Bactéria bucal da periodontite pode estar ligada ao Alzheimer

Responsável pela periodontite, micro-organismo libera enzima que se concentra no cérebro de pacientes com a doença neurodegenerativa. Combate à substância tóxica também reduz danos neurais

por Vilhena Soares 10/02/2019 15:22
Reprodução/Internet/Depositphotos
(foto: Reprodução/Internet/Depositphotos)

A periodontite é uma doença bucal comum, provocada pela má higienização dos dentes. Além dos danos odontológicos, essa inflamação pode estar relacionada ao Alzheimer, segundo cientistas americanos. Em experimentos laboratoriais, o grupo encontrou no cérebro de pacientes que tiveram a doença neurodegenerativa uma toxina secretada por uma bactéria bucal. Os cientistas também testaram maneiras de combatê-la. Em experimentos com ratos, um medicamento usado para tratar o problema odontológico reduziu os danos cerebrais relacionados à demência. As descobertas foram publicadas na última edição da revista especializada Science Advances.

Estudos anteriores relacionaram o Alzheimer a infecções. Nessas pesquisas, foi visto que pacientes com demência por HIV mostram melhorias na memória após tratamento agressivo com drogas que combatem o vírus da Aids. Apesar desses indícios, os autores do novo estudo avaliam que o tema ainda não era bem compreendido. “Agentes infecciosos têm sido implicados no desenvolvimento e na progressão da doença de Alzheimer, mas a evidência de causalidade não tem sido convincente”, diz Stephen Dominy, cofundador da empresa de pesquisa médica Cortexyme e principal autor do estudo.

A P. gingivalis, bactéria que causa a gengivite, produz enzimas conhecidas como gengivases. Ao analisar amostras de tecidos cerebrais de humanos com Alzheimer, Stephen Dominy e colegas observaram a presença de uma dessas enzimas, a lisina-gingipain (Kgp). A partir daí, resolveram realizar testes em ratos para observar a fundo o efeito da Kgp. Os investigadores provocaram infecções orais em cobaias usando a toxina e observaram que a interferência levou ao aumento da produção de beta-amiloide, uma proteína associada ao Alzheimer, além de outras substâncias cerebrais ligadas à enfermidade neural.

Em uma terceira etapa, os cientistas se concentraram em encontrar uma forma de bloquear os efeitos negativos provocados pela Kgp. Para isso, desenvolveram e aplicaram, de forma oral, uma série de pequenas moléculas nas cobaias. A mais efetiva delas, chamada COR388, bloqueou a produção de placas de beta-amiloide, reduziu a neuroinflamação e protegeu neurônios presentes no hipocampo, a parte do cérebro relacionada à memória e que frequentemente se atrofia no início do desenvolvimento do Alzheimer.

A equipe acredita que os resultados positivos podem gerar novas terapias. “Nossa publicação lança luz sobre um impulsionador inesperado da patologia de Alzheimer - a bactéria comumente associada à doença gengival crônica – e detalha uma abordagem terapêutica promissora com o uso de COR388. Agora, pela primeira vez, temos evidências sólidas ligando essas duas enfermidades, ao mesmo tempo em que demonstramos o potencial de uma classe de pequenas terapias moleculares para mudar a trajetória da doença”, defende Casey Lynch, um dos autores do estudo e também pesquisador da empresa Cortexyme.

PREVENÇÃO

Para Otavio Castello de Campos Pereira, geriatra e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer no Distrito Federal, a pesquisa sinaliza um novo fator que pode ajudar a explicar as causas do Alzheimer, cujos mecanismos ainda são nebulosos. “Esse artigo investiga o que está envolvido na doença, mostra mais uma possibilidade de nova linha de entendimento dos fatores relacionados a essa enfermidade. Por conseguinte, de prevenção, talvez até de tratamento”, diz.

Segundo o médico, a análise cerebral de indivíduos com Alzheimer foi um dos pontos mais importantes do estudo. “Sabemos que essa toxina não deveria estar no cérebro, ela foi parar lá, mas não tem nenhum efeito fisiológico na área neural. Então, o ponto de partida deles era, se eu fizer algo para interferir nisso, vai piorar ou melhorar a vida dos animais? Com isso, viram a diminuição da inflamação e das substâncias que estão associadas à doença, como o acúmulo de beta-amiloide e a neuroinflamação, também envolvida no Alzheimer”, explica.

O especialista pondera que os resultados, apesar de promissores, ainda são bem incipientes. “É um estudo feito ainda em modelo animal, não é algo como temos um novo tratamento, temos uma nova forma de diagnóstico. É só uma hipótese. É preciso investigar muito mais. Porém, sabemos que a periodontite está relacionada a outros problemas, como o infarto. Por isso, a mensagem de prevenção a esse problema de saúde, ainda mais com as observações vistas, precisa ser reforçada”, ressalta.

DA GENGIVA AO OSSO

É uma doença bucal extremamente comum, que faz com que as gengivas fiquem vermelhas, sensíveis e inchadas. Pode gerar enfraquecimento e perda de dentes. O tratamento foca na limpeza ao redor dos dentes, evitando danos nos ossos, principalmente o maxilar. Se não for tratada cedo, pode demandar a realização de cirurgia.

Palavra de especialista

João Martins Rodrigues Netos - odontogeriatra

A importância da higienização

“Um ponto que não foi muito abordado no artigo, mas que deveria ser frisado, é que, se você fizer uma higienização perfeita, com uso de pasta de dente e fio dental, protege a boca da periodontite, e isso também servirá como prevenção ao Alzheimer, caso realmente exista essa ligação entre as duas enfermidades. As pessoas acham que a boca está relacionada a danos apenas nos dentes, mas, quando você tem uma cárie, por exemplo, ela pode atingir a polpa do dente e a gengiva, que tem vasos sanguíneos, e o sangue se distribui pelo corpo. Com base nisso, a odontologia mudou conceitos. Quando se vai ao consultório, é importante analisar todos os fatores envolvidos para que a pessoa possa ser tratada de maneira mais completa.”