Praça da Vitória, São Petersburgo. À chegada da cidade de heróis, está fincado o portal monumental, voltado para a capital Moscou, como se estivesse pronto a receber a parada triunfal. Estamos falando do monumento aos Heróis Defensores de Leningrado, do arquiteto Sergei Speransky, em referência à Segunda Guerra Mundial. Foi cravado nas proximidades do ponto onde os russos estabeleceram a sua linha de defesa, detendo as tropas nazistas, apenas vinte quilómetros à frente.
Foram ”900 dias e 900 noites”, tal qual indica a inscrição em cirílico, nas duas extremidades de um amplo círculo interrompido, - onde brilha a “chama eterna” da memória histórica desse povo -, que, como um anel quebrado, esculpido em granito, se abre ao imponente obelisco em formato estilizado de uma baioneta. Ao topo da baioneta-obelisco, o marco temporal do conflito, - 1941-1945, guardada pela representação de um operário e um soldado, na tradicional pose do neoclassicismo soviético. Ladeiam o hall monumental esculturas de M. Anikushin, que imortalizam o esforço, emoção e horrores da luta épica de soldados, marinheiros, civis, que, apesar da fome, do frio e sob bombardeio intenso, não se rendaram. O sofrimento da população de Leningrado, hoje São Petersburgo, durante aqueles quase três anos de cerco a que foi submetida, também se reflete na escultura ao centro do círculo interrompido.
Tudo nesse monumento é simbólico. O círculo incompleto, que abriga em seu subterrâneo o museu com exibição sobre a Batalha de Leningrado, representa o cerco rompido e a saída pela famosa “Estrada da Vida”. Em seu pior momento, a única rota disponível para manter a cidade viva ao fornecimento de alimentos e evacuação foi construída sobre o congelado Lago Ladoga. Era mantida dia e noite por uma frota de caminhões e veículos leves usados para transportar alimentos, carvão mineral e outros suprimentos. Quando o gelo afinava muito, carroças eram empregadas para o transporte. Qualquer animal morto era despedaçado e enviado à cidade para servir de alimento.
Definitivamente o cerco de Leningrado foi o maior acontecimento épico da Segundo Grande Guerra . Se Stalingrado representou o ponto de inflexão do conflito, Leningrado foi o mais dramático. Durante a ofensiva nazista, denominada Operação Barbarossa do Norte, os alemães, voluntários fascistas espanhois e filandeses mobilizaram no cerco à cidade 800 mil soldados. Os russos defendiam-na com 920 mi. Entretanto, cada cidadão foi chamado para construir as fortificações.
Em Leningrado morreram quase 600 mil soldados alemães e 700 mil russos. Mas maior drama viveram os civis. Da população inicial de três milhões, 1,2 milhão foi exterminada de fome, de frio – o abastecimento de energia elétrica foi cortado - e por doenças. Nos piores momentos do cerco, a alimentação foi racionada a um pão diário a cada habitante. Episódios de canibalismo foram registrados. A ordem de Hitler, de literalmente matar a cidade de fome , foi levada a extremos pela Wehrmacht. Mas, 900 dias e 900 noites depois, a rigor 872 dias e 872 noites, em 27 de janeiro de 1944, os russos emergiram do inferno, legando ao mundo a história contada hoje em seus monumentos.
Colaborou Eugênio Gomes