Saiba por que o BBB é o 'melhor pior programa' da TV brasileira

Criticado por seu conteúdo raso e pela quantidade de 'baixarias' que exibe, reality fará sua 18ª e mais longa edição da história, com 88 capítulos, a partir do dia 22

PAULO BELOTE/DIVULGAÇÃO
Emilly Araújo, cuja relação com o cirurgião plástico Marcos Harter resultou em denúncia de agressão, pela qual ele foi expulso, venceu o BBB17 (foto: PAULO BELOTE/DIVULGAÇÃO)
Assim como nos últimos 15 janeiros, vem aí o Big brother Brasil. Será a 18ª edição do programa que estreou em 2002 na Rede Globo. Ainda que os níveis de audiência hoje não cheguem nem perto do que foram nos primórdios do programa – quando o país parou para ver Kléber Bambam chorar com sua boneca imaginária, na primeira edição, ou acompanhar o futuro deputado federal Jean Wyllys levar a melhor sobre Grazi Massafera, no quinto BBB –, o reality segue importante para a emissora carioca. Pela TV ou não, “a casa mais vigiada do Brasil” continua atraindo a atenção de milhões de pessoas.

Desde sua estreia, a atração é alvo de críticas, reprovação ou desdém por boa parte da opinião pública. Muita gente sequer compreende as razões da longevidade do programa. No entanto, o termo ‘Big Brother Brasil’ foi o mais buscado pelos brasileiros na internet em 2017, de acordo com o Google. Os acontecimentos da casa pautaram quase todos os veículos de comunicação e, principalmente, as redes sociais, onde o reality consegue se projetar até mais do que na TV atualmente. Em 2017, o BBB chegou a ser notícia no Jornal Nacional, quando o cirurgião Marcos Harter foi expulso do programa, sob a acusação de agredir a participante Emilly Araújo, que era sua namorada na casa e veio a vencer a disputa.

AVERSÃO “É um tema que está atravessado em diversas telas e plataformas, com participação de fãs e anti-fãs que falam a respeito dele, sem necessariamente gostar ou assistir. O poder de aversão é até mais forte do que o dos fãs para transformar o programa em um assunto de destaque”, avalia Arthur Guedes, mestre em processos comunicativos e dispositivos midiáticos e em comunicação e sociabilidade contemporânea pela UFMG. Durante seis anos, Guedes estudou o programa sob a perspectiva da comunicação social. Uma de suas conclusões é que o interesse popular vai além da disputa pelo prêmio dado ao vencedor.

“O BBB convoca discussões muito maiores que o programa. Em uma das minhas dissertações, falo sobre o primeiro casal homoafetivo a se formar dentro da casa (Clara Aguilar e Vanessa Mesquita, que se tornaram conhecidas nas redes sociais como Clanessa, no BBB14). Um amor não heteronormativo na TV aberta conseguiu engajar tanta gente que elas chegaram juntas até a final. Dependendo do que acontece, as pessoas do lado de fora começam a shippar (gostar e admirar, na gíria da internet) e se posicionar sobre o assunto nas redes, dando projeção ao programa”, afirma o pesquisador.

Por outro lado, além das manifestações a favor de alguns participantes, o ódio e os ataques também promovem o reality. Artur lembra de um episódio na edição do ano passado, em que a dançarina baiana Gabriela Flor foi alvo de comentários racistas na internet, antes de o programa começar e novamente dentro da casa, o que acabou se tornando tópico de apelo na internet e despertando curiosidade do público. “Hoje, o que move são pautas polêmicas. Não só o maniqueísmo da figura do vilão e do mocinho, mas também as grandes causas. As pessoas ficam apaixonadas por se posicionar a favor ou contra”, diz o publicitário. Ele lembra que, além das bandeiras minoritárias, movimentações contrárias a elas também impulsionam o processo. “Em 2010, por exemplo, Marcelo Dourado foi o vencedor, mesmo abusando de comentários machistas, entre outras posturas preconceituosas.”

Além dessa motivação comunicacional que o BBB desperta nos espectadores, aspectos psicossociais também justificam seu sucesso e longevidade. Para Cinthia Demaria, psicóloga de orientação psicanalítica, teorias freudianas ajudam a explicar o fenômeno. “Além de uma cultura de gostar de consumir a exposição do outro, existe o interesse pela identificação com personagens que representam biotipos ou grupos sociais. Vejo como se fossem avatares para as pessoas se identificarem positiva ou negativamente. Isso é bem freudiano, ao explicar que procuramos e precisamos desses líderes, que, inclusive estão presentes na própria nomenclatura do programa”, diz a psicóloga, citando uma das regras da disputa, que designa semanalmente um líder no confinamento.

