Mudanças nos cuidados com o recém-nascido geram atrito na relação entre mães e avós

Avanços na medicina mostram que práticas utilizadas há algum tempo já não são tão eficazes e, muitas vezes, podem ser até perigosas

por Alessandra Alves 29/07/2019 07:00
Pixabay/Reprodução
(foto: Pixabay/Reprodução)
Enfaixar o umbigo? Não pode. Funchicória? Melhor evitar. Chá? De jeito nenhum. Água? Também não. Deitar de bruços? Põe em risco a vida da criança. Andador? Pode ter traumatismo craniano. Talco? Provoca síndrome respiratória, resseca e pele e pode causar câncer! 

Se você tem por volta de 30 anos e é mãe de primeira viagem, provavelmente sabe de todas essas coisas. Agora, se você tem mais de 40, deve ter caído para trás ao ler as linhas acima e há grandes chances de ter pensado em voz alta, enquanto lia: "Fiz tudo isso com meu filho e ele não morreu!". De fato, a repórter que lhes escreve passou por quase todos esses procedimentos quando era bebê e está aqui, 'vivinha da silva', para contar história. Mas, se ao longo dos anos a medicina avança com o intuito de melhorar a vida das pessoas, por que insistir em métodos hoje vistos pelos médicos como desatualizados ou até prejudiciais? A verdade é que todas essas mudanças têm gerado pane na relação entre as novas mães e suas respectivas genitoras e sogras. 

Na maior parte das vezes, os conselhos são bem-intencionados ou até solicitados. Noutras, chegam com ar de superioridade e minando a segurança da nova mãe, já devastada pelo puerpério. Foi o que ocorreu no nascimento da primeira filha da professora Carolina Hastenreiter, de 31 anos. Desde a gravidez, ela começou a se desentender com a sogra, que, diferentemente da sua mãe - com comportamento mais discreto -, interferia bastante nos assuntos relacionados à criação de Sofia, hoje com 6 anos. "Se a Sofia chorava, ela já queria pegar e resolver na minha frente. Eu não podia tentar pegar minha filha, que ela já me empurrava, literalmente", conta Carol, acrescentando, ainda, o que sempre ouvia: "Ela dizia que sabia mais do que eu, porque já tinha criado três filhos e eu não sabia de nada". 

Jair Amaral/EM/D.A Press
O médico Mateus Coutinho alerta que é bom verificar a procedência dos conselhos e conversar sempre com o pediatra (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Avanços


O médico pediatra Mateus Salzgeber Coutinho concorda que os cuidados com o recém-nascido mudaram bastante de 30 anos pra cá. Ele atribui essas mudanças ao avanço da tecnologia e também aos estudos direcionados à área da pediatria. "Por um lado, há cada vez mais oferta de novos produtos na linha de cuidados do recém-nascido, bem como a popularização desses produtos. E, de outro, um entendimento geral menos intervencionista no binômio materno-infantil desde o nascimento", explica. 

Para Coutinho, a inclusão da figura paterna nos cuidados com o bebê também foi uma mudança bastante significativa ao longo desse período. "Outro ponto importante foi a dinâmica familiar, que mudou muito. Cada vez mais, os homens estão introduzidos e participativos nos cuidados com os filhos. As tarefas costumam estar mais divididas entre o casal, o que é muito positivo", reflete. Uma evolução incontestável, de fato, mas que também provoca reações das avós. Afinal, estaria o pai de um recém-nascido habilitado a cuidar dele sozinho? A resposta dos pediatras é unânime em dizer que sim. Mas, na prática, as avós exigem um pouquinho mais. 

Respeito e muito diálogo 


Arquivo Pessoal
A psicóloga Marli Amaral com a filha, Ana Luiza, o genro, Carlos Humberto, e a neta Isabella (foto: Arquivo Pessoal )
A psicóloga Marli Amaral estreou no papel de avó há pouco mais de dois anos, quando nasceu a neta Isabella. Para ela, os pais de primeira viagem estão tão preparados quanto as mães, mas para assumir o papel sozinhos é preciso, ao menos, se sentirem seguros. Não foi o que aconteceu com o genro dela no nascimento de Isabella. Segundo a psicóloga, até cair o umbiguinho, só ela deu banho na bebê. "Era muito assumido por ele que ele não sabia lidar com ela. Então ele se entregava às minhas orientações e, aos poucos, foi aprendendo a cuidar da filha. Hoje ele já tem mais firmeza, questiona ou faz do jeito dele, mas ainda me pergunta quando tem dúvida", garante. 

