Estudos alertam que depilação deixa homens e mulheres mais vulneráveis à ação de vírus e bactérias

Retirar os pelos é arriscado inclusive para a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis

por Isabela de Oliveira 16/10/2014 13:00

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Coletivo Além/Divulgação
Foto do projeto 'Pelos, Pelos' do Coletivo Além. Clique e saiba mais (foto: Coletivo Além/Divulgação)
Quando o assunto é estética, cada cultura tem as suas particularidades. As mulheres islâmicas, por exemplo, não devem remover os pelos faciais, incluindo as sobrancelhas. O profeta Abdullah, no livro sagrado de Sahih Al Bukhari, amaldiçoa quem vai contra a regra. Já na América, abaixo dos trópicos, a ordem é que os fios sejam removidos. Mas pesquisadores alertam: a depilação pode aumentar o risco de infecções, pois deixa o corpo mais vulnerável à ação de bactérias e vírus, como o da hepatite e o da Aids.

O médico François Desruelles, do Departamento de Dermatologia do Hospital Archet, em Nice, na França, é um dos cientistas que chegaram a essa conclusão. Em um estudo publicado na revista científica Sexually Transmitted Infection, ele defende que as irritações de pele provocadas pela depilação da área genital explicam o recente aumento das doenças sexualmente transmissíveis (DST), em especial a chamada molusco contagioso, causada por um poxvírus e responsável pelo surgimento de pequenos caroços perolados na pele e nas mucosas. Segundo ele, o procedimento também aumenta as chances de aparecimento de verrugas genitais provocadas pelo HPV, principal causador do câncer de colo de útero.

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Desruelles estudou, entre janeiro de 2011 e março de 2012, os hábitos de 30 pacientes com o molusco contagioso, 93% deles adeptos da depilação íntima. De todos, apenas seis eram mulheres, o que revela que os homens estão aderindo cada vez mais à moda de retirar os pelos corporais. A média de idade dos voluntários era de 29 anos, período em que a vida sexual costuma ser ativa. Além da DST, o médico detectou pelos encravados, verrugas, foliculite (infecção bacteriana da pele), cistos e cicatrizes.

Cerca de 70% dos voluntários se depilavam com barbeadores descartáveis, 13%, com barbeador elétrico e 10% realizavam a depilação brasileira, que consiste na retirada de todos os pelos com cera. Os resultados, avalia Desruelles, apontam para uma maior participação das lâminas de barbear no aparecimento da doença. “A depilação a laser não parece estar envolvida nessa associação porque não existem cortes microscópicos ou sangramento durante esse tipo de remoção dos pelos”, diz.

O dermatologista Erasmo Tokarski explica que não apenas a lâmina, mas também a depilação com cera provoca as lesões minúsculas. “Você arranca o pelo, mas deixa a raiz, permitindo que ele volte a crescer e de uma forma muita tortuosa”, detalha. Nessas condições, acabam encravando, o que pode provocar uma infecção bacteriana. “Quando muito grave, necessita de medicamento oral”, complementa o médico.

Tokarski chama a atenção para algo comum: a reutilização da cera. “Isso aumenta os riscos de molusco contagioso, herpes simples e até hepatites, além das infecções por bactéria. A pessoa pode pegar qualquer uma dessas doenças desde que esteja com o um pequeno machucado sangrando.”

Ajuda médica Pesquisa desenvolvida por Andrea DeMaria, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, encontrou resultados semelhantes. A cientista resolveu investigar os danos à saúde provocados pela depilação após verificar que mais da metade das norte-americanas com 18 a 24 anos remove os pelos pubianos para “apimentar” a vida sexual. DeMaria estudou os métodos usados por 333 mulheres com 16 a 40 anos.

Todas deram entrada em clínicas de tratamento entre abril e junho de 2012 em decorrência de desconforto após o procedimento estético. Os resultados, publicados no American Journal of Obstetrics and Gynecology, mostram que a maioria (87%) admitiu a remoção de ao menos alguns pelos pubianos. Sessenta por cento teve pelo menos uma complicação de saúde por causa da remoção — sendo abrasão da epiderme e pelos encravados as mais comuns — e apenas 4% conversaram com um médico sobre o problema.

“Na verdade, quando você faz a depilação, cria machucados na pele e na raiz do pelo. Consequentemente, os micro-organismos presentes na superfície do corpo acham uma forma de entrar em áreas mais profundas do organismo”, explica Gustavo Pinto, infectologista da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Portanto, é preciso escolher com atenção o procedimento estético. A depilação a laser e a fotodepilação podem ser uma boa opção, uma vez que agridem menos a pele. Ana Carolina Markesz, fisioterapeuta e especialista em Luz Intensa Pulsada (IPL), garante que ambos os métodos são seguros. “A fotodepilação é feita com luz, que entra em contato com o pelo e queima a região de origem dele, a célula germinativa. Não existe depilação definitiva, mas ele não nasce tão cedo”, detalha.

DeMaria tranquiliza mulheres e homens dizendo que, apesar das evidências científicas, não há necessidade de parar de vez com a depilação. “De forma geral, nosso estudo reforça a necessidade de as pessoas receberem conselhos de saúde sobre os pelos pubianos com ênfase no ensino de práticas de remoção seguras”, aconselha a pesquisadora.
Anderson Araújo/CB/D.A Press
(foto: Anderson Araújo/CB/D.A Press)

Hábito das cavernas
A remoção dos pelos é tão antiga quanto a civilização. Alguns pesquisadores sugerem que a prática começou com os homens das cavernas, que removiam os fios com pedras afiadas para que não fossem puxados durante as brigas. Os antigos egípcios eram famosos por produzirem as melhores lâminas de pedra ou bronze, usadas para raspar os pelos. Eles também usavam um método que consistia em aplicar uma espécie de cera doce sobre os fios. Em seguida, uma tira de tecido era pressionada sobre o produto e puxada, arrancando tudo.


Paulo Miranda, ginecologista e obstetra do Hospital Santa Luzia

Risco negligenciado
“Uma corrente defende que os pelos são fundamentais para evitar doenças, como herpes e HPV, mas, dependendo da virulência, eles não têm esse efeito. Lâminas e ceras aumentam os traumas, deixando a região mais exposta. Algumas pessoas, porém, não podem pagar por outros métodos menos agressivos. Apesar disso, precisam saber das consequências. Usar a mesma lâmina repetidas vezes, por exemplo, aumenta muito as chances de contrair uma doença. Não há conversa com o médico sobre esse tema porque os pacientes acham que é uma questão meramente estética, e o problema é negligenciado. Eles devem pelo menos procurar se informar melhor com o esteticista para avaliar os riscos de cada cliente. O laser, por exemplo, deixa a pessoa vulnerável ao vírus da herpes porque reduz a imunidade no local. E, se a pessoa já o tiver, poderá ser reativado. Por aspectos higiênicos, é melhor não ter os pelos, mas cada caso é um caso. Considerando a realidade brasileira, a moda de depilar dificilmente vai retroceder.”