Você toma mais de um remédio? Cuidado com a iatrogenia

Interação medicamentosa pode causar danos desnecessários ao paciente, principalmente aos idosos. Médicos e demais profissionais da saúde, além da família, devem estar atentos

por Laura Valente 15/07/2019 09:48
Ramon Lisboa/E.M/D.A Press
Polifarmácia: uso contínuo de mais de cinco medicamentos (foto: Ramon Lisboa/E.M/D.A Press)
Termo pouco conhecido, a iatrogenia ou o dano causado ao paciente devido à interação medicamentosa inadequada está na ordem do dia.
 
Isso porque, no cotidiano moderno, alguns fatores vêm contribuindo para a maior incidência do problema. Um deles é o aumento na expectativa de vida da população. Frente ao envelhecimento, é cada vez mais comum o tratamento e controle para diversos problemas de saúde, uma polifarmácia associada (mais de cinco medicamentos de uso contínuo). “Como o paciente frequenta médicos de especialidades diferentes e nem sempre fala sobre o próprio histórico clínico a cada consulta, o profissional pode desconhecer ou mesmo negligenciar o risco de prescrever medicamentos inadequados e ou incompatíveis aos que ele já faz uso”, aponta Bruno Brandão Dias, médico pós-graduando em geriatria. 
 
 
Não se trata de uma doença. No entanto, a iatrogenia já é considerada uma síndrome geriátrica por ser muito comum em idosos, popualção que já apresentam naturalmente mais dificuldade de metabolizar medicamentos. Segundo Dias, o problema ocorre muito no interior (em localidades em que a população não tem tanto acesso às informações e ao serviço de saúde), por falta de atualização do profissional e ainda por problemas como a automedicação, entre outros. O médico explica que o risco de iatrogenia é ainda mais frequente em pacientes que fazem tratamentos contínuos de doenças psiquiátricas, cardíacas, no controle do colesterol ou pressão alta, entre outras. 
 
Boa notícia é que o problema pode ser minimizado ou até evitado a partir da adoção de alguns cuidados. “Profissionais de saúde que buscam atualização estão inteirados à prevenção paternária, ou seja, o uso de medicamentos só com real indicação. Sabemos que toda medicação tem efeito colateral. Assim, é necessário avaliar caso a caso, benefícios x riscos, fazer uma anamnese segura.”

O PAPEL DO PACIENTE
 
Juarez Rodriguez/EM/D.A Press
Enfermeira Maria Cristina Brandão alerta sobre a iatrogenia (foto: Juarez Rodriguez/EM/D.A Press)
Maria Cristina Soares Brandão, enfermeira e administradora hospitalar, diretora comercial e técnica da Viver Essencial Care, afirma que a atenção do paciente e ou familiar com a prescrição medicamentosa é fundamental para minimizar os riscos de iatrogenia. 
 
Com experiência de mais de 30 anos na área, ela afirma que é comum encontrar um paciente tomando dois remédios de nomes diferentes, mas com a mesma substância ativa e para o mesmo fim. Ou medicamentos incompatíveis. “O ideal é que a família conte com um médico gestor para cuidar do idoso de forma global, que possa avaliar o quadro clínico como um todo, de preferência um geriatra. Também penso que os farmacêuticos precisam trabalhar em conjunto com o médico e em visitas regulares aos pacientes.” 
 
Mas ela reconhece que, muitas vezes, a família não pode arcar com custos para um tratamento individualizado com um médico gestor. E é aí que a família ou o próprio paciente tem papel importantíssimo. “A organização na administração dos remédios é fundamental. Indico que cada paciente deva fazer uma lista com todos os medicamentos dos quais faz uso e a mostre ao médico a cada consulta. A observação de sintomas como tonteira, enjoos, confusão mental, dor de cabeça, letargia, erupções na pele ou dificuldade de marcha (para caminhar) também devem ser observadas.” 
 
Entre os profissionais de saúde, a enfermeira lembra da importância da adoção de cuidados como o Critério de Beers – listagem de medicamentos considerados inapropriados ou pouco seguros para serem administrados em idosos – e o Critério de Stopp Start, ferramenta de rastreio que ajuda médicos e farmacêuticos a identificar potenciais erros na prescrição de medicamentos em relação ao peso do paciente, idade, patologias e dosagem. “Nosso papel é divulgar e falar sobre a iatrogenia para que a população e os profissionais de saúde passem a adotar ações mais seguras em relação ao uso de remédios que podem causar danos aos pacientes.” 

