Ansiedade e depressão batendo recorde no Brasil

Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o 5º mais depressivo, segundo a OMS. Mesmo assim, esses problemas são frequentemente tratados como tabu

Maisa Borges/Pexels
(foto: Maisa Borges/Pexels)

Transtornos mentais são síndromes caracterizadas por perturbações consideradas clinicamente significativas na percepção, no emocional e no comportamental de um indivíduo, que podem ter impactos drásticos na vida das pessoas que os possuem.

A ansiedade e a depressão são ambos transtornos mentais que frequentemente andam juntos, pois pessoas que têm depressão acabam por desenvolver ansiedade e o contrário também é verdadeiro.

Apesar de possuirem causas, sintomas e tratamentos diferentes, ambas fazem com que o indivíduo tenha prejuízos na sua rotina social, profissional e comportamental.

A depressão não escolhe cor, não escolhe sexo, não escolhe classe social, mas é duas vezes mais comum nas mulheres e podeser considerada o mal do século 21. As pessoas entendem que ansiedade significa impaciência, desejo que algo aconteça logo, quando na verdade é muito mais do que isso.

Ela é um sentimento ligado à preocupação, nervosismo e medo decorrente de uma reação que todo indivíduo experimenta diante de algumas situações do dia a dia, como falar em público, expectativa para datas importantes, entrevistas de emprego, vésperas de provas, exames de saúde, entre outras.

Trata-se de uma resposta do corpo vinda do sistema nervoso autônomo, que age independente do nosso pensamento racional, como se fosse um reflexo.

A porção simpática, que tem reações de resposta ao estresse, prepara o corpo para fugir ou lutar em uma situação de perigo. Para isso temos a liberação de adrenalina, que causa reações como acelerar os batimentos cardíacos e contrair os vasos sanguíneos, melhorando a circulação, dilatar os brônquios para aumentar a respiração e o consumo de oxigênio, diminuir a motilidade do intestino para guardar energia para outras ações, dilatar as pupilas para melhorar a visão, mesmo em pouca luz, e aumentar a liberação da glicose no sangue para dar mais energia às células.

A liberação do cortisol também ocorre nesse processo, o que traz alguns outros impactos ao corpo, como aumento da gordura corporal, inibição do muco da parede gástrica, diminuindo a sua proteção e provocando fadiga no cérebro.

Na pandemia, algumas pessoas vivenciaram essa reação de forma mais presente e intensa, o que acabou comprometendo a saúde emocional e gerando sintomas.

Dentre os vários sintomas compatíveis com ansiedade, temos a insônia, a falta de ar ou respiração ofegante, o ataque de pânico, tremores, preocupação excessiva, inquietação, tensão muscular, dor no peito, batimentos cardíacos acelerados, problemas digestivos, alterações no apetite, medos irracionais, pensamentos obsessivos e distúrbios sexuais.

A ansiedade excessiva pode se tornar uma doença (CID-10, F41.1), conhecida como transtorno de ansiedade generalizada (TAG).

Na TAG a pessoa não consegue relaxar, pois apresenta preocupação excessiva com a vida e em relação a tudo que envolve sua rotina: estudos, vida profissional, condições de saúde e segurança dos amigos e familiares.

Outros tipos de ansiedade são o transtorno obsessivo compulsivo (TOC), que é associado a ações repetidas, rituais compulsivos e situações marcadas por ideias obsessivas, a fobia social, que é caracterizada pelo medo intenso e desmedido de algo que não existe ou que nem mesmo representa perigo.

Temos ainda a síndrome do pânico, que pode ser desencadeada por diferentes fatores, mas geralmente ocorre sem nenhum motivo aparente, a ansiedade por estresse pós-traumático, que resulta da ocorrência de flashbacks e pesadelos que geraram um evento traumático no passado.

Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), em 2021, confirmou o aumento de casos de doenças mentais com a pandemia.

