Margaret Attwood, autora de 'O conto da Aia', critica o movimento #MeToo

Em artigo, escritora canadense afirma que a campanha é sintoma de um sistema de justiça falido

por AFP 16/01/2018 08:56

Michal Cizek/AFP
Margaret Atwood pergunta em seu artigo: 'Aos olhos dos meus acusadores, como deveria ser uma boa feminista?'. (foto: Michal Cizek/AFP)

A escritora canadense Margaret Atwood causou polêmica neste fim de semana, após a publicação no sábado (13) de um artigo seu afirmando que o movimento contra assédio sexual #MeToo reflete uma Justiça que não funciona. “O movimento #Metoo é sintoma de um sistema judiciário falido”, escreveu ela na coluna intitulada “Sou má feminista?”, publicada no jornal Globe and Mail.

O movimento #MeToo surgiu nos Estados Unidos, na sequência de dezenas de denúncias de assédio e abusos sexuais cometidos pelo produtor Harvey Weinstein contra atrizes em Hollywood. Mulheres da indústria do cinema e de outros setores foram convidadas no Twitter a relatar se elas também haviam sido vítimas de assédio ou abuso de poder no exercício de suas profissões, usando a hashtag #MeToo (Eu Também).

 

 

A avalanche de denúncias desencadeada pelo movimento atingiu diversos outros nomes de Hollywood, levando ao afastamento de atores, produtores e diretores de projetos nos quais estavam envolvidos. Na semana passada, um grupo de 100 personalidades francesas lideradas pela atriz Catherine Deneuve publicou um artigo no jornal Le Monde criticando a onda de denúncias por seu caráter “puritano”, ao não distinguir assédio de flerte, e apontando o risco de um retrocesso nas conquistas no campo da liberdade sexual e individual. Em suma, as francesas acusaram as americanas de praticar um feminismo conservador e contrário aos ideais igualitários e libertários do femininismo do qual elas são defensoras.

ANJOS No início de seu artigo no Globe and Mail, Atwood aponta que, entre muitas outras coisas, já foi acusada de ser “má feminista”. “Minha posição fundamental é que mulheres são seres humanos, com o leque completo de comportamentos santos e diabólicos que isso envolve, incluindo os criminosos. Elas não são anjos, incapazes de comportamentos incorretos. Se fossem, não precisaríamos de um sistema legal”.

A escritora argumenta que, “com muita frequência, mulheres e outras vítimas de abuso sexual não conseguem obter uma audiência justa das instituições, incluindo as empresas, motivo pelo qual usam uma nova ferramenta: a internet”. Autora de O conto da Aia (The handmaid’s tale), romance que descreve o futuro apocalíptico de uma sociedade que transforma mulheres férteis em escravas sexuais e cuja adaptação para a TV ganhou prêmios Emmy, em setembro, e Globo de Ouro, no último dia 7, Atwood também cita episódios históricos para denunciar os riscos de uma justiça rápida e popular.

A ideia de que alguém “é culpado porque é acusado” foi aplicada durante “a Revolução Francesa, os expurgos do stalinismo na URSS, o período da Guarda Vermelha na China, a ditadura argentina ou os primeiros dias da Revolução Iraniana”.

“A sentença sem julgamento é o começo da resposta à falta de justiça. Ou o sistema está corrupto, como na França pré-revolucionária, ou simplesmente não há um, como no Faroeste. Então, as pessoas fazem justiça com as próprias mãos”, escreveu.

Elizabeth Moss, protagonista de O conto da Aia e premiada como melhor atriz no Globo de Ouro, dedicou o prêmio a Atwood, após ler no palco o trecho de um texto da escritora de 78 anos no qual ela diz que “somos as mulheres que não estavam nos textos. Vivemos no espaço em branco no limite da impressão. Isso nos deu mais liberdade. Vivemos nos vácuos entre histórias”, a atriz afirmou: “Margaret Atwood, isso é para você e para todas as mulheres que vieram antes de você e foram valentes o bastante para falar contra a intolerância e a injustiça e lutar por igualdade e liberdade neste mundo. Nós não vivemos mais no espaço em branco no limite da impressão. Nós não vivemos mais no vácuo entre histórias. Nós somos a história impressa. E nós estamos escrevendo a história nós mesmas. Obrigada”.

O artigo de Atwood suscitou diversas reações, nem todas de apoio à escritora.

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