Sobre a relação com a filha dela diante do nascimento de Isabella, Marli conta que os primeiros meses foram um pouco conturbados, justamente porque ela aparentava mais segurança para cuidar da bebê, enquanto a mãe - vulnerável por conta de tantas mudanças e inundada pelas emoções desordenadas do puerpério - agia com alguma hesitação. "Ela ficava um pouco intimidada, enciumada, apesar de não expressar isso verbalmente. Eu percebia nos olhares, no jeito de se comportar comigo", conta, acrescentando que conseguiram resolver essas diferenças à base de muito diálogo. Ela considera que, neste caso, o primeiro passo deve ser dado pela avó. 

"Depende muito mais da avó do que da filha. Porque a avó tem mais experiência. Ela sabe o que foi isso pra ela. É um momento muito delicado, um ser que depende inteiramente da gente, tão pequenininho. Então acho que é possível driblar as diferenças com muita conversa entre as partes", garante a psicóloga, acrescentando que a ausência de diálogo pode até romper uma relação entre mãe e filha. 

Leite de vaca preta


Se existe desconforto em lidar com os conselhos, repreensões e, às vezes, intrometimentos da mãe, que dirá atravessar os primeiros dias com seu bebê ao lado da sua sogra. No caso de Maria*, a relação ficou tão insustentável, que ela preferiu não se identificar nesta reportagem e aceitou somente contar sua história. Ela tem duas filhas, sendo a primogênita do primeiro casamento e a caçula, do segundo. Mesmo não sendo mãe de primeira viagem, afirma ter sofrido com a insistência da sogra em opinar sobre como criar as meninas. "Quando comecei a dar Aptamil pra minha filha, meu peito estava empedrando. Nesse dia eu fiquei muito fraca, mas minha filha aceitou superbem", conta. Apesar disso, a mãe do marido não aceitou a introdução de fórmula na alimentação da neta. 

"Ah, você tem que dar leite pra ela é leite de vaca. Eu criei meus filhos todos com leite de vaca. E tem que ser de vaca preta. Tem que procurar uma vaca preta pra dar o leite pra ela", dizia a sogra. Maria conta que na região onde vive realmente existem pessoas que vendem "leite de vaca preta", mas que ela não confia. Considera o leite de vaca muito forte, por isso decidiu não dar. Dias depois após a introdução da fórmula, a filha teve um curto episódio de diarreia. Não demorou até que a sogra culpasse o leite. "Ela dizia que não precisava levar minha filha ao médico, que pediatra não sabe de nada. Que era só dar leite de vaca, adoçado ou com Mucilon, por conta e risco dela", conta. 

De fato, bebês nascidos há mais tempo eram nutridos com leite de vaca nos primeiros meses de vida. Algumas mães colocavam um pouco de açúcar, mel ou outros complementos, como aveia e outras farinhas engrossantes. A prática ainda é comum em determinadas famílias e especialmente em cidades do interior e zonas rurais. Mas segundo os pediatras, deve ser evitada. "No geral, a redução da ingestão de açúcares tem sido preconizada em todas as idades, inclusive entre os adultos. A grande oferta calórica na alimentação industrializada nos traz alguns problemas que antes não eram tão frequentes, e também porque não eram investigados", explica o pediatra Mateus Coutinho. 

*Nome fictício 

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal )
Quatro perguntas para... 

Amanda Coelho Goulart, pediatra e educadora parental em disciplina positiva 


1) Muita coisa mudou nos cuidados com o recém-nascido de 30 anos para cá. O que você considera mais importante em relação a essas mudanças? 

Essas mudanças foram fruto de muito estudo. A evolução tecnológica e científica na área da pediatria levou, principalmente, à redução da taxa de morbimortalidade neonatal e infantil e aumento da sobrevida dos prematuros. 

2) Você pode listar ao menos três métodos que eram usados há algum tempo e foram abandonados pela medicina? 

