Western brasileiro estreia na Netflix

Premiado em Gramado, o longa O matador presta tributo ao bangue-bangue italiano

por Estadão Conteúdo 14/11/2017 08:00

Alan Vecchi/divulgação
Alan Vecchi/divulgação (foto: Alan Vecchi/divulgação)
Em maio, o Festival de Cannes fez história programando um longa da Netflix, Okja, na competição. O que deveria ser celebração virou polêmica, porque a provedora de filmes e séries via streaming anunciou que não o lançaria nos cinemas, nem na França. A organização do festival alvoroçou-se. Como um concorrente à Palma de Ouro não iria para as salas de cinema? Houve réplica e tréplica. Em agosto, foi a vez de o Festival de Gramado ceder à modernidade e programar um filme cuja existência, além do festival, se daria via streaming. O matador terminou levando alguns prêmios Kikito. O longa de Marcelo Galvão está disponível on demand desde sexta-feira.

O diretor é figurinha carimbada no festival gaúcho. Levou o Kikito de melhor filme, com Colegas, em 2012, e o de direção, com A despedida, em 2015. Nenhum dos dois é unanimidade. Colegas é sobre um grupo de portadores da síndrome de Down que caem na estrada. O diferencial é a condição dos protagonistas. Fora isso, e já é muito, há que reconhecer, o filme não tem nada de especial. A despedida marcou um upgrade. Juliana Paes é a amante jovem e fogosa do velho Almirante (Nelson Xavier).

Marcelo Galvão ama o cinema popular, e seus filmes dão conta disso. “Cresci vendo bangue-bangue spaghetti, daqueles bem italianos, com meu avô. Sempre quis fazer alguma coisa naquela linha, com muita ação. Não sei se a gente pode falar em heroísmo, porque existem diversos tipos de heróis na trama, e alguns até desaparecem cedo”, diz o diretor.

O matador conta a história de Cabeleira, interpretado por Diogo Morgado. Assassino temido no interior de Pernambuco, ele foi criado pelo cangaceiro Sete Orelhas, que o encontrou, abandonado, ainda bebê. O início, muito estilizado, mostra justamente a onça ameaçando o bebê e Sete Orelhas ao salvá-lo. Passam-se os anos e Cabeleira, adulto, procura o desaparecido Sete Orelhas. Essa busca o leva à cidadezinha controlada a ferro e fogo pelo cruel monsieur Blanchard. O choque é inevitável.

CONTRASTE
O matador dividiu o público na noite de abertura de Gramado. Foi exibido, em competição, logo após João, o maestro, fora de concurso. O longa de Mauro Lima sobre o maestro João Carlos Martins é muito bem produzido, e até bem feito. Dá tratamento sóbrio à história de um obcecado por sexo. Coincidência ou não, tem muito sexo e violência em O matador, mas o tratamento é propositalmente “sujo”, não no sentido moral, mas no estético. Isso valeu acusações a Galvão. Foi chamado de “sádico”.

Qualquer pessoa que se disponha a analisar criticamente os bons westerns italianos – os dos três Sergios: Leone, Sollima e Corbucci –, há de concordar que eles subvertiam os códigos de Hollywood justamente por ser cruéis. Hollywood, por meio de Henry Hathaway, terminou por assimilar essa crueldade, especialmente em Nevada Smith, com Steve McQueen. E hoje temos Quentin Tarantino. Se O matador é sádico, o que serão Django e Os oito odiados? Altruístas é que não, com certeza.

Cabeleira, tal como é criado por Diogo Morgado, divide-se entre a brutalidade e a ternura. Para o diretor, O matador é a história de um ogro (Sete Orelhas) que se humaniza em contato com a criança. Mais tarde, e com Cabeleira, essa história de certa forma vai se repetir. “Talvez esteja aí o traço de heroísmo mais claro dessa história”, admite Galvão.

Em Gramado, O matador ganhou os Kikitos de fotografia (Fabrício Tadeu) e trilha musical (Ed Côrtes). Do elenco participa a atriz (e diretora) portuguesa Maria de Medeiros. Galvão a conheceu, ofereceu o papel e a estrela de Tarantino e Manoel de Oliveira não só aceitou, como disse que sempre quis fazer uma personagem como a que interpreta no filme brasileiro.

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