Ser amigo da ex? Apego excessivo ao passado pode indicar transtorno de personalidade

Essa é uma amizade nada simples, embora possível

por Revista do CB 13/06/2016 16:30
Cena de 'O Passado', de Hector Babenco: filme conta história de Rímini (Gael García Bernal), um jovem tradutor que termina um casamento de 12 anos com Sofia (Analía Couceyro), que foi sua 1ª namorada
O relacionamento acabou, mas você não vê problema em continuar amigo do ex? De acordo com uma pesquisa — um tanto polêmica, diga-se de passagem — feita pela Universidade de Oakland (EUA), isso pode significar que há traços de psicopatia em sua personalidade. Os psicólogos Justin Mogilski e Lisa Welling realizaram duas levas de entrevistas com 861 participantes. Primeiro, perguntaram sobre o relacionamento em si: como o ex-casal se via, como resolveram permanecer amigos e se estavam se dando bem. Depois, pediram que os participantes preenchessem questionários que poderiam revelar se a personalidade de cada um apresentava traços de personalidade relacionados à chamada tríade obscura — conjunto de tipos de personalidade que inclui o maquiavelismo, a psicopatia e o narcisismo.

Então quer dizer que todo mundo que continua a manter contato com o(a) ex é psicopata? Não. De acordo com os pesquisadores, o que acontece é que, em alguns casos, a motivação para não deixar o passado para trás é psicológica. Pessoas com traços de personalidade que se encaixam na “trinca do mal” têm como característica a manipulação, a racionalidade exacerbada e o sangue frio. Por isso, tendem a manter contato não por carinho ou consideração, mas para obter vantagens — como sexo, informação e até mesmo dinheiro. Em entrevista ao jornal especializado em psicologia Personality and Individual Differences, os autores do estudo disseram que já há estudos que indicam que pessoas identificadas com os três distúrbios de personalidade tendem a escolher os amigos a partir das vantagens que podem obter.

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
Filipe e Larissa conseguiram fazer a conversão da forma mais positiva possível: um caso raro (foto: Zuleika de Souza/CB/D.A Press)
A ideia do novo estudo, portanto, foi descobrir se a máxima também valeria para casos de ex-namorados que continuam amigos. “Os homens classificaram o acesso a sexo de forma mais alta em importância que as mulheres, o que é consistente com outros estudos que mostram que homens são mais propensos a continuar uma amizade por atração sexual”, explicou Lisa Welling. “Embora um término normalmente marque o fim de um relacionamento amoroso, a pesquisa sugere que a troca de recursos entre ex-parceiros pode se estender para além da dissolução amorosa.”

Apesar desses dados “tensos”, um namoro que termina pode, sim, ser a semente de uma amizade sincera e saudável. Veja o caso de Filipe Cardoso, 24 anos, e Larissa Ferreira, 21. Os dois namoraram de 2011 a 2012 e, hoje, consideram-se bons amigos. E olha que o rompimento não foi sossegado. “Brigamos muito no fim, mas acho que isso é até normal”, frisa o fotógrafo e social media.

Depois do término, Filipe mudou-se para o Canadá. Lá, conta que amadureceu o suficiente para não guardar mágoas. Conversa vai, conversa vem, o ex-casal se reconheceu como amigo. “Temos um relacionamento bem legal hoje. A gente se ajuda no trabalho, saímos muitas vezes.” Entre os outros amigos, Filipe garante que não há estranhamento, mas admite que já ouviu comentários “chatos” sobre a situação. “Muitos acham que a gente está ‘se pegando’ ou que vai voltar, mas não”, explica.

Para Larissa, tudo é uma questão de conversa. Quando Filipe deixou o país, ela refletiu que não havia motivos para o clima ruim. “Fui falar com ele porque não achava necessário ter essa raiva de alguém que foi importante para mim”, explica. Alguns amigos ainda estranham a proximidade, mas logo se acostumam. Hoje, Larissa está solteira, mas conta que já teve problemas com o ciúme de outros ex com relação a Filipe. “No começo, eles não entendem, ficam receosos em aceitar. Mas, com o tempo, vão vendo que não faz sentido eu abrir mão de uma amizade por conta disso.”

