente escrito (com Robin Campillo) e, antes da filmagem, tivemos três semanas de preparação. Duas foram só com o elenco jovem, Marina (Foïs) chegou na terceira. Nunca pretendemos, Robin e eu, escrever na embocadura dos atores, que são locais, mas eu os incentivei a se apropriar dos diálogos. O fato de estarem integrados quando ela chegou contribuiu para um certo antagonismo que a ‘estrangeira’, vinda de outro meio, provoca”.

Robin Campillo tem sido o montador dos filmes de Cantet, mas, desta vez, estava montando o próprio filme, 120 batimentos por minuto, que recebeu o Grande Prêmio do Júri e o prêmio da Crítica em Cannes, em maio – A trama passou fora de concurso. Uma arma é importante. Poderia provocar uma tragédia. Nada que o diálogo não venha resolver. Talvez seja o aspecto utópico do longa. O verbo contra os radicalismos. A arte contra a cultura do ódio. “É o que acende a esperança.” 

 

Abaixo, confira o trailer de  A trama:

 

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