Roteirista trava guerra judicial com Aguinaldo Silva por causa de 'O sétimo guardião'

Processado por danos morais, ele se defende: 'Não sou oportunista'

por Ana Clara Brant 16/11/2018 10:00

Beto Novaes/EM/D.A Press
Criado pela avó em BH, Silvio Cerceau processa o novelista Aguinaldo Silva e também é processado por ele (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Nem a vilã Valentina Marsalla (Lília Cabral) nem o misterioso gato León. O personagem da semana de estreia de O sétimo guardião, novela das 21h da Globo, é Silvio Cerceau, de 45 anos, escritor e roteirista paulista que mora em BH desde criança. Ele trava uma briga judicial com Aguinaldo Silva, autor da trama, reivindicando a coautoria do folhetim.

A emissora incluiu nos créditos os 26 alunos (inclusive Silvio) do curso ministrado por Aguinaldo, onde teria surgido a sinopse da novela, exibida desde segunda-feira. Isso deve ocorrer até o último capítulo. “O crédito de nossos nomes foi a primeira vitória. Espero que venham outras. Foi um reconhecimento da Globo, não do Aguinaldo. Agora, a gente segue com a luta pelo reconhecimento patrimonial (pagamento). E também tem o processo de danos morais, pois o Aguinaldo me difamou, atacou minha honra e me acusou de ser péssimo aluno. Ele vai responder por isso”, avisa Cerceau.

Tudo começou no final de 2015, quando Aguinaldo Silva ministrou, em Petrópolis (RJ), masterclass com duração de 10 dias. Vinte e seis candidatos a roteirista participaram. A ideia inicial do novelista era de que os alunos desenvolvessem sinopse alternativa para um de seus sucessos, O outro (1987). “Ele nos pediu uma versão feminina da história, mas acabamos tomando outros rumos”, diz Silvio Cerceau.

Logo depois da palestra inaugural, afirma Cerceau, ele sugeriu a Aguinaldo retomar o gênero que o consagrou, o realismo fantástico. “Na época, era exibida A regra do jogo, do João Emanuel Carneiro, novela com muita violência. Perguntei ao Aguinaldo: por que não algo mais leve, com a magia e o surrealismo que ele fez tanto no passado, em vez de uma trama que trata dos mesmos assuntos que a gente estava cansado de ver no noticiário.?”

A partir daí, os alunos sugeriram que a história se passasse no interior, com direito a tesouro, fonte e até um gato. “Assim foi surgindo a trama. Ele se encantou com a  nossa ideia – a sinopse, os personagens, o perfil deles e o primeiro capítulo. Tudo foi feito pela gente. Não existe novela sem sinopse”, argumenta Cerceau. “Na sinopse, nascem os personagens. Surgem as tramas e toda a história que será escrita em capítulos pelo autor da sinopse ou por outro designado pela emissora”, alega.

Ao ingressar no curso, os alunos assinaram um termo determinando que, caso a sinopse fosse aprovada, a emissora detentora dos direitos se comprometeria a dividir os valores com todos os criadores. “O próprio Aguinaldo chegou a afirmar isso não só conosco, mas nas redes sociais”, ressalta Silvio.

Dois meses depois do fim da masterclass, Aguinaldo postou no Facebook: “Se eu fosse fresco, diria que estou deprimido e sem inspiração. Mas como não sou, mesmo sem vontade estou aqui trabalhando feito uma chola peruana na sinopse de O sétimo guardião, a história que criei junto com meus 26 alunos e mais Rodrigo Ribeiro e Virgílio Silva, na masterclass 3 lá na Casa Aguinaldo Silva de Artes, em Petrópolis.”

GUERRA DE
PROCESSOS

Antes de O sétimo guardião ir ao ar, outra novela começou a tomar forma – desta vez, nos tribunais. No começo de 2017, Silvio e os demais alunos receberam outro termo para assinar. “Nesse documento, cedíamos os direitos de qualquer trabalho futuro que viéssemos a fazer com o Aguinaldo. Não se fazia menção a O sétimo guardião. Acabei assinando impulsivamente, sob pressão, mas ele não tem validade jurídica. Ninguém cede direito autoral. O patrimonial, pode até ser”, argumenta.

