Mitos e verdades sobre o câncer de mama

O esforço de compartilhamento de informações corretas só faz sentido se resultar em mais mulheres fazendo a prevenção

Peter Boccia/Unsplash
(foto: Peter Boccia/Unsplash)

Iniciamos o Outubro Rosa 2021 e chega o momento de tentarmos, com o maior volume de informações confiáveis, conscientizar a população sobre a importância da prevenção primária do câncer de mama. Isso somente é possível com adoção de hábitos de vida e comportamentos mais saudáveis e por meio da prevenção secundária, incluindo as consultas médicas de rotina com ginecologista e/ou mastologista, e os exames de rastreamento. Muito se fala sobre isso. No entanto, em meio a inúmeras informações corretas, incorrem ainda algumas inverídicas. Por isso, hoje vou chamar atenção para alguns mitos e também verdades (que podem ser tidas como mitos por algumas pessoas).

Para começar, destaco um preconceito antigo, a crendice de que o câncer é contagioso. Não é. Desenvolve-se em cada pessoa em virtude de alterações genéticas induzidas, resultantes de fatores diversos, como hábitos de vida, exposição a substâncias cancerígenas, questões hormonais, pela hereditariedade de genes defeituosos e pelo próprio envelhecimento das células. Apesar de sabermos que algumas pessoas estão expostas a fatores de risco determinantes, não é possível saber exatamente quem irá desenvolver o câncer de mama. Por isso, o correto rastreamento é fundamental para identificar a doença precocemente. Somente a prevenção e rastreamento podem ajudar.

Outra ideia, mais ou menos nesse sentido, é a de que o câncer seria um castigo. Aqui, não tenho objetivo de avançar e contradizer crenças religiosas. Mas, com base nos dados científicos, observamos que as causas do câncer, em boa parte, são identificáveis e evitáveis. E é com essa ideia que devemos trabalhar com o intuito de promover a saúde da mulher: é possível adotar hábitos de vida ou medidas comportamentais que reduzem o risco de aparecimento do câncer de mama (prevenção primária), mas que podem ter um impacto imprevisível. É importante também manter o rastreamento em dia para identificar a doença em fase precoce, o que chamamos de prevenção secundária.

Falando de forma resumida, é importante observar que o desenvolvimento do câncer, chamado carcinogênese, ocorre devido a alterações genéticas relacionadas ao funcionamento das células. Nesse sentido, é um mito que traumas físicos, causados, por exemplo, por uma pancada na região das mamas, sejam responsáveis pelo aparecimento da doença. Não há nenhuma evidência científica para apoiar essa ideia. Entretanto, os machucados, hematomas, crescimento anormal e outros sinais que apareçam nas mamas devem motivar a mulher a buscar ajuda médica especializada o mais rápido possível, a fim de que seja esclarecida essa alteração.

Em outra frente, vemos que a estratégia de chamar atenção para grupos de risco resultou na falsa ideia de que as mulheres em geral não devem se preocupar. Uma dessas ideias é a de que, se não tiver casos de câncer na família, a mulher não precisa manter a rotina de rastreamento. Esse é um grande e perigoso mito. As mulheres com câncer de mama hereditário são a minoria entre os casos da doença. Ou seja, na maior parte das vezes, aquela mulher será a primeira a desenvolver a doença na família.

Por isso, é tão importante que todas as mulheres façam o rastreamento adequadamente, conforme sua faixa etária e protocolo recomendado. Uma perspectiva futura pode ser que venhamos a adequar o rastreamento de maneira personalizada, modulado para cada indivíduo de acordo com características pessoais, como a história familiar e fatores comportamentais a que somos expostos. Os principais fatores de risco incluem obesidade, sedentarismo, alcoolismo, alimentação desequilibrada e rica em gorduras, questões hormonais e o envelhecimento.

Contudo, é fato que, havendo casos de câncer de mama na família, essa mulher deve receber um protocolo específico de prevenção. Em torno de 15% dos casos de câncer de mama são causados por fatores hereditários. Nesses casos, o câncer tende a se desenvolver mais precocemente. Por isso, é indicado que a mulher inicie o rastreamento cerca de 10 anos antes da idade que a parente mais próxima teve a doença. Na população de risco habitual, segundo as recomendações das Sociedades Médicas (SBM - FEBRASGO - CBR), o rastreamento deve ser iniciado aos 40 anos e repetido anualmente.

Tem circulado pelas redes sociais vídeos de pessoas indicando a não realização do autoexame, uma atitude temerária e na contramão do que defendem muitos órgãos de saúde. Apesar de sabermos que o autoexame isoladamente não traz impacto na redução da mortalidade pelo câncer de mama, é importante a sua realização periódica. Muitas vezes, durante o autoexame realizado entre uma consulta de rotina e outra, algumas mulheres descobrem algum nódulo que pode ser uma lesão pré-cancerígena ou uma doença benigna ou até mesmo um câncer. De toda forma, será necessária a avaliação médica para confirmar o diagnóstico e iniciar o tratamento, se necessário. Devemos lembrar que, num país em que boa parte da nossa população não tem acesso aos exames de rastreamento na idade e no intervalo recomendado, o autoexame desempenha um papel fundamental nessa estratégia.

Apenas reforçando, o autoexame é um cuidado adicional, que não substitui, de forma alguma, as consultas médicas e os exames de rastreamento. O protocolo indicado é a realização da mamografia periodicamente de acordo com a sua faixa etária, a visita ao médico ginecologista e/ou mastologista anualmente, sendo a realização do autoexame, todos os meses, um cuidado adicional. Além disso, a mamografia pode ser complementada com outro exame de imagem em casos específicos.

Outra verdade, embora não seja um fator controlável dentro das mudanças culturais evidenciadas nos últimos séculos, é a relação entre a maior incidência de câncer entre mulheres que não amamentaram ou não têm filhos, ou têm a prole reduzida. Os dados da literatura mostram um possível papel que a amamentação prolongada e efetiva tem na proteção contra doenças, como câncer de mama, ovário e endométrio, osteoporose e doenças cardiovasculares, como o infarto.

Esse efeito protetor ocorreria devido à renovação de células que poderiam gerar lesões no material genético, bem como pela redução das taxas de determinados hormônios que favorecem o desenvolvimento do câncer de mama, dentro de um período específico na idade da mulher (a chamada janela de risco). Os benefícios parecem ser maiores se a gestação for antes dos 30 anos de idade, com maior período de aleitamento e com uma prole maior. No entanto, existem vários outros fatores que levam ao câncer e isso não ocorre de uma maneira isolada. Somente o fato de amamentar não determina prevenção.

Dito tudo isso, é importante que as mulheres entendam a importância de manterem suas rotinas médicas em dia, bem como a realização dos exames de mamografia e outros que forem indicados. O esforço de compartilhamento de informações corretas só faz sentido se resultar em mais mulheres fazendo a prevenção. Façam a parte de vocês: cuidem-se.