Cinema nacional embala nova temporada do Choque de Cultura

Quarteto de humoristas que encarna o papel de perueiros agora é atração do Canal Brasil. Grupo diz que voltou ao 'texto raiz'

Frederico Gandra* 05/12/2020 04:00
David Benincá/Divulgação
Da internet para a TV, os 'perueiros' são garantia de opinião um tanto irônica e controversa sobre o universo cinematográfico (foto: David Benincá/Divulgação)
Na pele de especialistas em transporte alternativo e “críticos” nas horas vagas, o quarteto responsável por Choque de cultura está de volta, agora com temporada inédita no Canal Brasil. Depois de dois anos na Rede Globo, Rogerinho (Caito Mainier), Renan (Daniel Furlan), Julinho (Leandro Ramos) e Maurílio (Raul Chequer) retomam o formato clássico adotado na internet para “discutir” – com muito humor – grandes momentos do cinema nacional, como Tropa de elite (2007), Bacurau (2019), Central do Brasil (1998) e Cidade de Deus (2002), além da obra do diretor Glauber Rocha (1939-1981). Os episódios também serão disponibilizados no canal de Youtube da TV Quase.
Em 2016, Choque de cultura viralizou na rede virtual com seu humor inusitado. Quatro pilotos de van se reúnem para fazer um “programa cultural” amador sobre cinema, embora pouco conheçam sobre filmes. A personalidade tresloucada e opiniões “fortes” de cada um deles são o ponto alto da atração. Muitas vezes, os longas ficam de lado, dando lugar à controversa relação entre os motoristas e seu universo particular.

O formato chamou a atenção de jovens internautas. As falas polêmicas do grupo viraram memes, como “filme do Harry Potter sem Harry Potter, é golpe!” ou “preconceito é coisa de cigano”. O sucesso logo atraiu a maior emissora do país. Após Choque de cultura bombar no site Omelete, a Rede Globo incorporou o programa em 2018, em horário nobre. Antes do futebol aos domingos, o quarteto discutia blockbusters que seriam transmitidos posteriormente no Temperatura máxima. Em 2019, o quadro se transformou no programa de auditório Choque de cultura show, com novos cenário e figurino.

Depois da “experiência global”, os quatro pilotos retornam com episódios temáticos sobre o cinema nacional. “Mesmo quando fala sobre Adam Sandler ou Transformers, Choque de cultura sempre foi puro suco de Brasil. Aquele jeito que eles fazem, aquelas personalidades, a visão deles de mundo, aquela precariedade. Então, eles falando sobre cinema brasileiro foi um encontro muito bonito de ver”, afirma Daniel Furlan, o ator e humorista que interpreta Renan.

A volta vem com novidades. “É um modelo mais simples, em que as ideias e as falas são nosso carro-chefe. Não é mais o cenário, a roupa nem o visual. O que a gente curte é ouvir os personagens na essência deles e naquela pureza”, afirma Caito Mainier, que interpreta Rogerinho.

“Quando terminamos de gravar a temporada, ficamos com a sensação de que conseguimos voltar à essência daquele texto raiz do Choque, sem que isso fosse uma preocupação. Foi um frescor fazer um negócio absolutamente novo, mas com a sensação de que parecia a primeira vez”, acrescenta Leandro Ramos.

Oscar 

O enredo para a chegada ao Canal Brasil está diretamente ligado a Maurílio (Raul Chequer), o personagem mais “palestrinha”, perseguido do grupo. Expulso pelos companheiros na live do Oscar 2020, ele se torna andarilho até estrear seu programa solo sobre cinema brasileiro, o Maurílio em transe.

“Infelizmente, esse programa foi furtado pelos outros pilotos, daí surgiu a nova temporada, em que a gente vai poder analisar filmes brasileiros maravilhosos. Tou muito feliz com todos os filmes abordados, embora fique muita coisa boa de fora”, completa Raul Chequer.

A proposta é, no mínimo, polêmica: os perueiros Renan, Rogerinho e Julinho nunca esconderam o desprezo pelo cinema nacional, enquanto Maurílio é apaixonado por ele.

Em 12 episódios, Choque de cultura vai abordar os clássicos Bacurau (2019), Tropa de elite (2007), Tropa de elite 2 (2011), Central do Brasil (1998), Aquarius (2016) e Cidade de Deus (2002), mas a temporada conta com outros recortes. Haverá especial sobre a obra de Glauber Rocha.

“Não tem como abordar o cinema brasileiro sem falar de Glauber Rocha. E a gente também, por sermos fãs e conhecedores, queria saber como os personagens reagiriam a esses filmes”, afirma Caito. “Sabidamente, Maurílio é fã, mas que tipo de fã ele é? O que os outros pilotos, que têm implicância com o cinema brasileiro, vão achar do Glauber?”

A temporada também traz um episódio dedicado à carreira do ator Rodrigo Santoro e o embate entre os filmes religiosos Nosso lar (2010) e Dez mandamentos (2016). Pela primeira vez, o quarteto vai discutir longas sobre música, como Cazuza – O tempo não para (2004), 2 filhos de Francisco (2005) e Legalize já (2017). A abordagem marca a reviravolta do pensamento psicótico do apresentador Rogerinho, que volta a acreditar na música após eternizar o bordão “ambiente de música é ambiente de droga!”.

Promessa de humor, mas sem esculacho

Os personagens de Choque de cultura vão eleger os melhores filmes brasileiros de todos os tempos. A eclética seleção vai de Xuxa e os duendes (2001) a Heleno (2011). O 11º e o 12º episódios são compilados de momentos não exibidos.

Raul Chequer explica que a nova proposta tem outra abordagem. “Nas outras temporadas, a gente fala muito sobre filmes estrangeiros. Agora, não só vamos falar do cinema nacional, como discutir temáticas brasileiras que estão mais próximas da gente”, diz.

Caito Mainier acredita que o programa pode chamar a atenção de novos públicos para o cinema do país, que passa por um de seus momentos mais delicados por causa da pandemia e da política cultural restritiva do governo Jair Bolsonaro. “É possível que motive alguém a procurar saber mais. Talvez, a temporada já tenha valido a pena por esse lado. Não é algo que a gente planejou, mas acho que é um efeito colateral positivo se debruçar sobre as questões brasileiras”, diz.

Leandro Ramos deixa claro que a intenção de Choque de cultura não é desmerecer a produção brasileira. “Temos o cuidado de colocar o que a gente acha engraçado. Nosso texto não parte daquela coisa de sacanear as pessoas. Obviamente, alguém pode se sentir sacaneado, mas é muito mais uma questão dessa pessoa. A gente nunca faz piada ou acha engraçado esculachar alguém”, garante.

Daniel Furlan diz que se trata de humor e todos podem se divertir com a linha de pensamento tresloucada dos “críticos” a bordo de suas vans: “Ridicularizamos filmes que a gente adora”.

*Estagiário sob supervisão do subeditor Eduardo Murta

CHOQUE DE CULTURA
Às sextas-feiras, às 21h45, no Canal Brasil. Horário alternativo às segundas-feiras, à meia-noite. Exibição em 17 de dezembro, às 11h, no Canal do TV Quase, no YouTube.



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