Há mais tempo era recomendado que o bebê fosse colocado para dormir no berço em decúbito lateral (de lado). Nos últimos anos, houve mudança dessa recomendação: agora todos os bebês devem ser colocados para dormir de barriga para cima – isso contribuiu para a redução de mais de 50% dos casos de síndrome da morte súbita dolactente. Outra mudança também ocorreu na introdução alimentar, que antes se iniciava antes dos 6 meses de vida, e que era feita em forma de sopinhas bem líquidas. Além disso, o uso de sucos e leite de vaca com açúcar nos primeiros meses de vida eram práticas costumeiras e liberadas. Hoje em dia, a recomendação é iniciar a introdução alimentar após 6 meses de vida, com alimentos separados e sem liquidificar; além disso, os sucos só estão indicados para maiores de 1 ano de idade. Há algum tempo também o uso de andadores era liberado e muitas crianças o utilizaram, mas hoje em dia é proibido. O andador atinge uma velocidade elevada e pode virar facilmente ao esbarrar com objetos pelo chão – por isso, ele é uma das principais causas de traumatismo cranioencefálico nos pequenos. 

3) O que você considera proibidíssimo hoje e que era comum na criação dos filhos há 20 anos? E por quê? 

O pediatra tem o dever de informar aos pais e cuidadores o que é a recomendação mais correta e mais atualizada a ser seguida na criação dos seus filhos, como, por exemplo, a introdução de sucos após 1 ano de idade, ou a introdução do açúcar após 2 anos de idade - estudos evidenciaram que a introdução precoce desses alimentos aumenta o risco de obesidade, por exemplo. Mas vamos a algumas práticas que eram comuns há alguns anos e que hoje em dia são proibidas:

- Uma delas é o uso de faixa ao redor do umbigo do recém-nascido para diminuir a chance de hérnia umbilical (umbigo estufado para fora). Essa prática é proibida atualmente - além de não ter nenhuma evidência científica, o recém-nascido utiliza a musculatura abdominal para respirar e, portanto, quando o abdome é comprimido por faixas, os movimentos respiratórios ficam prejudicados.

- Outra prática costumeira era o uso de álcool para reduzir a febre – tanto na água da banheira como em compressas. A questão é que o álcool pode ser facilmente absorvido pela pele do bebê, podendo levar a uma toxicidade sistêmica, sendo também algo proibido hoje em dia.

– O uso de mel para menores de 1 ano, atualmente, também é proibido. Antes, essa prática ocorria, mas hoje sabe-se do risco de adquirir botulismo nessa faixa etária por meio do mel. 

4) Por fim, criar filhos hoje é mais fácil ou mais difícil que antigamente? 

Com todas as oportunidades de conhecimento e orientação fácil via internet, produtos modernos que ajudam nos cuidados diários com o bebê (por exemplo: babá eletrônica, fraldas descartáveis), contato fácil com o pediatra por meio do celular, grupos de mães que se encontram na mesma fase do maternar - estamos mais sujeitos a pensar que criar filhos hoje em dia é mais fácil, certo? Mas tenho minhas dúvidas! São tantas informações e orientações diferentes na internet, tantas sugestões em grupos de mães, tanta exposição de uma maternidade ideal nas mídias digitais que acredito que está cada dia mais difícil o maternar leve e saudável. Mas a busca desse maternar é possível com as orientações pediátricas e com uma criação respeitosa e que atenda às individualidades de cada criança e ao bem-estar da família. 


Na hora da papinha 


Arquivo Pessoal
A professora Carolina Hastenreiter com os filhos Sofia e Hugo (foto: Arquivo Pessoal )
Na maior parte das vezes, os conselhos são bem-intencionados, mas alguns podem minar a segurança da nova mãe, já tão fragilizada, como ocorreu com a professora Carolina Hastenreiter, de 31 anos, quando do nascimento do primeiro filho. Desde a gravidez, ela conta que começou a se desentender com a sogra. "Teve um dia em que ela disse que eu precisava dar caldo de feijão. A Sofia tinha um mês", relata, Carol, que amamentou Sofia no peito e, antes mesmo de ela nascer, já sabia de todos os benefícios do leite materno. 

Ler, inclusive, foi o que ela mais fez durante a gestação. Participou de grupos no Facebook para ajudar a se preparar para o parto, pesquisou sobre amamentação e introdução alimentar. "Comecei a pesquisar introdução de alimentos nos quatro primeiros meses de vida. Muitos artigos falavam que a maioria dos problemas gastrointestinais ocorrem devido a essa alimentação precoce. O feijão é um alimento muito forte, que produz muitos gases. Se você dá para uma criança cujo intestino está em processo de formação, isso pode causar uma gastrite mais pra frente, que é exatamente o que meus cunhados têm. Falei isso pra minha sogra e ela não aceitou, continuou batendo de frente comigo", desabafa a professora, que, por fim, desistiu de questionar. 