EM JOVENS
 
Arquivo pessoal/divulgação
Jessica Henschke desenvolveu úlcera medicamentosa (foto: Arquivo pessoal/divulgação)
Mas não apenas os idosos devem estar atentos à iatrogenia, que pode afetar pacientes de qualquer faixa etária. Exemplo é o da publicitária Jéssica Henschke, de 27 anos, que desenvolveu úlcera medicamentosa durante um longo tratamento contra a endometriose. “Percebi que havia algo errado ao sofrer com dores de estômago muito fortes, que me levaram ao hospital. O quadro ocorreu num pós-cirúrgico complicado, com inflamação do útero, quando precisei fazer uso de muitos medicamentos ao mesmo tempo. Hoje, diminuÍ 70% do arsenal, fiz reeducação alimentar e percebi o quanto é importante estar atenta à prescrição médica e ao uso correto dos remédios, no horário certo e após me alimentar de forma correta. Inclusive, passei a buscar outras alternativas, como a homeopatia, e não correr para o remédio por qualquer motivo”, avalia. 


CINCO PERGUNTAS PARA:
Caroline Adelino, farmacêutica da unidade de internação do Hospital Licenter

A iatrogenia não é uma doença, certo?
Não é uma doença. Trata-se mais de efeitos adversos de um tratamento. A interação medicamentosa pode ser um desses danos. Ela ocorre quando uma pessoa faz uso de mais de um medicamento e as substâncias contidas nesses fármacos geram uma reação. Nesse caso, a iatrogenia é por consequência do uso de medicamentos. É importante lembrar também que a interação não ocorre quando os medicamentos são ingeridos juntos ou apenas no mesmo dia. Algumas substâncias podem ficar biodisponíveis no organismo por dias, aumentando a chance de ocorrer essa interação. 

João Cleber/divulgação
A farmacêutica Caroline Adelino (foto: João Cleber/divulgação)
 
Há exemplos de substâncias sempre incompatíveis em tratamentos médicos ou isso varia de paciente para paciente? 
É importante destacar que a interação medicamentosa é um tipo de reação causada por um medicamento. Muitas delas estão descritas nas bulas pela indústria farmacêutica. Elas podem ou não ocorrer e variam de acordo com o organismo. Apesar de essa variação ser individual, farmacêuticos, médicos e enfermeiros já têm mapeados, de acordo com estudos, substâncias de grande interação entre si. Um risco que pode ser recorrente na situação ambulatorial e doméstica está relacionado ao uso do omeprazol – um protetor gástrico – com o clopidogrel – um antiagregante plaquetar que atua na prevenção de trombose arterial. O uso combinado desses fármacos pode ter consequências graves. O omeprazol pode reduzir o efeito do clopidogrel e levar o paciente a um problema cardíaco, até mesmo a um infarto. 

Podemos listar os sintomas mais comuns? 
Na interação medicamentosa, um remédio pode anular o efeito do outro, pode aumentar o efeito ou levar a um efeito secundário que, se for negligenciado, o médico pode achar tratar-se de um novo problema de saúde e não de um efeito consequente do medicamento. 

Quais cuidados o médico deve ter ao propor um tratamento para pacientes?
O médico e o farmacêutico procurado no balcão de uma farmácia devem avaliar quais os medicamentos o paciente já faz uso em casa e, dessa forma, ver se a nova prescrição não vai interagir. Os profissionais da saúde devem sempre orientar os pacientes em relação aos riscos dos usos combinados dos medicamentos. Muitas vezes, o paciente não sabe dessas interações, então, médicos e farmacêuticos devem sempre ter como hábito perguntar sobre o uso de outros medicamentos para prever interações e evitar danos. 

E os pacientes, quais cuidados devem ter para evitar a iatrogenia? 
O paciente deve ser sincero ao informar quais medicamentos faz uso em domicílio, o que ingeriu esporadicamente naquele dia ou naquela semana antes de uma internação ou novo tratamento de saúde. É preciso ter em mente que as interações ocorrem até com medicamentos isentos de prescrição médica. Então, é mais um ponto de atenção para evitar a automedicação.