Restaurantes Yun Ton e Macau completam, respectivamente, 50 e 40 anos de funcionamento

Casas foram responsáveis por educar o paladar mineiro à culinária chinesa

por Eduardo Tristão Girão 02/12/2015 08:30
Cristina Horta/EM/D.A Press
A família de Roberto Lam Chong é proprietária do Macau desde 1975 e mantém cardápio de inspiração cantonesa (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
O restaurante chinês Yun Ton completou este ano meio século de existência. O Macau, seu concorrente, acabou de fazer 40 anos. Separadas por pouco mais de um quarteirão, no bairro belo-horizontino de Lourdes, essas casas são testemunhas da história gastronômica da cidade, abertas num tempo em que o rolinho primavera ainda não gozava de tamanha popularidade, molhos adocicados ainda eram considerados um tanto exóticos e motos não riscavam ruas e avenidas levando yakisoba. De lá para cá, muitas mudanças.


Antes de mais nada, um fato: a China é imensa e a comida chinesa que se come no Brasil, para além da discussão sobre autenticidade, representa apenas parte do que existe no país asiático. Tornou-se hábito afirmar que as receitas tradicionais de Cantão (ou Guangdong), Região Sudeste de lá (onde fica a cidade de Macau, aliás), foram as que mais se popularizaram entre os brasileiros. De fato, entre as especialidades daquela região, estão pratos fáceis de encontrar por aqui, como pato e lombo com molhos agridoces, arroz chop suey e wonton (massa recheada).

Pratos que também estão no Macau, por exemplo. Entretanto, como explica Roberto Lam Chong, proprietário da casa, há muitas diferenças: “Na China, o shoyu não é usado como base como aqui no Brasil. Na China, a gente vai variando, usando outros ingredientes, como pastas fermentadas. A comida do Macau é inspirada na cantonesa”. Aliás, Cantão era o nome do restaurante quando foi comprado pelo pai dele, em 1975 – funcionava no Santo Antônio e havia sido aberto há poucos meses por outro chinês.

A família de Roberto, originária dessa mesma região, chegou ao Brasil naquele mesmo ano, depois de temporada trabalhando em restaurante chinês em Moçambique. Inicialmente, a intenção era morar no Rio de Janeiro, mas a casa chinesa que comprariam, no Bairro da Tijuca, tinha problemas de documentação e os planos tiveram de ser mudados. Souberam de um ponto à venda na capital mineira e pagaram para ver. “Minha mãe gostou do clima daqui e não havia muita concorrência”, lembra ele.

Os pais ficavam na cozinha e os filhos, no salão. “Naquela época, tinha muito pouco chinês na cidade, bem diferente de hoje. Se tinha uns 500 por aqui, era muito. Não houve resistência em relação à comida. As pessoas queriam conhecer, experimentar. Muita gente já tinha ido à China, e BH já não era mais aquela cidade onde as pessoas conheciam pouca coisa”, lembra Chong. Rolinho primavera e arroz chau-chau (frito com camarão, lombo e ovo) permanecem como os pratos mais vendidos da casa.

O que se come no restaurante, avalia, é muito parecido com o que se come na China. Entretanto, há detalhes importantes que fazem a diferença, embora sejam difíceis de explicar. “De alguns sabores de lá, não me esqueço, como o do tofu. São cinco mil anos de história e cinco mil anos cozinhando. É impossível provar todos os pratos do meu país numa vida só. A água chinesa, as maneiras de fazer e apresentar e até a maneira de sentar à mesa são diferentes. É como perfume, não tem como explicar. Só na hora é que se percebe o que é”, compara.

Em 1980, o restaurante foi transferido para o ponto atual, já com aquário e as funcionárias usando uniformes coloridos que remetem aos trajes femininos típicos chineses. Em 2005, a casa passou por grande reforma: dobrou de tamanho sem dobrar o número de mesas e o ambiente tornou-se mais claro, o que eliminou a sensação que a freguesia tinha de comer espremido por ali. Sobre a comida, 40 anos depois, o proprietário garante: “Não mudamos, praticamente”.

Euler Junior/EM/D.A Press
Tso Ying Wah, conhecido por Wagner, e seu filho David Tso comandam o Yun Ton, sempre atentos ao gosto do público belo-horizontino (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
PROVIDÊNCIA O mesmo não pode ser dito do Yun Ton. Apesar de ser quase vizinha do Macau e ter pontos em comum ao longo da história, a casa tem trajetória diferente. Aberta em 1965 por chineses, foi comprada pelos atuais proprietários, também de lá, em 1970. Os pais de Tso Ying Wah (que adotou o nome Wagner) vieram de São Paulo para cá porque queriam ter o próprio restaurante e viram futuro para a comida chinesa na capital mineira. Mantiveram nome, cardápio, funcionários e móveis.

“Havia poucos restaurantes do tipo no Brasil naquela época e a divulgação dessa comida ainda era muito pequena. O Yun Ton tinha sido aberto por causa da Usiminas, que tinha sede aqui perto, e era muito frequentado por japoneses que eram funcionários da empresa, não por chineses. Só a partir dos anos 1980, a comida chinesa começou a sair do seu polo, que era São Paulo”, lembra Wah, que nasceu em Hong Kong. Seus pais são naturais de região mais ao norte, nos arredores de Xangai.

A comida do restaurante, explica, mistura referências cantonesas com as de outras regiões, como Sichuan e Hunan. Além disso, a família optou por fazer adaptações nas receitas, não só pela dificuldade de achar certos ingredientes, mas também imaginando que, assim, seriam mais bem aceitas pelo mineiro. “Trocamos legumes, aumentamos a proporção das carnes e passamos a temperar mais, apesar de Cantão ter comida conhecida pelo sabor natural dos ingredientes”, exemplifica o proprietário.

O público era pequeno e foi preciso tomar outras providências para alavancar o movimento no início. “No fim do ano, quando as pessoas fazem confraternizações, jogávamos o preço lá embaixo. Assim, conseguíamos mesas com dezenas de pessoas. De 60 fregueses, uns 30 ou 40 voltavam trazendo outros conhecidos. A questão era começar”, lembra. Demorou quatro anos para que o salão começasse a ficar cheio.

Nos anos 1990, com a invenção do restaurante self-service, surgiu outro desafio. Instaurou-se concorrência pesada com o sistema à la carte. Wah quase aderiu: “Era uma briga por preço, não por qualidade”. Decidiu, então, oferecer ao seu público novas pedidas, que reuniu no que chamou de cardápio azul, em vigor até hoje. Manteve campeões de venda (frango xadrez, rolinho primavera) e acrescentou 40 novos pratos, alguns deles criados em função das preferências dos belo-horizontinos, que conhecia bem por trabalhar no atendimento.

Segredos de cada um
Apesar da enorme popularidade de certos pratos chineses, como o frango xadrez, há espaço para especificidades em ambas as casas. No caso do Yun Ton, chama a atenção o lombo ao molho de feijão-preto, feito com pasta fermentada do grão, pimenta e caldos de galinha e porco. Já o Macau ganhou fama na cidade pelo seu rolinho primavera: são duas camadas de massa, em vez de uma, sendo a de fora muito delicada e quebradiça, que se expande durante a fritura.

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