Mindhunter, série da Netflix, é uma tentativa pioneira de desvendar o perfil de um serial killer

Produzida por David Fincher, proposta consegue ser eletrizante sem cenas de ação

por Mariana Peixoto 12/11/2017 09:52
Merrick Morton/Netflix
O assassino Edmund Kemper (Cameron Britton) conta ao agente do FBI Holden Ford (Jonathan Gross) como mata suas vítimas, em cena de Mindhunter (foto: Merrick Morton/Netflix)

A cena cuja foto ilustra esta página é de arrepiar. Na penitenciária Vacaville, na Califórnia, o grandalhão Edmund Kemper (Cameron Britton, 140 quilos distribuídos em pouco mais de 2 metros), se aproxima do agente do FBI Holden Ford (Jonathan Gross). Com o dedo na jugular do policial, ele descreve como matou suas vítimas.

Para ganhar sua confiança, Ford havia pedido ao carcereiro que deixasse Kemper sem nenhuma amarra. Então, tem que aguentar, sem titubear, o contato direto com o criminoso. Este descreve, em minúcias, como sequestrou, matou e estuprou (nesta ordem) jovens estudantes. O máximo da depravação ocorreu quando matou a própria mãe, decapitou-a e violou o corpo (também nesta ordem).

Mindhunter, série em 10 episódios que a Netflix lançou em outubro, é a melhor produção desde a primeira temporada de True detective (2014) para os que gostam de um thriller inteligente, com grandes atuações e um roteiro fora do comum. Série com pedigree, tem como produtor-executivo David Fincher (Seven – Os sete pecados capitais; Clube da luta; Zodíaco), que ainda dirige os dois primeiros e os dois últimos episódios. Entre os produtores está a atriz Charlize Theron, que ganhou um Oscar interpretando justamente uma assassina (Monster, de 2003).

Mindhunter é mais uma série sobre serial killers, um tema sobre o qual a TV e o cinema se debruçam com volúpia há muitos anos. A temporada inicial – a segunda já foi confirmada para 2018 – é ambientada em 1977. A narrativa é inspirada no livro Mindhunter: O primeiro caçador de serial killers americano (Intrínseca,384 páginas), de John Edward Douglas e Mark Olshaker.

Douglas atuou durante 25 anos como analista do FBI; foi pioneiro na elaboração de perfis psicológicos de criminosos de alta periculosidade. Naquela época, ainda não existia o termo serial killer – os crimes eram tratados como “assassinatos sequenciais”.

TRIO

O que a temporada inicial de Mindhunter apresenta é justamente o início desta história. O já citado Ford, um jovem com curiosidade e destemor fora do comum, se une ao experiente policial Bill Tench (Hold McCallany) e à acadêmica Wendy Carr (Anna Torv) para desenvolver técnicas e tentar traçar perfis de assassinos. A intenção do trio é tanto fazer a primeira pesquisa do gênero na história da polícia dos EUA (algo que estava longe de ser bem-visto pelo FBI) quanto tentar antecipar crimes.

Hoje, essa é uma situação relativamente comum, na ficção e na vida real. Mas, na época, não havia nada semelhante. Para realizar sua pesquisa, os dois analistas viajam para cantos perdidos dos EUA entrevistando criminosos. Os crimes são reais – o necrófilo Kemper, responsável por 10 mortes, está na cadeia desde abril de 1973, cumprindo uma sentença de prisão perpétua sem possibilidade de condicional.

A narrativa é filmada sem pressa, com muita falação e quase nenhuma ação. Esqueça perseguições, tiros, emboscadas. A maior parte dos episódios é ambientada em penitenciárias, delegacias ou no sótão no prédio do FBI que cabe aos agentes. São longas conversas, a maior parte delas conduzida pelo implacável Ford, que não se furta a abrir a própria vida (ora criando situações, ora falando a verdade) para ganhar intimidade com os entrevistados.

Cada episódio tem ainda um prólogo que apresenta, em poucos minutos, um homem em situações dúbias. Ele não faz parte da história principal, o que vai deixando o espectador com a pulga atrás da orelha até o derradeiro episódio. Contar mais não é justo com ninguém que ainda não tenha assistido à série. Basta dizer que o fim da primeira temporada atinge os maiores níveis de tensão vistos este ano na produção televisiva. E isto acontece apenas com o poder das palavras, de grandes atores e de uma direção irretocável.


SERIAIS EM SÉRIE   
 Confira diferentes perfis de matadores em produções para a TV


Incansável
Um serial killer por episódio há 13 longos anos. Criminal minds,  a mais serial das produções sobre serial killers, popularizou o gênero. Mas com tantos anos no ar e perdas substanciais no elenco (a mais recente foi Thomas Gibson, o chefão da equipe do FBI especializada em fazer perfis dos criminosos) a produção já teve dias melhores. As histórias vêm se repetindo, e as soluções para os crimes estão cada vez mais inverossímeis.

. Onde assistir: O canal AXN estreia amanhã, às 22h, o 13º ano. Temporadas anteriores na Netflix e Claro Video

Robin Hood

Um serial killer que mata... serial killers. É este o mote da finada Dexter (2006/2013), um thriller com boas doses de humor negro. Dexter Morgan (Michael C. Hall) é um analista forense da polícia de Miami que à noite sai no encalço de criminosos que a mesma polícia não consegue levar para a justiça. A produção foi criada a partir de uma série de livros de Jeff Lindsay, que lançou oito títulos.

Histórico
Norman Bates é pioneiro entre os serial killers. “Nasceu” pelas mãos do escritor Robert Bloch em 1959, mas foi eternizado um ano mais tarde no clássico Psicose, de Alfred Hitchcock. Depois de diferentes versões, ele ganhou uma atualização para a TV. Bates Motel (2013/2017) mostrou a juventude do personagem, a forte influência que sua mãe exerceu para que ele se tornasse quem se tornou. A cantora Rihanna encarnou Marion Crane, a mais célebre das vítimas do personagem.

. Onde assistir: Canal Universal, Netflix e Claro Video (as quatro primeiras temporadas)

Pavão
The following (2013/2015) marcou a estreia de Kevin Bacon como protagonista de uma série. Ele, no caso, era o mocinho, um detetive traumatizado por sua busca pelo assassino de mulher, Joe Carroll (James Purefoy). Este era um serial killer bonitão e egocêntrico, um professor de literatura obcecado por Edgar Allan Poe. A primeira temporada é muito boa; as outras vão decaindo até resvalar em grandes clichês do gênero.

. Onde assistir: Netflix

Galã

Jamie Dornan só se tornou o Christian Grey da franquia Cinquenta tons de cinza graças ao serial killer Paul Spector. A produção britânica The fall (2013/2016) explora a estranha relação do sedutor assassino de mulheres com a policial Stella Gibson (Gillian Anderson). A primeira temporada, a melhor delas, exibe a história sob o ponto de vista do assassino e de sua perseguidora. Infelizmente, o desfecho, lançado em 2016, foi sofrível.

. Onde assistir: Netflix

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