De acordo com a pesquisa, o Brasil lidera com mais casos de ansiedade (63%) e depressão (59%), seguido, respectivamente, da Irlanda e dos Estados Unidos.

Um outro estudo desenvolvido em conjunto pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) constatou que 40,4% dos brasileiros participantes do estudo estavam tristes ou deprimidos, e 50,6% ansiosos ou nervosos durante a pandemia.

De acordo com dados apresentados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), o Brasil é o país mais ansioso do mundo, com 9,3% da população ansiosa, aproximadamente 19,4 milhões de pessoas.

A conjuntura política, social e econômica do Brasil tem se apresentado complicada no pós pandemia, devido a uma recuperação lenta da economia, diante de uma inflação elevada, associado às incertezas políticas decorrente das eleições e do cenário mundial de guerra.

Não se sabe ao certo por que algumas pessoas são mais propensas à ansiedade descontrolada do que outras. Alguns dos fatores que podem estar envolvidos nisso são a genética, o ambiente, a mentalidade, o modelo de pensamento e as doenças físicas.

Entre as doenças físicas que podem estar relacionadas à ansiedade, encontramos os problemas cardiovasculares, as doenças hormonais, os problemas respiratórios, as dores crônicas, o abuso de drogas, álcool ou medicações como os benzodiazepínicos, que devem ser pesquisados quando indicado.

Vale destacar que os sintomas desses tipos de ansiedade podem ser confundidos, daí a importância do apoio de um profissional especializado para receber um diagnóstico diferenciado e realizar o tratamento mais adequado.

Os profissionais da área contam com ferramentas para realizar o diagnóstico, orientar a terapêutica e ajudar no acompanhamento do paciente.

Uma das ferramentas é a escala de depressão de Beck, ou inventário de depressão de Beck, criada por Aaron Beck que consiste em um questionário de auto-relato com 21 itens de múltipla escolha.

Existem três versões da escala: a BDI original, publicada em 1961, a revisada de 1978, e a publicada em 1996, sendo um dos instrumentos mais utilizados para medir a severidade de episódios depressivos.

Seu desenvolvimento marcou uma mudança entre os profissionais de saúde mental, que até então entendiam a depressão em uma perspectiva psicodinâmica, ao invés de enraizada nos próprios pensamentos dos pacientes (cognição).

Na sua versão atual, o questionário é desenhado para pacientes acima de 13 anos de idade e é composto de diversos itens relacionados aos sintomas depressivos, como desesperança, irritabilidade e cognições, como culpa ou sentimentos de estar sendo punido, assim como sintomas físicos como fadiga, perda de peso e diminuição da libido.

O questionário DASS-21 (Depression, Anxiety and Stress Scale) é um teste de depressão, ansiedade e estresse, que mede os níveis desses transtornos a partir de comportamentos e sensações experimentados nos últimos sete dias.

Ele tem 21 perguntas e leva cerca de 3 minutos para ser respondido, foi desenvolvido na Austrália e possui capacidade de mensurar simultaneamente e distinguir a depressão, a ansiedade e o estresse.

Trabalhos compararam as propriedades psicométricas do DASS-21 com as Escalas de Beck para ansiedade e depressão, obtendo resultados semelhantes na comprovação das análises fatorial exploratória e confirmatória.

O DASS fornece o ponto de partida e aponta a direção a tomar, embora o questionário não seja concebido como uma ferramenta diagnóstica, pois uma série de sintomas típicos da depressão (alterações no sono, no apetite e o surgimento de distúrbios sexuais) não são cobertos por ele e precisam ser avaliados de forma independente.

No caso das mulheres, muitas disfunções do aparelho reprodutor feminino são resultantes de altos níveis de ansiedade, como a candidíase, o herpes e as irregularidades menstruais.

A infertilidade decorrente do mal funcionamento hormonal ocorre devido a alteração do funcionamento ovariano, que é controlado pelo eixo hipotálamo-hipófise e ovário.