A verdade é que muita coisa mudou nos cuidados com o recém-nascido ao longo dos anos. Maior que essas mudanças, porém, é o poder de decisão da mãe, que pode acatar o que ditam os novos estudos na área da pediatria ou simplesmente os conselhos de alguém querido. A internet também pode ser aliada nos cuidados, mas em era de fake news, todo cuidado é pouco. "É uma ótima ferramenta, tanto para o bem quanto para o mal. Há muita informação de qualidade, mas infelizmente há desinformação também. É sempre importante verificar a procedência e conversar abertamente com o pediatra. Toda opinião tem seu contraponto", alerta o médico pediatra Mateus Salzgeber Coutinho. 

Ansiedade


Questionado se hoje é mais fácil ou difícil criar os filhos do que antigamente, o pediatra toca num ponto que pode definir a principal característica das mães desta geração: ansiedade. Ele diz: "Criar os filhos hoje não é mais fácil, nem mais difícil. É diferente. Hoje, temos muito mais ferramentas, mais acesso, mais informação. Em contrapartida, temos maiores anseios e menos tempo. Os problemas que eram comuns há 20 anos, hoje são de fácil resolução, mas surgem novos desafios". 

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Experiência da repórter 

Alessandra Alves, 32 anos, mãe de Isaac, de 6 meses 

Resistente a conselhos 

“Jurava que seria uma mãe tranquila, sem neuras. Quando descobri que estava grávida, não fiz nenhum curso. Não li nenhum livro. Achei que tudo seria instintivo. Sou dessas que acreditam que se aprende vivendo. Para mim, não adianta avisar, instruir, insistir. Tenho que viver e pronto. E assim passei os nove meses da minha gravidez. Cuidei da minha saúde e do meu bebê, claro. Não ingeri bebida alcoólica, evitei cafeína, doces em excesso, remédios, carne de porco, todas essas coisas que dizem fazer mal. Por outro lado, não fiz exercícios para o assoalho pélvico, aulas de pilates, meditação, ioga, hidroginástica, curso de amamentação ou consultoria de sono. Não li um livro sequer sobre como ser mãe, educar os filhos, lidar com o puerpério ou escolher entre parto natural ou humanizado... Aliás, até o dia em que o Isaac nasceu, estava decidida a fazer uma cesárea. Esse assunto, talvez, tenha sido o único que admito ter estudado um pouco mais. Li artigos sobre parto natural e cesárea. Assisti ao filme O renascimento do parto, partes 1 e 2. Mas acho que parei por aí. Então, acreditei que depois que o Isaac nascesse, as coisas seriam instintivas. De fato, consegui amamentar sem maiores dificuldades. Agradeço a Deus por isso. Reconheço todas as dificuldades e jamais julgarei uma mãe que não conseguiu ou decidiu não amamentar. O tal do "instinto materno", no entanto, parou de dar as caras logo, logo. No primeiro mês de vida do meu filho, eu não sabia o que fazer. E mesmo assim, não aceitei opinião. Pedia auxílio, desesperadamente. Minha mãe ficou comigo por 20 dias. Mas a cada vez que tentava ajudar, era uma briga que nascia. Meu filho teve muita cólica e eu simplesmente não sabia o que fazer. Minha mãe, que descobriu a maternidade pela primeira vez aos 21 anos – 11 anos mais nova que eu –, queria tentar tudo que usou comigo e funcionou na época: Funchicória, chá de camomila, massagem com óleo. Eu achava tudo ultrapassado. Não porque sabia de alguma coisa. Eu não sabia de nada. Mas colocava tudo no Google. "Funchicória? Puro açúcar, vai acabar com a saúde do meu filho. Chá? Jamais, bebê que mama no peito não precisa disso! Massagem? Irrelevante", eu pensava. "Coloque ele de bruços, minha filha, que pressiona a barriguinha e alivia a dor", dizia minha mãe. "Meu Deus! Dormir de bruços é a maior causa de morte súbita entre os bebês", eu retrucava, questionando os métodos daquela que cuidou de mim e do meu irmão perfeitamente bem – aliás, temos saúde de ferro. Depois de 20 dias, minha mãe foi embora, perdida, chateada, com a sensação de impotência. E eu? Fiquei ainda mais perdida, agora sem ninguém para me dar conselhos. Mas de que adiantaria, se recusei todos eles? Depois de algumas brigas e muito diálogo, finalmente admiti minha arrogância. E minha mãe entendeu que, para além do fato de a medicina ter avançado, havia o meu direito de tomar decisões. Seis meses depois do nascimento do Isaac, consigo equilibrar os conselhos que recebo da minha mãe e da sogra com aquilo que acredito ser melhor para ele. Vovós, sem vocês não teríamos chegado até aqui. Obrigada por toda ajuda, paciência e amor com esta mamãe de primeira viagem.”