Silvio Cerceau diz ter enviado notificação a Aguinaldo Silva se queixando dessa alteração e reivindicando direitos morais e autorais da sinopse de O sétimo guardião. Em resposta, conta, o dramaturgo o processou, alegando que a participação dos 26 alunos na elaboração de cenas “foi ínfima”, que “pequeninos textos” foram reformulados, e, mesmo se não tivesse sido o caso, todos os alunos assinaram o termo de cessão de direitos autorais.

“No fim das contas, sou de fato a parte ré no processo, porque depois de meu advogado enviar a notificação extrajudicial ao Aguinaldo, estávamos trabalhando na montagem do processo para ajuizamento da ação, o que demanda tempo devido à complexidade. Então, numa estratégia de má fé, a outra parte ajuizou primeiro um processo para anular o contrato que tinha comigo”, diz Silvio. “Por isso, em vez de abrir um outro processo contra ele, fizemos a contestação com o objetivo de processá-lo dentro do mesmo processo. Isso se chama reconvenção, ato aceito pela juíza. Hoje, eu e Aguinaldo somos autores e réus nesse processo”, explica.

Procurado pelo EM, Aguinaldo Silva não se pronunciou. Na coletiva de lançamento da novela, ele declarou: “Isso é um caso que está sub judice. Na verdade, não existe nenhum processo de nenhum aluno contra mim. Eu é que estou processando um aluno. Não posso falar sobre isso, porque é um caso que está na Justiça”. E completou: “Todas as novelas rendem processos. São processos que correm em segredo de Justiça, como deve ser. Nesse caso, como a pessoa rompeu o contrato de confidencialidade que assinou comigo, resolvi processá-lo. É o único processo que existe”.

Esta semana, a “novela” ganhou outro capítulo. Cerceau diz que o novelista entrou com um processo de danos morais contra ele. “Aguinaldo alega que o tenho difamado em entrevistas e redes sociais”, comenta. “Vou assistir a O sétimo guardião, assim como qualquer outra novela que ele vier a fazer. Não deixo de reconhecer seu talento, sua competência. Mas, como pessoa, ele faltou com a verdade. Aguinaldo Silva não é aquilo que demonstra ser e se esconde sob uma máscara de generosidade”, critica.

Silvio Cerceau é o único dos alunos da masterclass que recorreu à Justiça. “Ninguém quis bancar essa briga. No fundo, todos achavam que iam ter os nomes creditados. Todos os 25, inclusive, me atacaram. Recentemente, voltaram atrás, me pediram desculpas e alguns serão até minhas testemunhas. Outros seis decidiram abrir processo também, reafirmando a nossa coautoria”, garante. “Não sou oportunista e nem quero ganhar fama em cima de ninguém. Só quero ter meus direitos reconhecidos. É muito mais fácil para a maioria das pessoas acreditar no Aguinaldo Silva – figura conhecida nacionalmente – do que em mim. Confio na Justiça e vou até a última instância se preciso”, ressalta.

A TV Globo informou, por meio de sua assessoria, que não vai se pronunciar sobre a polêmica.

 

 

Novelista desde criancinha

 

Criado pela avó paterna, Silvio Cerceau devorou coleções da literatura infantil, como a Vagalume, encantou-se com os clássicos de Jorge Amado e livros de Sidney Sheldon, sua principal referência. Mas o gosto pela escrita se deve à telenovela. Com 7 anos, ele já reescrevia tramas a que assistia na TV, como Pai herói e Brilhante.

Aos 18, começou a escrever o primeiro livro, Vitrine humana. Inicialmente, o enredo falava em prostitutas, mas, ao conhecer garotos de programa, decidiu focar no universo masculino. “Só conclui esse projeto aos 31 anos. Vitrine humana ficou entre os mais vendidos de BH, contabiliza cerca de 100 mil leitores. A partir dali, passei a ter contato com muitos editores”, diz Silvio, que, na época, trabalhava no serviço público. “Abri mão de tudo e fui me dedicar à literatura”, diz. Assim surgiu a Editora Literato, responsável pelos 14 livros dele – três em parceria com outros autores.

Entre os projetos de Cerceau está a peça Pobreza pega, estrelada por Kayete, dois romances, o ingresso no curso de filosofia e a sinopse de uma novela sobre o amor aos animais. “O tema que abordo na sinopse já foi tratado em filmes, mas nunca em novela. Muita gente vai se identificar. Pretendo apresentá-la a várias emissoras, inclusive à Globo. Ela compra boas ideias. Então, por que não tentar?”, conclui.
 

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