'Trash - A esperança vem do lixo' fala de miséria e redenção, mas não é outro 'favela-movie'

Diretor Stephen Daldry foi até a passeata para entender o país. Filme foi rodado no Rio de Janeiro

por Mariana Peixoto 09/10/2014 07:30

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 Universal/Divulgação
(foto: Universal/Divulgação)
Rio de Janeiro – Se você for ao cinema ver 'Trash – A esperança vem do lixo', que estreia nesta quinta-feira em todo o país, tente esquecer duas coisas. A primeira é o cartaz do longa-metragem, que destaca a presença de Wagner Moura e Selton Mello. A segunda é a cinematografia brasileira recente, que busca retratar as comunidades nos chamados “favela-movies”. Explicando: os dois atores mais importantes de sua geração fazem participações, mas estão longe do protagonismo. O personagem de Wagner, presente em apenas meia dúzia de cenas, tem importância porque detona a ação; e o de Selton é um dos vilões. Já a primeira direção do britânico Stephen Daldry ('Billy Elliot', 'As horas', 'O leitor'), numa produção não falada em inglês, pode ser considerada uma fábula sobre esperança e dias melhores.

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Em poucas linhas, 'Trash', inspirado no romance homônimo do escritor britânico Andy Mulligan (publicado pela Cosac Naify no país), trata da história de Rafael (Rickson Tevez) e Gardo (Eduardo Luís), dois garotos de 14 anos que vivem como catadores de um lixão e moram numa palafita. Certo dia, Rafael encontra uma carteira que pertenceu a José Ângelo (Wagner Moura). Pega o dinheiro, divide-o com o amigo e resolve guardá-la. Quando a polícia vai até o lugar, os dois entendem que existe algo maior naquele caso e convidam Rato (Gabriel Weinstein), um menino que vive no esgoto, para ajudá-los a descobrir o mistério. A aventura os leva a um segredo que vai afetar a vida de boa parte do Rio de Janeiro.

A favela carioca de onde três garotos saem poderia ficar na Índia, em Bangladesh ou no México. E, mesmo que traga elementos que caracterizem filmes como 'Cidade de Deus', 'Tropa de elite', 'Última parada 174' e 'Cidade dos homens' – o cenário, a trilha sonora, a polícia corrupta, a pobreza desmedida –, a questão aqui é outra, bem distante da tal “realidade” que os filmes supracitados buscaram mostrar.

Exibido na sessão de encerramento do Festival do Rio, 'Trash...' estreia nesta quinta apenas no Brasil. A partir de novembro, a produção britânica vai entrar em cartaz na Europa. Em 2015, chega aos EUA. Com elenco quase totalmente nacional – as exceções são Martin Sheen e Rooney Mara, em pequenos papéis – e equipe principal que mistura ingleses e brasileiros, o filme teve o Rio de Janeiro como cenário graças à produtora O2.

“Pensamos na Índia e nas Filipinas, mas para a qualidade que queríamos, o Brasil era o lugar ideal”, admitiu o roteirista Richard Curtis (Quatro casamentos e um funeral e O diário de Bridget Jones). “Outra razão foi Fernando Meirelles (sócio da O2), que nos ajudou tanto”, acrescentou o diretor Daldry. Até decidir fazer esse longa, ele nunca havia pisado no Brasil. Chegou há três anos e viveu pelo menos um no Rio de Janeiro – inclusive, participou das manifestações de junho de 2013 para tentar entender o país.

Daldry não trabalhou sozinho. A codireção foi dada a Christian Duuvoort, ator e preparador de elenco de 'Cidade dos homens', 'Ensaio sobre a cegueira' e 'Xingu'. “O nosso sistema de trabalho permitiu que as crianças dialogassem com o drama, gerando uma discussão. Não é um filme feito no Brasil, mas um filme brasileiro”, acrescenta Duuvoort. Antes de ser lançado, 'Trash...' passou por sessões-teste tanto aqui quanto em Los Angeles, Paris e Londres. A resposta, de acordo com Daldry, foi muito semelhante. “No Brasil, a plateia só riu mais, entendeu o humor (principalmente dos meninos, que abusam das gírias)”, observa. “As pessoas entenderam que o que está ali é a visão da criança. O pessimismo e o cinismo fazem parte da visão dos adultos. As pessoas veem tanta notícia ruim que param de se importar”, acredita.

Os três garotos não atores foram selecionados em testes que envolveram 200 meninos. Os escolhidos, todos moradores de comunidades cariocas, nunca fizeram nada relativo a cinema. O clima de otimismo que culmina no final feliz e beira o fantástico tomou conta da equipe de atores brasileiros. Além de Wagner e Selton, Trash reúne André Ramiro, lançado em 'Tropa de elite', e Leandro Firmino da Hora (o antológico Zé Pequeno de 'Cidade de Deus'). Fazem participações pequenas, mas importantes, os veteranos Stepan Nercessian, José Dumont e Nelson Xavier, que protagoniza, de forma memorável, a cena mais dramática da narrativa.

A fala de Dumont, na apresentação do longa para a imprensa, foi mais do que esclarecedora. “O mundo está dividido em castas. Os meninos não são bandidos, mas se comportam como os dalits indianos. Parece um thriller sobre uma carteira roubada, mas é uma bela fábula que a criançada vai adorar. A gente tem que olhar para a nossa juventude com uma perspectiva de futuro, de melhora. E dinheiro, se estiver na mão só de algumas pessoas, é lixo mesmo. Esse filme me comove. Acho que é um relato principalmente para nós mesmos”, conclui

A repórter viajou a convite da Universal Pictures

Assista ao trailer do filme:


 

 

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