Atualmente, Filipe está solteiro, mas conta que teve certos problemas em fazer a ex-ficante entender que o relacionamento com Larissa era mesmo só amizade. Por precaução, os dois resolveram dar um tempo. “Não chegou a ter climão, mas eu acho que, por respeito à pessoa que estava comigo, não ficava legal sair só com a Larissa, por exemplo.”

Para a psicoterapeuta Maura de Albanesi, mestre em psicologia e religião, a amizade entre ex-namorados não necessariamente é problemática. “A situação só é danosa se o outro pretende ter um relacionamento com a intenção de reatar a relação amorosa”, destaca.

Engatar uma amizade na esperança de que o amor volte à tona pode não só trazer frustração, mas ansiedade com relação às novas “regras” do relacionamento. Por exemplo: sem o contrato de namoro, não há necessidade de informar ao outro onde será a balada do fim de semana, quem estará lá ou que horas a pessoa pretende voltar à casa. “Para que seja uma aproximação sadia, é necessário que as pessoas entendam e aceitem que a relação mudou e se tornou amizade”, frisa Albanesi.

Hora de dar tchau
Está em dúvida se a amizade com o ex não está mais fazendo bem? Veja alguns sinais de que pode ser melhor se despedir:

* A amizade não faz bem quando um dos dois não quer ser amigo, cria intenção e expectativa em reatar o relacionamento;
* Se está difícil desapegar da ideia de que o outro já tem uma nova vida — com novas pessoas e, provavelmente, novos amores —, a amizade talvez não seja o melhor caminho a seguir;
* Para desatar de vez esse nó, é importante reavaliar o porquê de o namoro não ter dado certo e relacionar os prós e contras dessa relação;
* Desapegar de um ex-parceiro é perceber que a sua felicidade não está ligada a aquela pessoa específica, mas ao quanto você está disposto a buscar essa felicidade e o quanto está aberto a novos relacionamentos.


Sinais preocupantes
A psicopatia apresenta alguns indícios, mas nem sempre é fácil reconhecê-los. Veja as características principais do problema:

* O sinal mais latente é a total isenção de culpa. No caso, a pessoa apronta muito e se comporta de forma inadequada, mas ela sequer tem arrependimento;
* A pessoa não se arrepende de seus atos, pois não tem contato com as emoções;
* Como esse indivíduo não tem emoções autênticas, ele estuda e percebe as emoções dos demais e usa o estado emocional do outro como se fosse uma brincadeira. Em outras palavras: joga com as pessoas.
* O psicopata só pensa nele, como se apenas ele existisse no mundo e outro está ali apenas para servi-lo;
* O psicopata quer sempre ter vantagens. Não segue normas e não respeita leis. Na verdade, ele cria suas próprias regras.

Fonte: Maura de Albanesi é psicoterapeuta, mestre em psicologia e religião pela PUC/SP, pós-graduada em psicoterapia corporal, terapia de vivências passadas (TVP), terapia artística, psicoterapia transpessoal e formação biográfica antroposófica.



O Passado, de Hector Babenco


Rímini (Gael García Bernal) é um jovem tradutor que terminou recentemente um casamento de 12 anos com Sofia (Analía Couceyro), que foi sua 1ª namorada. A separação foi tranquila, até Rímini iniciar um namoro com Vera (Moro Angheleri), uma modelo de 22 anos. Um dia Sofia tenta beijá-lo à força, o que faz com que Vera, que presenciou a cena, morra atropelada. Um ano depois, já refeito, Rímini se casa com Carmen (Ana Celentano), sua parceira de tradução. O trauma da morte de Vera lhe rendeu uma amnésia misteriosa, que o faz se esquecer dos idiomas que precisa traduzir no trabalho. Ajudado por Carmen e pelo nascimento de seu filho, Lúcio, Rímini precisa se adaptar à sua nova realidade de marido dependente. Até que Sofia mais uma vez retorna à sua vida, sequestrando Lúcio e atraindo Rímini a um hotel de encontros.