Saudosos da 'velha' MTV fazem campanha pela volta do canal

Emissora dedicada à música chegou ao Brasil há 30 anos com sinal aberto e rejuvenesceu a linguagem da TV. Em 2013, trocou de mãos e de personalidade

Estado de Minas 02/08/2020 09:45
Flávio Florido/Folha Imagem
Caetano Veloso e David Byrne no VMA de 2004, quando o brasileiro xingou a emissora ao vivo, devido a falhas técnicas em seu show (foto: Flávio Florido/Folha Imagem)

''Emetevê, bota essa p#@#$% pra funcionar!'', bradou Caetano Veloso, durante a transmissão do Video music Brasil (VMB) de 2004, depois de o sistema de som falhar repetidas vezes durante sua performance com o músico norte-americano David Byrne

A emblemática fala, que depois virou título de livro, ainda pode ser encontrada no YouTube, mas com baixa qualidade de vídeo e áudio, como é o caso de outros momentos marcantes da história da antiga MTV Brasil.

No próximo mês de outubro, completam-se 30 anos da chegada do canal dedicado à música no Brasil, a terceira versão da emissora no mundo e a primeira a ser disponibilizada em sinal aberto. Pertencente ao Grupo Abril, a MTV se manteve no ar durante 23 anos, encerrando suas atividades em 2013, quando foi substituída por uma nova MTV Brasil, operada pela empresa norte-americana Viacom como canal fechado.

A MTV Brasil original viveu uma trajetória marcada por polêmicas, sucessos, fracassos e crises, que hoje se transformaram numa lembrança nostálgica de VJs, programas, clipes e comerciais que fizeram história na TV brasileira e estiveram em sintonia com o comportamento dos jovens da época.

Esse legado é celebrado e mantido em evidência nas redes sociais especialmente por três páginas no Instagram cujos criadores resolveram unir forças para pedir a recuperação, a digitalização e a disponibilização dos arquivos da antiga MTV. 

As administrações dessas páginas lançaram a petição ''Eu quero a minha MTV de volta'' na plataforma change.org. ''A petição surgiu a partir de conversas sobre como a MTV Brasil foi e é importante para a sociedade brasileira. Começamos a discutir o que poderíamos fazer para ajudar a disponibilizar o acervo e, como 'a voz do povo é a voz de Deus', pensamos em um abaixo-assinado para mostrar aos envolvidos que muita gente gostaria de ter acesso ao material produzido'', afirma Caio Pinheiro, criador e administrador da página @amtvquedeucerto, que diariamente  traz à tona vídeos da emissora. Até a semana passada, a petição contava com mais de 4 mil assinaturas.

Kelly Fuzaro/DIVULGAÇÃO
Marcelo Adnet, Tatá Werneck e Dani Calabresa integravam a equipe do Comédia MTV, com Paulinho Serra e Bento Ribeiro (foto: Kelly Fuzaro/DIVULGAÇÃO)

AMIGA 

Ele conta que a emissora era sua principal fonte de informação durante a adolescência, sobretudo no que diz respeito a novidades sobre música e comportamento. "Eu era aquele tipo de fã que assistia a toda a programação e tinha a emissora como uma amiga que conversava comigo."

"Acreditamos que a produção nos 23 anos de MTV carrega não só um valor sentimental, mas também profissional para o público, ex-funcionários e artistas", afirma Felipe Arcelino, que comanda o perfil @mtvbrasilmemories. "Afinal, esse material é uma cultura necessária e de extrema importância para a reflexão do telespectador em relação à história da música brasileira."

Segundo ele, o acervo da emissora concentra registros históricos da música e da televisão. "Quando falamos sobre música, não podemos nos esquecer de muitas bandas que hoje são sucesso e que tiveram suas primeiras entrevistas e trabalhos exibidos na emissora, quando ainda tinham poucos anos de carreira."

No Brasil, a MTV ficou marcada por colocar o jovem como protagonista e abrir espaço para discussões sinceras sobre música, sexo, drogas, AIDS, humor e política. Além do episódio com Caetano e David Byrne, outras momentos ganharam relevância, como o lançamento de clipes marcantes e de programas que revelaram nomes como Marcelo Adnet, Zeca Camargo, Astrid Fontenelle, Fernanda Lima, Marina Person e Tatá Werneck.

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Cazé e Marina Person no comando do Neura MTV (foto: Kelly Fuzaro/DIVULGAÇÃO)

INFLUÊNCIA 

"Além de apresentadores que marcaram gerações, muitas das coisas que vemos por aí hoje no audiovisual tiveram influência da MTV. O canal também contribuiu para incentivar o telespectador a refletir, uma de suas principais características. Que outro canal mandaria alguém desligar a TV e ler um livro?'', afirma Leandro Marino, que administra a página @mtvtop20.

Com a mobilização dos fãs, a digitalização do acervo da emissora parece estar mais próxima. O Grupo Abril obteve um acordo de recuperação judicial da MTV Brasil no dia 27 de setembro de 2019. No início do mês passado, a empresa cumpriu a promessa de realojar um acervo de 40 mil fitas do canal Betacam analógicas, que foram retiradas do edifício que sediou o canal durante 23 anos, na Zona Oeste de São Paulo.

A demora na transferência se deveu a uma série de dificuldades, incluindo o processo de reestruturação do Grupo Abril. Em determinado momento, chegou-se a discutir a venda do material à Viacom, atual dona do nome MTV e controladora da atual MTV Brasil. A ideia não prosperou.

Os autores da petição defendem que o material recuperado deveria ser disponibilizado em streaming. "Já imaginou assinar uma plataforma e se deparar com todos os programas da MTV Brasil prontos para serem assistidos a qualquer momento?", diz Caio.

"Acreditamos também que outra alternativa seria a criação de um canal com reprises dos programas, uma espécie de MTV Classic. Afinal, o brasileiro ama rever conteúdo televisivo que ficou para a história, como prova o canal Viva", argumenta Felipe.

Sobre a atual fase da MTV Brasil, que exibe, em geral, programas produzidos nos Estados Unidos, além de produções nacionais voltadas para comportamento, os três amigos confessam que não o acompanham. 

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Fernanda Lima está entre as ex-VJs famosas. Ela teve no canal o programa Mochilão MTV (foto: Kelly Fuzaro/DIVULGAÇÃO)

Rindo da própria cara

De tão excepcional, a frase de Caetano Veloso dita ao vivo, em rede nacional, inspirou o título do livro que Zico Góes, ex-diretor de programação e conteúdo da MTV, lançou, contando as memórias de seu período à frente do canal.
 
No livro, ele diz que, na ocasião, a equipe contornou a situação tirando sarro da própria cara. O episódio foi reprisado inúmeras vezes, e a frase, transformada num lema interno.

Além de narrar a história do canal com base em sua experiência profissional, Zico afirma que o principal motivo para o fim da MTV Brasil foi a explosão da internet, que, de certa forma, tomou o lugar do canal, que se comunicava diretamente com o jovem brasileiro.

Outra produção que pode servir de consolo para os saudosos da MTV Brasil original é o documentário A imagem da música - Os anos de influência da MTV Brasil, dirigido por Lucas Tomaz Neves e assinado pela Crua Produções, disponível no YouTube desde 2017. O filme traz entrevistas com ex-VJs, músicos e imagens de arquivo.

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