A psicóloga compara o sucesso do BBB ao das celebridades criadas pela internet. “Essa exposição proporcionada pelo programa, que mostra inclusive as falhas das pessoas, aumenta ainda mais o apreço e a identificação pelo ‘ideal do eu’. São pessoas como a gente, que falham como a gente. Por isso tantas pessoas querem se inscrever e participar a cada ano, para se tornar líderes, expor essa identidade do grupo que representam. Especialmente hoje, em que as redes sociais fazem as pessoas quererem seu momento de fama e de ‘like’. Não é à toa que a produção do BBB seleciona alguns desses perfis que já são populares na internet para participar”, comenta.

A reverberação do programa é tão grande que a Globo não se mantém mais indiferente a ela. “Com o tempo, foram percebendo que não tinham o controle da reverberação daquilo que propunham como narrativa. Vale lembrar o caso de Daniel e Monique, no BBB12: a Globo começou tratando como um romance, e o público denunciou como um estupro na internet. No fim, ele acabou expulso da casa. Nos últimos anos, eles têm compartilhado essa responsabilidade com a audiência. Já levaram tuiteiros famosos para comentar e fazer esquetes. Fizeram enquetes para o público votar nos melhores momentos das festas. A questão da edição ainda é muito importante, mas como um início de conversa. A partir daí, a Globo reage ao que reverbera na web e não tem como controlar isso. Aí está riqueza do programa”, opina Arthur Guedes.

FOFOCA Conhecido como especialista em BBB, o jornalista Chico Barney, que tem uma coluna sobre televisão no site UOL, acompanha o reality desde seu lançamento e avalia positivamente a continuidade do programa. “A TV como um todo viu sua audiência diminuir, não dá pra colocar essa conta só no BBB. O jeito de consumir realmente mudou. Nos portais, como é uma mistura de dramaturgia com fofoca, acaba atraindo mesmo quem não é espectador, nem que seja para depois reclamar de ‘tanta baixaria’”, diz.

Na opinião de Chico Barney, ao longo do tempo, “o programa mudou bastante, as edições estão mais ágeis e o tipo de participante também vem modificando. A estrutura básica é a mesma, mas os cacarecos são sempre frescos. Ele pondera ainda que a entrada de Tiago Leifert como apresentador, desde o ano passado, substituindo Pedro Bial depois de 14 anos, deu um novo fôlego. “É outro storytelling (narrativa), a Globo consegue deixar cada apresentador livre o suficiente para improvisar dentro do formato, e Leifert trouxe um olhar renovado sobre o programa, o que é ótimo.”

Com início marcado para o próximo dia 22, o BBB18 promete ser o mais longo da história do programa. Serão 88 capítulos, ou dias de duração, entre a entrada dos participantes na casa e a final que premiará o vencedor com R$1,5 milhão. Criado pelo holandês John de Mol em 1999, o reality show foi exportado para emissoras de TV de vários países, sempre com a proposta de confinar um grupo de pessoas em uma casa equipada com várias câmeras, permitindo ao público votar para eliminar um dos concorrentes a cada semana. O Brasil não é o único a repetir a fórmula ano após ano nas últimas décadas. Alemanha, Bulgária, Espanha, Inglaterra, Portugal e Itália também tiveram mais de 10 edições nos últimos 18 anos.

“O poder de aversão é até mais forte do que o dos fãs para transformar o programa em um assunto de destaque”

Arthur Guedes, mestre em processos comunicativos e dispositivos midiáticos


“O programa mudou bastante, as edições estão mais ágeis e o tipo de participante também vem modificando. A estrutura básica é a mesma, mas os cacarecos são sempre frescos”

Chico Barney, jornalista

“Além de uma cultura de gostar de consumir a exposição do outro, existe o interesse pela identificação com personagens que representam biotipos ou grupos sociais. Vejo como se fossem avatares para as pessoas se identificarem positiva ou negativamente. Isso é bem freudiano, ao explicar que procuramos e precisamos desses líderes”

Cinthia Demaria, psicóloga

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