Resposta da avó 

Apoio a qualquer hora 

“Era véspera do Dia das Mães quando recebi a notícia de que seria avó. Estávamos no carro, eu e minha filha, quando ela de repente freou e estacionou. Me entregou um presente e disse: "Resolvi antecipar o Dia das Mães". Era um embrulho estampado com smiles, aquelas carinhas de sorriso. A princípio achei que era uma roupinha de cachorro, quando ouvi: "Mami, você vai ser vovó". Fiquei em estado de graça e meio sonsa. Meu Deus, pensei, um dos meus raminhos está florindo e logo dará fruto. Abraçou-me, choramos juntas e começamos a pensar se seria menino ou menina. Não esqueço o que ela me disse: "Pode deixar que tudo o que você falar, vou acatar". Grande engano, para os dois lados. Primeiro desentendimento: chegamos da maternidade e lá estava meu netinho só de fraldinhas, quase pelado. Fiquei brava e ela me enfrentou dizendo que a pediatra falou para deixá-lo só de fralda. Nossa, isso foi demais para mim. Ela não me ouvia e nada que eu falava tinha valor. Comeu comida gordurosa, sanduíche, não queria usar a cinta, tinha medo de que eu não soubesse cuidar do neném. Me sentia insegura e desconfortável com a situação. Tinha a sensação de que não confiavam em mim. Todos os meus conselhos e orientações eram em vão. Minha filha consultava o grupo de mães do WhatsApp todo o tempo e isso me tirava a paciência. Hoje, crescemos e amadurecemos. Eu, na arte de ser avó e ela na arte de ser mãe. Sobre a mentira de que eu cuidaria do seu filho, o que posso dizer? Minha filha é uma leoa, que defende sua cria e sabe que pode contar comigo, mas só ela pode ser mãe. E eu, avó.” 

Solange Alves dos Santos, avó de Isaac 

Arquivo pessoal
(foto: Arquivo pessoal)
Depoimento 


Gabriella Pacheco, de 33 anos, é mãe de Sophia, de 4 meses. Brasileira, hoje ela vive na Holanda 

Longe da família 

“Fazia ideia de que ter minha filha longe da família e amigos fosse ser difícil, mas a realidade tem superado minhas expectativas. A parte da gravidez aqui, ao contrário do que muitas mulheres receiam, não foi complicada. Quem faz o acompanhamento todo é uma parteira, não um médico. 

E de X em X semanas, quando ia na clínica de parteiras, eu era estimulada a perguntar o que quer que me assolasse no momento, além de ser estimulada a fazer cursos e ler panfletos informativos sobre tudo que envolve a gravidez. Então, não falta conhecimento para os novos pais aqui. Fazer um curso preparatório (para pais) é algo de praxe e superrecomendado. 

No pós-parto, o suporte também é similar. Na primeira semana de vida do bebê, os pais recebem em casa a ajuda diária de uma enfermeira (a kraamzorg), que ensina várias coisas, desde o banho do bebê até como fazer o berço. Então, todas aquelas dúvidas que fazem a gente recorrer à avó ou à mãe são respondidas aqui por uma profissional que estudou para saber como melhor proceder com um bebê. 

Isso me trouxe um certo alento, dada a ausência das mulheres da minha vida. Mas não dá pra dizer que elas não fizeram falta. Falo com a minha mãe com frequência, mas raramente é pra perguntar pra ela como agir ou esclarecer alguma dúvida. Para mim, o que vale é o desabafo, porque ter um bebê é uma tarefa extremamente desgastante e exaustiva. 

Por isso, o que mais sinto mesmo é a falta do apoio presencial, dos braços extras para me ajudarem com minha bebê. É claro que toda mãe vem com sua bagagem de crendices, além de toda sua própria experiência. Mãe que é mãe não deixa de ser opinativa. Mas o que a distância me ensinou é que talvez valha a pena escutar (ainda que não se deem ouvidos) e ter o alento dos braços extras e os ombros pra chorar, do que o contrário. Não à toa, a primeira coisa que vejo muitas mães expatriadas fazerem aqui é montar sua rede de apoio com outras mães na mesma condição.”