Em cada pico de estresse, há um pico de adrenalina e, consequentemente, um estímulo hormonal inadequado, gerando alterações menstruais, alterações na ovulação e da imunidade, que está por trás de várias doenças na mulher.

A endometriose, considerada a doença da mulher moderna, consiste na presença de endométrio fora da cavidade uterina, decorrente muitas vezes do refluxo menstrual que não consegue ser eliminado devido a defeitos na autoimunidade.

As mulheres portadoras da endometriose apresentam um perfil próprio publicado pelo doutor Jorge Safe há mais de 30 anos.

A ansiedade é umas das caracteristicas desse perfil, conforme trabalho realizado por nós, que constatou que as mulheres com endometriose em relação ao grupo controle eram 55 vezes mais ansiosas, 29 vezes mais ansiosas em conquistar as coisas de forma rápida e 22 vezes mais preocupadas em fazer as coisas de forma perfeita e individual.

O perfeccionismo é considerado um traço da personalidade que compreenda a busca constante pela perfeição, desde o trabalho até as ações, estabelecendo padrões elevados para qualquer atividade ou prática do dia a dia.

O perfeccionismo também pode prejudicar de diferentes formas. Uma delas é a busca cega pela perfeição que influencia negativamente o estado mental e emocional. Não raro pessoas perfeccionistas desenvolvem depressão, ansiedade, insônia e distúrbios alimentares.

Os desafios do controle da ansiedade começa com a descoberta dos gatilhos emocionais, que podem ser identificados por conta própria ou com ajuda do terapeuta.

Existem três tipos de tratamento para os transtornos de ansiedade, como o uso de medicamentos (sempre com acompanhamento e receita médica), a psicoterapia com psicólogo ou com médico psiquiatra, ou a combinação de ambos.

Muitos desses distúrbios não precisam de medicamentos, salvo quando o caso é muito grave ou se há sintomas de depressão.

Posturas corporais, exercícios respiratórios, relaxamentos e meditação são algumas das ferramentas que o yoga oferece para combater a ansiedade.

A combinação dessas técnicas ajuda a mudar o padrão respiratório, acalmar os pensamentos e diminuir as reações do corpo.

A meditação ajuda a lidar com as preocupações e as emoções, através do controle da respiração e da atenção plena ao momento presente.

Para meditar, não é preciso sentar em um ambiente silencioso e esvaziar a mente: o hábito pode ser aplicado nas atividades diárias.

Padmasana é uma postura que acalma o cérebro e favorece a concentração ao estimular a pélvis, a coluna, o abdômen e a bexiga, alongando os tornozelos e os joelhos.

As técnicas da hipnose utilizam a mudança do estado de consciência para reduzir a ansiedade, mas requerem avaliação caso a caso.

Imagine prestar total atenção àquilo que você está fazendo no momento: dirigir focado na estrada, observar a mastigação enquanto come... É isso o que o mindfulness propõe para afastar a ansiedade.

As picadas de agulha também podem ser aliadas no tratamento contra a ansiedade. Por meio do estímulo de pontos específicos do corpo, a acupuntura leva à liberação de neurotransmissores naturais do organismo, como a endorfina e a serotonina.

Algumas vertentes do budismo incluem mantras que ajudam o praticante a se concentrar e evitar aflições sobre o futuro.

Recitar o mantra em voz alta, com atenção, repetidas vezes e em ritmo constante, também é uma das formas de se atentar ao momento presente.

Tomar medidas para reduzir o estresse no trabalho ou em casa pode ser um primeiro passo e pode ajudar todas as pessoas, em especial as mulheres, geralmente mais sobrecarregadas com as demandas do mundo atual e da sociedade.

*Gustavo Safe é diretor do grupo formado pelo Centro Avançado em Endometriose e preservação da fertilidade, Ovular fertilidade e menopausa e Instituto Safe. Estudioso dos assuntos relacionados à saúde da mulher com enfoque na ginecologia integral e funcional, câncer, dor pélvica e infertilidade.