Adultos jovens portadores de câncer possuem taxas consideráveis de mutações germinativas

Dados encontrados em pesquisa implicam a possibilidade de acesso a tratamentos mais personalizados e de precisão como imunoterapia e drogas alvo-moleculares, além de cuidados mais intensivos e precoces na prevenção e rastreamento

Gerd Altmann/Pixabay
(foto: Gerd Altmann/Pixabay )

Utilizar informações sobre a ocorrência do câncer para entender as particularidades da doença é fundamental para oferecer ferramentas mais personalizadas e precisas para os pacientes. A ciência já comprovou que se trata de uma anomalia genética complexa, que se comporta de forma diferente em cada paciente.

Neste sentido, uma pesquisa recente demonstrou que adultos jovens (de 18 a 39 anos)  com ''câncer de início precoce'' apresentam uma alta prevalência de mutações na linha germinativa (herdadas), aumentando o risco de outros cânceres além do primeiro contraído. 

Os dados foram apontados em uma revisão, com 1.200 pacientes, durante a reunião virtual da Associação Americana de Pesquisa do Câncer (AACR) de 2020.  

Essa revisão debruça-se sobre as informações existentes sobre pacientes mais jovens com câncer de início precoce, que é um subgrupo distinto em comparação a outros tipos. Embora alguns tipos de câncer sejam mais tipicamente observados em adultos jovens, como sarcoma, câncer testicular e câncer no cérebro, os cânceres tipicamente diagnosticados em adultos mais velhos, incluindo mama, cólon, pâncreas, rim, próstata e ovário, são extremamente raros nesses jovens e são o que classificamos como câncer de 'início precoce’. 

Os dados mostraram que 21% dos pacientes com câncer de início precoce apresentavam mutações na linha germinativa em comparação com 13% dos pacientes com início de câncer dentro da faixa etária normal do tipo de câncer. 

O subgrupo com câncer de início precoce também teve prevalência significativamente maior de variantes patogênicas de penetrância intermediária e alta, o que significa maior probabilidade de o portador desenvolver câncer.

O estudo demonstrou  que a prevalência de Síndromes Herdadas de Predisposição ao Câncer em adultos jovens com câncer não é uniforme. Os autores encontraram  uma prevalência muito alta de mutações na linha germinativa em pacientes jovens com tipos de câncer que geralmente se apresentam em idades posteriores.
 
Por outro lado, no restante dos pacientes do grupo adultos jovens com câncer,  a prevalência de mutação na linha germinativa foi menor, com a prevalência e o espectro de mutações semelhantes às populações de câncer pediátrico.

Os resultados sugeriram, então, que, entre pacientes com câncer de início precoce, o aumento da prevalência de mutações na linha germinativa apoia a indicação de testes  genéticos de triagem, independentemente do tipo de tumor.

A diferença na prevalência de mutações na linha germinativa entre os dois grupos de pacientes foi considerável, sendo que as consequências desta descoberta vão além dos testes e aconselhamento genéticos. Atualmente, existem implicações de tratamento para esses indivíduos que podem variar do acesso à imunoterapia com inibidores dos pontos de checagem imunológica, se as mutações ocorrerem em alta quantidade (carga mutacional tumoral), ou até a utilização de drogas alvo-moleculares, caso as mutações sejam passíveis desse tipo de abordagem. O exemplo são as mutações nos genes de recombinação homóloga, como os BRCA1 e 2. 
 
Além disso, saber se o câncer do paciente ocorreu no contexto de uma Síndrome de Predisposição ao Câncer Hereditário pode ter um grande impacto no manejo clínico, variando de vigilância aumentada, cirurgia profilática para redução de risco (como remoção preventiva de ovários, mamas, tireoide, intestino grosso ou estômago) e implicações reprodutivas para alguns pacientes.

São novas informações como essas que, desde as primeiras aplicações da genética na oncologia, me fizeram me apaixonar e me dedicar à área. Afinal, dominar os conhecimentos da oncogenética e oncongenômica, sem dúvidas, é o que nos permite vislumbrar um futuro com menor incidência e até mortalidade por essa doença, somado, claro, às necessárias mudanças de hábitos de vida da população. E para os leitores que eventualmente tenham maior interesse em saber detalhes do estudo, compartilho abaixo algumas dessas informações.


Características da pesquisa


O estudo incluiu 1.201 pacientes, na faixa etária de 18 a 39 anos, tratados, entre 2015 e 2019, dentro de protocolos que permitiram o perfil somático de tumores e a análise da linha germinativa com o consentimento apropriado. As amostras de tumor foram analisadas por meio de um ensaio de 88 genes de próxima geração (NGS). 

A população do estudo compreendeu 877 pacientes com “câncer de início precoce” e 324 com câncer mais típico de “adultos jovens”. O câncer de mama (39%) e colorretal (20%) foram responsáveis %u200B%u200Bpela maioria dos cânceres de início precoce, seguidos pelos cânceres de rim, ovário e pâncreas, responsáveis %u200B%u200Bpor 6% cada. No subgrupo de câncer adulto jovem, o sarcoma (36%) e o de cérebro (23%) representaram a maioria dos tipos de tumor, seguidos pelos testículos (17%), tireoide (9%) e colo do útero (9%).

Os resultados do NGS mostraram prevalência significativamente maior de possíveis mutações na linha germinativa patogênica / patogênica (LP / P) nos pacientes com câncer de início precoce. Ainda neste grupo, 15% apresentaram variantes patogênicas de penetrância intermediária / alta versus 10% entre os pacientes com câncer mais comuns antes dos 40 anos (P = 0,01).

No grupo de início precoce, os genes mutados mais comumente foram BRCA1 / 2 (4,9%), genes associados à síndrome de Lynch (2,2%), ATM (1,6%) e CHEK2 (1,7%).  No grupo de câncer adulto jovem, as mutações foram encontradas com mais frequência em TP53 (2,2%) e SDHA / B (1,9%). Os adultos jovens, definidos entre 18 e 39 anos, representam cerca de 4% de todos os cânceres.
 

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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